A Câmara Municipal de Porto Alegre lançou no final da manhã desta terça-feira (22/07) a carta “Porto Alegre: uma visão de futuro”, com os resultados colhidos no Fórum iniciado em maio e encerrado nesta terça-feira (22/07). A carta, lida pelo presidente do Legislativo municipal, vereador Sebastião Melo (PMDB), explica os motivos que levaram a Câmara a propor a realização do Fórum e aponta caminhos para soluções dos principais problemas enfrentados pela Capital gaúcha em temas como mobilidade urbana, desenvolvimento urbano, urbanismo sustentável e estética urbana. A carta propõe ainda a criação do Instituto de Altos Estudos e Planejamento Urbano de Porto Alegre. O documento é dirigido à sociedade em geral e, em especial, aos candidatos a prefeito de Porto Alegre no pleito de 2008.
As principais sugestões da carta são as seguintes:
1 - A Câmara deve considerar o projeto Porto Alegre: uma visão de futuro não simplesmente como uma iniciativa pontual mas como um instrumento a ser recorrentemente utilizado por futuros vereadores para qualificar o exercício de seus mandatos.
2 - Os grandes órgãos de formação da opinião pública precisam perceber que a problemática da cidade não vem tendo a atenção devida e que é fundamental que o desenvolvimento de Porto Alegre seja considerado como uma prioridade editorial, inclusive com a criação de editorias de desenvolvimento urbano.
3 - As instituições de ensino superior devem manter e ampliar os programas de pesquisa com foco nas diferentes dimensões da vida da Capital e da Região Metropolitana, a fim de que se possa contar com os subsídios aprofundados e objetivos que somente a melhor pesquisa acadêmica pode fornecer.
4 - É necessário criar um Instituto de Altos Estudos e Planejamento Urbano, uma instituição encarregada de pensar a cidade em um horizonte de longo prazo, que integre em suas atividades a consideração da problemática urbana em todas as dimensões.
Leia a íntegra da carta.
Carta programática do Projeto Porto Alegre: uma visão de futuro
I
No mês de março deste ano de 2008, a Câmara Municipal de Porto Alegre, levando em conta evidências e lições hauridas e acumuladas no trato contínuo com os problemas da cidade e no diálogo permanente com os cidadãos porto-alegrenses, entendeu oportuno e, mais do que isso, indispensável, provocar um grande debate sobre o futuro de nossa capital.
II
As razões que motivaram a decisão, unânime, então tomada pelo Poder legislativo municipal, de viabilizar a realização do que viria a se constituir como o projeto Porto Alegre: uma visão de futuro foram as seguintes:
1º) As mudanças no modo de estruturação e funcionamento da economia mundial, assim como na forma e nos termos de organização das sociedades ocorridas nos últimos trinta anos, vem fazendo com que as unidades sub-nacionais e, especialmente, as cidades, se convertam diretamente em centros e pólos ativos da sociedade e da vida globalizadas;
2º) Porto Alegre não tem ficado alheia a tais mudanças, mas, ao contrário, especialmente com relação às questões de organização do poder local, tem assumido uma posição de protagonismo na cena política mundial, graças à criativa geração de novas formas de participação da comunidade na gestão dos assuntos de interesse público;
3º) Paradoxalmente, no entanto, nós os porto-alegrenses sabemos que sobre nós mesmos, sobre as tendências que moldam a dinâmica de nosso desenvolvimento refletimos e sabemos pouco e, na verdade, tudo se passa como se os enormes avanços da discussão sobre os meios sobre o modo de integrar os cidadãos na gestão orçamentária – nos tivessem feito deixar em segundo plano as questões mais de fundo, que, independentemente da ação dos governos e à revelia da opinião pública cidadã, desenham concretamente a face da cidade;
4º) Como exemplos notórios da falta de clareza com que temos convivido com nossos problemas releva mencionar pelo menos os seguintes:
a) com relação a nossos bairros, temos sido levados por uma dinâmica desconhecida e opaca, que a uns torna decadentes, a outros promove, a outros usa e exaure, a outros marginaliza e esquece;
b) com relação aos impactos da retomada do desenvolvimento econômico sobre a infra-estrutura viária da cidade e sobre o sistema de gestão do tráfego, assim como sobre as novas necessidades de transporte coletivo que daí decorrem temos idéias ao mesmo tempo divergentes e vagas, sendo evidente que nos falta uma visão clara e consensualizada de como equacionar os problemas da mobilidade urbana num horizonte de médio e longo prazo;
c) nas áreas mais conhecidas da habitação e do saneamento básico, a despeito dos significativos esforços que vem sendo feitos nos últimos anos em ações de reurbanização de áreas faveladas e em investimentos na infra-estrutura de drenagem e saneamento, é muito evidente que também nos faltam uma visão integrada e uma estratégia verdadeiramente estruturada sobre o modo de superar os difíceis problemas com que ainda nos vemos a braços, sem falar das deficiências notórias dos serviços de coleta e reciclagem do lixo;
