O motivo (salvar o planeta) é justo e a demanda, grande: reciclar o lixo, diminuir o consumo, preferir os orgânicos, usar papel reciclado, gastar menos energia elétrica e menos água, ter sempre à mão uma "ecobag" para não passar nem perto das sacolinhas plásticas.
O problema é que, como se fala tanto em sustentabilidade e aquecimento global, a quantidade de informações, muitas vezes contraditórias, confunde e cansa até o mais bem intencionado ecologicamente.
A consultora em desenvolvimento organizacional Sandra Quinteiro, 41, por exemplo, não acha fácil cumprir a sua parte. No prédio onde mora, o lixo reciclável é todo separado: papel, plástico, metal... Mas ela não sabe onde se encaixa a caixinha longa vida -e já ouviu diversas teorias sobre o assunto. Também se sentiu bem ao levar uma caneca para o trabalho, para não usar mais copos descartáveis. Até alguém comentar que a água usada para lavá-la geraria outro tipo de impacto ao ambiente.
"Existem muitas informações contraditórias porque elas envolvem dados técnicos bastante complexos. Se até entre os cientistas há controvérsias, imagine entre os leigos. O consumidor teria de ser um especialista em energia, em água etc. para entender tudo", analisa a socióloga Fátima Portilho, da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), autora do livro "Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania" (ed. Cortez).
Além de ter os dados em mãos, é preciso entender por que se deve adotar determinada ação -e saber que nem sempre uma iniciativa terá somente resultados positivos-, o que torna o engajamento ecológico ainda mais complicado. Por exemplo, ao escolher um carro a álcool porque polui menos do que o veículo a gasolina, o consumidor sustenta a produção de um combustível que pode ser responsável por desmatamento de floresta e que pode oferecer condições ruins de trabalho.
"As escolhas sempre terão elementos contraditórios e é preciso fazer ponderações, decidir o que deve ser priorizado. Minha ação vai diminuir o aquecimento global? Ou desencadear algum problema social? Ao compreender isso, percebe-se que as respostas não são "preto no branco'", diz Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.
E, mesmo com essa reflexão, ainda ficam questionamentos, pois é difícil saber como uma escolha poderia causar tamanho efeito no ambiente, quando se abordam somente termos genéricos. "Isso atrapalha porque se fala muito das conseqüência globais, mas falta o direcionamento para o que pode ser feito localmente", explica Eliane Saraiva, coordenadora do curso Técnico Ambiental do Senac de São Paulo.
De olho nesse turbilhão de informações e dúvidas, o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) criou um site de orientação para o consumo consciente (www.climaeconsumo.org.br), que pretende ligar as pequenas ações às grandes questões ecológicas. "Falta uma conexão entre os problemas ambientais e os hábitos de consumo, não é fácil ser um consumidor responsável", diz Lisa Gunn, coordenadora-executiva do Idec.
Tantas incertezas podem explicar os números de uma pesquisa do WWF (Fundo Mundial para a Natureza) e do Ibope, divulgada no mês passado. Apesar de todas as sugestões, a população ainda não tem uma ação ecológica relativamente simples: 67% dos brasileiros entrevistados não separam o lixo reciclável e somente 5% encaminham o lixo orgânico para a transformação em adubo.
Além de informações incompletas, outro problema que desestimula a adoção de atitudes ecológicas é a falta de opção aos hábitos poluentes. Esse é o dilema do administrador Matheus Oshikiri, 34. Ele reutiliza quase todo o lixo que produz -manda as embalagens para reciclagem, e o orgânico vira adubo para seu jardim-, não come fritura, "não sei o que o estabelecimento que fritou o meu pastel vai fazer com aquele óleo" e evita as sacolinhas plásticas.
Ainda assim, gostaria de fazer mais, como deixar de usar o carro, comprar discos de segunda mão e escolher embalagens de papel reciclado. "Quero ter a opção de ser mais sustentável. Mas o sistema de transporte de São Paulo é horrível, a malha ferroviária é insuficiente, não se estimula o comércio de produtos usados, só se fala em recicláveis, mas não em reciclados... O meu esforço tem de ser muito maior aqui do que em outros países", lamenta.
Falta de alternativa
Maria Cláudia Kohler, coordenadora do curso de pós-graduação em meio ambiente e sociedade da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) e coordenadora de voluntários do Greenpeace Brasil, concorda: o assunto está em pauta, mas é difícil aderir por falta de alternativa.
"O produto orgânico é melhor, mas é mais caro. As pessoas não têm opção na questão financeira e faltam estímulo e políticas de governo. E ainda falta opção. Adoraria escolher entre energia eólica e solar, mas não há essas possibilidades em minha rede de abastecimento. Não há pasta de dente sem caixa de papelão...", diz.
Algumas escolhas convergem para ações econômicas, como a diminuição no consumo de energia elétrica, explica Fátima Portilho, da UFRRJ. Esse benefício imediato pode facilitar a adesão à mudança do hábito. Verifica-se isso na mesma pesquisa do WWF e do Ibope: 80% dos entrevistados sempre desligam lâmpadas e deixam o computador em estado de hibernação quando saem do ambiente por pouco tempo.
Isolado, mas produtivo
O psicólogo Sean White, 29, acredita que as mudanças precisam ser drásticas para causar efeito na natureza e que, apesar de estar na moda dizer que é ecologicamente sustentável, não sente um compromisso geral com a causa. "Esse monte de informação me desestimula, porque faço pequenos gestos e ainda assim me sinto culpado. Ficam na discussão se uso um copo de plástico ou de papel, mas eu preciso tomar o meu café de algum jeito", desabafa.
Essa sensação de isolamento também torna mais difícil o engajamento às ações ecológicas, segundo Fátima Portilho. "Eu faço o esforço, mas posso desanimar quando percebo que só eu ajo", diz.
E, para constar, sem querer causar confusão: a caixinha longa vida deve ir ao compartimento dos papéis. De acordo com a Tetra Pak, a embalagem segue antes para a indústria papeleira e, depois, para outras indústrias que aproveitarão o plástico e o alumínio.
(Por Julliane Silveira, Folha de S. Paulo, 21/07/2008)