No dia primeiro passado, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou amplo estudo em que revela um “rápido e forte interesse no mercado financeiro” global em relação à geração de energias renováveis e à eficiência energética. “Novos investimentos superam US$ 148 bilhões em 2007, o que representa um crescimento de 60% em relação a 2006. O crescimento continua em 2008”, mostra o relatório do Pnuma.
AmbienteBrasil foi buscar uma análise detalhada do estudo e, para fazê-la, convidou o engenheiro ambiental Rafael Valdetaro Bianchini, pesquisador do Centro de Excelência em Armazenamento de Carbono da PUC do Rio Grande do Sul.
“É importante entender que o contexto geopolítico no qual a maioria do ‘resto do mundo’ está inserida, no que diz respeito à geração de energia, é completamente diferente do contexto do Brasil. Enquanto nós temos um potencial hídrico invejável, além de um território com dimensões continentais, clima tropical e tradição agrícola, o que nos fornece mais de 50% de toda energia gerada no país, o ‘resto do mundo’ ainda apóia sua matriz energética nos combustíveis fósseis”, comentou.
Além disso, segundo ele, ao mesmo tempo em que a maioria dos países integrantes da OPEP amarga a escassez de novas descobertas de reservas de petróleo - um dos principais motivos para o atual preço da commodity - no Brasil, a ANP divulga descobertas que colocam o país como provável potência na exploração do recurso não renovável.
“Com o preço do petróleo em US$ 140, e com previsões de subida, a geração de energia a partir de fontes renováveis e a redução dos gastos energéticos em processos produtivos – tecnologia chamada de eficiência energética - tornam-se economicamente interessantes. Por isso, o mercado financeiro demonstra um crescente interesse nestes temas”, coloca Bianchini.
Achim Steiner, diretor do Pnuma, afirma que “mais de US$ 148 bilhões no novo fundo global foram direcionados ao setor de energia sustentável no ano passado, 60% a mais que em 2006, mesmo com a redução de crédito do mercado financeiro, de acordo com o relatório Global Trend in Sustainable Energy Investment 2008”. Os 60% em novos investimentos significam um aumento de três vezes as previsões do relatório de 2006, que antecipou uma taxa de 20%.
Para Rafael Bianchini, “o fato dos investimentos nestes setores terem crescido, não obstante a redução geral de crédito no mercado, demonstra que os investidores estão começando a enxergar a energia renovável com outros olhos, como algo que será realidade antes do que se pensava”.
O Pnuma registrou que “a energia eólica, mais uma vez, atraiu a maior parte dos investimentos (US$ 50.2 bilhões em 2007), porém, a energia solar disparou, atraindo US$ 28.6 bilhões do novo capital e crescendo a uma taxa média anual de 254% desde 2004”.
Bianchini diz que os investimentos do mercado financeiro seguem o estágio atual de desenvolvimento da tecnologia. A energia eólica é, hoje, a mais madura dentro do portfólio das renováveis, com a exceção da hídrica. Assim, a energia gerada por esta modalidade é tida como um investimento relativamente seguro pelo mercado, por isso o seu destaque. “No entanto, novidades tecnológicas no mundo da energia solar estão fazendo com que seu interesse seja cada vez maior por parte dos investidores”, coloca.
Segundo Michael Liebreich, presidente da New Energy Finance Ltd, a energia eólica continua seu forte progresso, com capacidade instalada superior a 100 GW. A solar está amadurecendo rapidamente, com investimentos pesados para se superar o entrave causado pelo alto custo associado ao silício utilizado e com a nova tecnologia de filmes finos começando a ganhar escala.
Ele diz que há, também, diversas outras modalidades com potencial para serem aplicadas em larga escala, incluindo a geração de energia a partir da biomassa e do calor do interior da Terra, chamada de energia geotérmica. Uma notícia desanimadora diz respeito à tecnologia Captura e Armazenamento Geológico de Carbono, ou CCGS, capaz de conciliar a utilização de combustíveis fósseis (carvão e petróleo ou gás) para geração de energia em usinas termelétricas sem a emissão de CO2. Este foi o único setor em que não se viu tanto progresso quanto esperado, com questões regulatórias ainda pendentes e financiamentos para projetos permanecendo escassos, segundo Michael Liebreich.