d) sobre o desenvolvimento econômico, adivinhamos, é certo, que poderíamos nos tornar um pólo de indústria e serviços de alta tecnologia, assim como nos damos conta que temos uma vocação e um potencial para o turismo, especialmente o de eventos, que pode e deve ser muito melhor aproveitado; mas mesmo aí, e independentemente da orientação política dos governos, nos tem faltado tanto presteza e precisão na avaliação das oportunidades, quanto clareza com relação à estratégias e instrumentos de fomento;
e) com relação à estética urbana, temos tido dificuldade até mesmo para compreender que um ativo essencial e decisivo da qualidade de vida nas cidades e do bem estar dos cidadãos depende de que se construa um ambiente urbano verdadeiramente aprazível; um ambiente no qual os valores e vantagens que a natureza proporciona e os ativos que o patrimônio urbanístico e arquitetônico acumula sejam combinados com uma visão clara e crítica dos valores estéticos a serem promovidos na trajetória que leva a cidade a seu futuro: aos novos desenhos e às novas paisagens urbanas;
f) por fim, com relação à questão da crescente insegurança que tem gravemente desfigurado os padrões históricos da vida urbana, induzindo condutas defensivas e quase paranóicas, assim como a gestação de uma odiosa, ainda que incontornável, “arquitetura de segurança” feita toda de muros, grades, cercas elétricas e guaritas é mais do que óbvia a necessidade de que se compreenda que a insegurança das cidades é um mal maior no Brasil contemporâneo e que Porto Alegre, infelizmente, não é exceção neste quadro horrível e insuportável, de modo que precisamos assumir como um desafio prioritário da gestão municipal um adequado equacionamento das questões de segurança.
III
Sendo assim, no presente momento, ao concluir-se o ciclo de debates previsto nesta primeira edição do projeto Porto alegre: uma visão de futuro, considerando que as lições trazidas pelas valiosas análises e discussões aqui desenvolvidas não desmentiram, mas antes referendaram e detalharam este conjunto de pontos críticos, consolidou-se entre as instituições e personalidades comprometidas com o projeto a decisão de levar a conhecimento da opinião pública e das principais lideranças políticas da cidade, a todos encarecendo a importância de que as apóiem e promovam, as convicções, teses e propostas seguintes:
1º) Porto Alegre é uma cidade valiosa. Localizada em um sítio privilegiado, às margens do Guaíba, à jusante do extraordinário estuário de três rios, distribuída entre colinas suaves e em terreno firme e seguro, nossa cidade teve sorte no que talvez se possa chamar a loteria histórico-natural. A cidade é rica também cultural e politicamente, sendo referência na cena brasileira como lugar de formação de políticos e estadistas eminentes, assim como de poetas, escritores e artistas de grande reconhecimento. Econômica e sociologicamente, padecemos, por certo, das deformações estruturais da sociedade brasileira, e não escapamos das excessivas diferenças que entre nós separam os cidadãos, privilegiando excessivamente a uns, a outros submetendo a dificuldades e sofrimentos que agridem intoleravelmente nosso senso de justiça. Mesmo nesta frente, porém, Porto Alegre se distingue no contexto brasileiro como detentora de um perfil sócio-econômico mais equilibrado, no qual a busca da maior eqüidade não parece um sonho impossível, mas antes um compromisso a ser resgatado. Por certo, para preservação deste relativo equilíbrio, foi fundamental que tivéssemos escapado do explosivo inchaço demográfico que, nas últimas décadas, transformou e desfigurou outros grandes centros urbanos do país, sem que esse comedimento nos tenha feito perder força e vitalidade. Já internamente, no contexto do nosso Rio Grande, sabemos que somos o íntimo e admirado padrão de todos os gaúchos com relação ao que seja cultura, civilidade, desenvolvimento e modernidade.
2º) Por tudo isso, Porto Alegre é uma cidade consciente e orgulhosa. Orgulhosa de sua paisagem, de sua história, do patrimônio econômico e cultural que tem acumulado. Consciente de suas limitações, insuficiências, injustiças, assim como dos desafios que sabe ter à sua frente. Consciente também de que para preservar seus valores e ativos é indispensável que a evolução urbana da cidade seja feita de maneira mais transparente e lúcida. O que não significa, porém, que devamos alimentar a ilusão de que o curso histórico e a construção coletiva da cidade possam submeter-se, dóceis, a mão de uns poucos iluminados, mas o que implica simplesmente entender que justamente para amenizar e administrar as imprevisibilidades, os desdobramentos inesperados, os riscos que são inerentes a todos os processos sociais e, portanto, também ao desenvolvimento urbano é vital que voltemos a dar prioridade tanto à análise aprofundada e de largo prazo da problemática urbana de nossa região metropolitana, quanto ao planejamento integrado dos diferentes planos em que se desdobra o desenvolvimento da cidade.
