Para evitar o pior cenário previsto pela mudança climática, é preciso se voltar aos pântanos existentes e criar outros novos, devido à capacidade de captura de carbono desses ecossistemas, afirmaram cientistas. “Os pântanos contêm enormes reservas de carbono, cerca de 20% do total do planeta”, disse Eugene Turner, especialista do Instituto de Ecologia Costeira da Universidade de Lousiana (EUA). Mas os pântanos, entre eles as florestas de turfa, continuam sendo usados para outros fins em todo o mundo, o que resulta em grandes emissões de carbono e metano, um potente gás causador do efeito estufa que tem 21 vezes o impacto calórico do dióxido de carbono.
Por si só, a mudança climática já degrada os pântanos, especialmente na região ártica e perto da zona antártica, onde derretem as florestas de turba antes congeladas de modo permanente, disse Turner à IPS. O assunto é motivo de análise na Oitava Conferência Internacional sobre Pântanos de Intecol (sigla em inglês de Associação Internacional para a Ecologia), que terminará na próxima sexta-feira em Cuiabá, capital do Mato Grosso. “Os pesquisadores estão medindo as enormes emissões de carbono e metano nessas regiões. É uma loucura somar a isso a drenagem e o mau manejo de outros pântanos”, acrescentou.
As aves, os seres humanos que desfrutam avistando-as e os ambientalistas que conhecem sua capacidade de capturar carbono valorizam enormemente os pântanos. Mas, quase ninguém mais. Além dessa qualidade ecológica, estes ecossistemas têm uma enorme biodiversidade, são elementos-chave no controle de inundações e fornecimento de água limpa. As recentes e desastrosas inundações na região do meio-oeste dos Estados Unidos teriam sido muito menos prejudiciais se os pântanos da região não tivessem sido drenados há décadas, ressaltou Turner.
“Em muitas partes do mundo a humanidade precisa de um despertador para apreciar plenamente os vitais serviços ambientais, sociais e econômicos proporcionados pelos pântanos”, disse o co-presidente da conferência, Paulo Teixeira, coordenador do Programa Ambiental Regional do Pantanal, com sede em Cuiabá. Trata-se de um esforço conjunto da Universidade das Nações Unidas (UNU) e da Universidade Federal do Mato Grosso. “O público não compreende os benefícios dos pântanos. Esperamos mudar isto em nossa reunião”, disse Teixeira em uma entrevista.
A conferência da Intecol avaliará o estado dos pântanos mundiais, identificará os vazios de conhecimento, promoverá maior cooperação e consistência na ciência dos pântanos em todo o mundo e proporá políticas urgentes, disse Teixeira. A mudança climática aumentou drasticamente a necessidade de proteger os pântanos. Sem reduções substanciais na queima de combustíveis fósseis, no futuro se perderá até 85% dos pântanos. Essa perda vai muito além do desaparecimento do habitat de numerosas aves; também liberará suficiente carbono e metano para quase seguramente lançar o clima em uma era de mudanças rápidas e extremas, segundo especialistas.
“Muito frequentemente no passado, sem se dar conta, as pessoas consideravam que os pântanos eram problemas que precisavam de uma solução”, disse o reitor da UNU e subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas, Konrad Osterwalder. “Além do mais, os pântanos são essenciais para a saúde do planeta. Vistos em retrospectiva, os problemas, na realidade, resultara ser a drenagem de pântanos e outras ‘soluções’ orquestradas pelos humanos”, disse Osterwalder em uma declaração escrita.
As áreas úmidas – que incluem pântanos, turferas, deltas de rios, mangues, tundra, lagunas e terras alagadas por rios – cobrem apenas 6% da superfície terrestre e contêm 771 bilhões de toneladas de gases causadores do efeito estufa. O dióxido de carbono e o metano que estes ecossistemas capturam equivalem ao conteúdo atual de carbono de toda a atmosfera. Aproximadamente 60% dessas áreas no mundo – incluídos 90% dos da Europa – foram destruídos nos últimos cem anos.
A intenção foi secar superfícies para fins agrícolas, desenvolvimento urbano e extração de turba, mas também desapareceram devido à contaminação, inundados por represas, drenados por canais e pelo bombeamento de água subterrânea. A cidade de Cuiabá fica junto ao Pantanal, gigante de terras úmidas sul-americano que ocupa 165 mil quilômetros quadrados – área praticamente equivalente ao Estado da Florida (EUA) – de Brasil, Bolívia e Paraguai. Considerado um dos ecossistemas mais biodiversos do mundo, o Pantanal é um complexo mosaico de lagos, lagoas, rios, florestas e ilhas cobertas por matas.
Muitas das milhares de espécies ali encontradas estão em risco de extinção. Também migram para o Pantanal grandes quantidades de aves que passam o verão boreal na América do Norte. Embora esteja sob pressão do intenso desenvolvimento agrícola, industrial e urbano, o Pantanal se sustenta “muito bem”, em parte porque os governos locais e estaduais compreendem seu valor como atração turística, disse Paulo Teixeira. O desafio futuro é manejar as dimensões sociais e econômicas e, como os pântanos não conhecem fronteiras políticas, desenvolver acordos de manejo com a Bolívia e o Paraguai, países com os quais o Pantanal é compartilhado.
O desafio mais imediato para os mangues é a competição por água e terra em um mundo cada vez mais faminto. Teixeira e Turner concordam que um melhor manejo pode reduzir essas pressões, bem como preservar os importantes serviços ecológicos proporcionados pelos pântanos, entre eles a estabilização do clima, destacou o cientista brasileiro. Preservar pântanos saudáveis é uma alternativa muito melhor do que tentar arrumá-los ou recriá-los, disse Turner. Os Estados Unidos gastam entre US 6 bilhões e US$ 7 bilhões na restauração dos mangues de Everglades, na Florida, acrescentou. “Os mangues podem ser restaurados, mas a maioria das tentativas estão fracassando. Não é fácil e demora muitos anos, até mesmo décadas”, afirmou.
A mudança climática global é a maior ameaça aos mangues. Se as temperaturas mundiais médias aumentarem três ou quatro graus, então o Pantanal do Mato Grosso, como a maioria dos pântanos, provavelmente secará. Isso também irá liberar quantidades de carbono e metano, tornando o clima ainda pior. Até agora, a queima de combustíveis fosseis aumento em 0,8 grau as temperaturas globais médias, mas os aumentos são várias vezes maiores no Ártico. Os mangues podem ter um papel importante na estabilização do clima. “Nosso futuro está vinculado à saúde dos pântanos”, afirmou Turner.
(Por Stephen Leahy, Envolverde, IPS, 22/07/2008)