“O CCGS tem condições tecnológicas de tornar uma usina alimentada por carvão mineral tão limpa - em termos de emissão de CO2 - quanto uma planta eólica ou solar”, diz Rafael Bianchini. “No entanto, as questões citadas por Michael Liebreich ainda atrasam a aplicação do CCGS em larga escala. Porém, estes entraves devem ser solucionados já na próxima década, uma vez que esta tecnologia será imprescindível ao esforço de transição da matriz energética mundial, hoje essencialmente fóssil, para um panorama renovável”.
Segundo a Agência Internacional de Energia, a energia renovável terá, em 2050, um papel similar ao do CCGS dentro do contexto de redução das emissões de CO2, enquanto que a eficiência energética terá uma cota de participação maior que a das duas tecnologias somadas.
Corrida do Ouro
Achim Steiner, que também é sub-secretário Geral da ONU, diz que “assim como milhares foram levados à Califórnia e ao Klondike no fim dos anos 1800, a ‘corrida do ouro’ pela energia verde está atraindo legiões de prospectores dos tempos modernos em todas as partes do globo”.
Prossegue o diretor do Pnuma: “Um século mais tarde, a diferença é que a maior parte dos que hoje procura por riquezas, encontrará. Com as temperaturas globais e preços de combustíveis fósseis em ascensão, é cada vez mais óbvio para o setor público e de investidores que a transição para uma sociedade ‘com baixo teor de carbono’ é tanto um imperativo global quanto uma inevitabilidade – mas somente inevitável se mecanismos criativos de mercado e políticas públicas puderem evoluir rapidamente para liberar e não frustrar esse levante das energias limpas”.
Rafael Bianchini avalia que “quem chegar antes na corrida pelas patentes de tecnologias de renováveis vai ter posição de destaque em um futuro que, hoje em dia, se sabe que não tardará muito a chegar”. Conforme o estudo do Pnuma, a maioria do dinheiro foi para a Europa, seguida pelos EUA. Entretanto, China, Ìndia e Brasil também atraíram crescente interesse de investidores. “Energia renovável e eficiência energética, hoje em dia, ainda são termos restritos a países desenvolvidos. Dentre eles, os europeus se destacam por não compartilharem do paradigma americano dos combustíveis fósseis”, comenta Rafael.
Para ele, o surpreendente, em um primeiro momento, seria a China e a Índia, países em desenvolvimento e com geração de energia amplamente baseada em carvão, entrando nessa corrida. “No entanto, tal fato se explica facilmente, pois estes países estão crescendo de maneira muito expressiva e, dentro de poucos anos, terão metas de redução de emissões de GEE (gases causadores de efeito estufa), assim como os países do Anexo 1. Dessa forma, China e Índia já se preparam para uma inevitável transição de sua matriz energética”, diz.
O Pnuma detectou ainda que, com os custos do milho americano em alta e os preços do etanol em queda, capital de risco e investimento de capital privado em biocombustíveis caíram quase um terço em 2007, para US$ 2.1 bilhões. “Entretanto, o investimento em biocombustíveis não se esgotou totalmente, apenas mudou-se para o Brasil, Índia e China”, diz o estudo.
Para Bianchini, fica evidente que o mercado mundial percebeu que o etanol americano, produzido a partir do milho, não será competitivo dentro de um cenário sócio-econômico de inflação dos preços dos alimentos e subsídios pesados do governo aos produtores da commodity. Isto levou à mudança no perfil dos investimentos, iniciando uma nova fase voltada ao produto obtido a partir da cana-de-açúcar. O Brasil é favorecido nessa corrida como líder mundial em tecnologia e, de quebra, por possuir potencial para atender parte da demanda global por etanol, graças à quantidade de terra disponível para se produzir a matéria-prima.
“O entusiasmo de olhar além das tecnologias maduras sugere que investidores estão tomando energia renovável e eficiência energética cada vez mais seriamente”, afirma o relatório do Pnuma. “Os investidores perceberam que as renováveis são a nova galinha dos ovos de ouro, e que pegar essa galinha enquanto pintinho é muito mais interessante”, ilustra Bianchini.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 22/07/2008)