3º) Assim, levando em conta todos esses pontos, ponderando os motivos e razões neles expostos, os responsáveis e signatários desta Carta Programática do projeto Porto Alegre: uma visão de futuro, submetem à opinião pública e aos cidadãos porto-alegrenses e, ainda, muito especialmente, às lideranças que hoje pleiteiam a magistratura maior de nossa cidade, as conclusões arroladas a seguir que, esperamos, por todos possam ser referendadas:
É fundamental que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre considere o projeto Porto Alegre: uma visão de futuro, não simplesmente como uma iniciativa feliz mas pontual dos membros da Casa na presente legislatura, mas como um instrumento a ser recorrentemente utilizado com vistas a garantir que em momentos futuros os vereadores de Porto Alegre possam qualificar o exercício de seus mandatos não apenas mediante o emprego criterioso dos instrumentos ordinários da vida parlamentar, mas também com o socorro dos subsídios que somente um debate público e desinteressado com os cidadãos esclarecidos e grandes especialistas da problemática urbana é capaz de fornecer.
É igualmente fundamental que os grandes órgãos de formação da opinião pública em Porto Alegre se apercebam que a problemática da cidade não vem tendo a atenção devida, e que é fundamental que o desenvolvimento de Porto Alegre seja considerado como uma prioridade editorial, a qual muito justamente poderia ser reconhecida mediante a criação de editorias de desenvolvimento urbano em nossos principais órgãos de imprensa.
Não menos importante é que nossas Instituições de ensino superior mantenham e ampliem os programas de pesquisa com foco nas diferentes dimensões da vida de nossa capital e da região metropolitana, a fim de que possamos todos contar com os subsídios aprofundados e objetivos que somente a melhor pesquisa acadêmica pode fornecer.
Por fim e principalmente, é conclusão e recomendação inabalável dos responsáveis pelo projeto Porto Alegre: uma visão de futuro que venha a ser criado entre nós um Instituto de Altos Estudos e Planejamento Urbano, uma instituição encarregada de pensar a cidade em um horizonte de longo prazo, que integre em suas atividades a consideração da problemática urbana em todas as dimensões. O que é dizer que precisamos por fim tanto à fragmentação setorial dos enfoques com que a cidade é vista atualmente, quanto ao encurtamento do horizonte temporal dentro do qual são avaliadas as iniciativas e projetos que no dia à dia lhe constituem o desenho e lhe determinam a identidade. Dentro desta perspectiva, mobilidade urbana, infra-estruturas viária e de saneamento, complexos habitacionais, equipamentos urbanos como parques, praças, grandes complexos comerciais, precisam ser visualizados em conexão com a dinâmica econômica e inseparavelmente de seus impactos estéticos e ambientais.
É preciso ainda entender que uma instituição capaz de construir uma visão consistente sobre essa problemática altamente complexa e abrangente é certamente mais do que foi qualquer das instituições de planejamento que Porto Alegre teve no passado e é certamente muitíssimo mais do que a fragmentação das competências que é típica do atual perfil institucional verificado nas últimas décadas do Poder executivo municipal.
Para construí-la é preciso, ainda, que tenhamos consciência de que uma instituição capaz de expressar adequadamente uma visão de longo prazo do desenvolvimento de Porto Alegre e da região metropolitana, embora precise ter competências regulamentadoras, não deve ficar encarregada da análise pontual de projetos urbanos comuns, sendo conveniente também que seja dirigida por um conselho diretor que tenha representantes não apenas da área pública, mas também da sociedade civil e do setor privado, além de ter uma gestão executiva autônoma, capaz de proteger suas orientações não apenas das alterações ideológico-partidárias provocadas pela alternância democrática, mas principalmente da troca de quadros executivos que entre nós, perversamente, costuma acompanhar tais mudanças.
Estas são, pois, as conclusões que provisoriamente tiramos do projeto Porto Alegre: uma visão de futuro e que neste momento submetemos à apreciação da opinião pública da cidade, bem como, muito especialmente, aos distintos concidadãos que se encontram na disputa pela Prefeitura de Porto Alegre. A estes, ao tempo em que lhes desejamos, boa, honesta e feliz disputa, encarecemos o compromisso de que, na vitória como na derrota, reconheçam a orientação geral desta Carta, assim como com a necessidade de proceder-se a uma reconstituição profunda dos instrumentos de planejamento em nossa cidade.
(Por Marco Aurélio Marocco, Ascom CMPA, 22/07/2008)