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jardim botânico
2008-07-23

Muito antes das atuais ameaças à fauna e à flora brasileiras, a preocupação com a preservação dos recursos naturais do Brasil eram questões importantes para um naturalista do século 18 que conheceu o país sem nunca ter pisado em seu território.

Em uma época em que o Brasil era um dos focos da curiosidade científica européia, o italiano Domenico Vandelli (1735-1816), que deixou Pádua para se fixar em Lisboa a convite do Marquês de Pombal, tornou-se o elo de ligação entre a natureza brasileira e o Iluminismo, ao idealizar e articular as viagens científicas patrocinadas pela coroa portuguesa – as célebres “viagens filosóficas” – para pesquisar e catalogar a exuberante diversidade da colônia.

Foi ele também o criador, em 1768, do primeiro jardim botânico de Portugal, o jardim da Ajuda, projeto encomendado pelo rei dom José com o objetivo de proporcionar educação científica para o príncipe, dom João.

Em 1808, Vandelli foi um dos conselheiros da Corte que orientou o príncipe regente a partir para o Rio de Janeiro antes da invasão napoleônica. Devido a essa influência, dom João teria fundado o Jardim Botânico do Rio de Janeiro no mesmo ano, logo após sua chegada.

Apesar de não ser muito conhecido por aqui, o trabalho do naturalista e suas importantes contribuições científicas são o tema da exposição O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli, no novo Museu do Meio Ambiente, espaço criado no Jardim Botânico para comemorar seus 200 anos.

“A maior contribuição de Vandelli para a ciência foi o seu cuidado com o uso da natureza brasileira. Ele pensava a natureza do Brasil como um grande tesouro. Para ele, deveria haver um regulamento dos bosques para que as árvores não fossem retiradas de forma predatória. Vandelli também estudava mineralogia e descreveu uma série de plantas”, disse a curadora da exposição, Anna Paula Martins.

No comando da cadeira de história natural da Universidade de Coimbra, o naturalista atravessou três reinados em Portugal; o de dom José, o de dona Maria e o de dom João. No período, criou os primeiros museus de história natural do país.

A importância desses espaços para a divulgação científica é expressa em uma frase de Vandelli estampada em uma das salas da exposição: “O museu é um livro sempre aberto no qual o observador se instrui com prazer”.

Por conta disso, as paredes do Museu do Meio Ambiente são ilustradas com palavras-chaves e seus significados. Assim, o visitante pode entender o que é, por exemplo, um “gabinete de curiosidades”, expressão que dá nome à exposição.

“Do ponto de vista da história, os gabinetes de curiosidades foram os precursores dos museus. Eram os lugares onde os colecionadores dos séculos 17 e 18 guardavam, ainda sem catalogar ou sistematizar, tudo o que julgavam pitoresco e exótico”, explicou Anna Paula.

Viagens filosóficas

Como professor, Vandelli teve uma série de alunos pertencentes à elite brasileira que foram estudar em Coimbra, entre eles José Bonifácio, Alexandre Rodrigues Ferreira, Vieira Couto e Manuel Arruda da Câmara. Em 1777, com o Tratado de Santo Ildefonso e a demarcação do território brasileiro, Vandelli envia para o Brasil viajantes naturalistas, seus discípulos, e cria orientações de como eles vão conhecer a então colônia. Sua proposta era elaborar uma “história natural das colônias”.

“As viagens filosóficas eram viagens de pesquisas de campo para o reconhecimento de um território até então desconhecido. Os viajantes e correspondentes levavam o material recolhido para Portugal. As amostras coletadas eram identificadas, armazenadas, estudadas, cultivadas na colônia e enviadas para a metrópole”, disse Anna Paula.

Um dos viajantes filosóficos discípulos de Vandelli foi Alexandre Rodrigues Ferreira, que em 1783 iniciou uma viagem de nove anos à Amazônia brasileira. Além de chefiar a viagem, ele preparou os diários, coordenou o trabalho dos desenhistas e fez as remessas de produtos naturais para Portugal.

Outra viagem foi feita pela serra do Ibiapaba, localizada entre o Piauí e o Ceará, e uma outra pela baía de Camamu, no sul da Bahia. “Algumas pessoas se correspondiam diretamente com Vandelli, como João Manso Pereira, que nunca esteve em Portugal e, portanto, não o conheceu pessoalmente. Ele escreveu sobre porcelana, azeite e sabão”, disse a curadora.

Realizadas em um período de mapeamento e investigação da colônia, as viagens filosóficas descreviam as plantas do lugar, os animais, as águas, as pedras e como as pessoas ali moravam. Das viagens filosóficas despachadas de Lisboa em 1783 resultaram diversos diários e inúmeras memórias de mineralogia.

O por quê do nome viagens filosóficas é outra curiosidade que o visitante da exposição no Rio de Janeiro pode saciar. Na época, o nome “filosofia” tinha uma conotação um pouco diferente da atual: referia-se a uma “ciência que abrange os estudos do corpo humano (medicina), física retórica (matemática) e descobertas e experimentos com produtos naturais (naturalismo).

Os relatos das memórias científicas desses viajantes compõem uma caixa com oito livros, parte do projeto fruto de uma pesquisa financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em que foram digitalizados acervos de Vandelli espalhados no Brasil, em Portugal e na França. O material inclui ainda os roteiros das viagens.

“Quando dom João veio para o Brasil, ele trouxe uma parte desse acervo, que ficou dispersa aqui. Outra parte foi incorporada ao acervo do Museu de História Natural de Paris, depois de ser levada para a França após a invasão napoleônica à península ibérica. Durante a invasão napoleônica, eles vão com a intenção de transformar aquilo em patrimônio francês”, destacou Anna Paula.

Segundo ela, isto explica o desconhecimento e a obscuridade em relação ao nome de Vandelli. “Ele não veio para o Brasil junto com a família real e, ao negociar as trocas de acervos com os naturalistas franceses que chegaram junto com Napoleão, restou a Vandelli a marca de traidor”, disse.

Muro verde

Além dos manuscritos originais das viagens filosóficas, a exposição no novo museu conta ainda com projeções em vídeo. Por meio de uma dessas projeções, tem-se a impressão de que se está por debaixo de um dragoeiro, planta nativa dos Açores e que foi primeiramente descrita por Vandelli. A “viagem filosófica” por todos os ambientes da exposição é acompanhada por uma trilha sonora permanente de sons naturais do Jardim Botânico à noite.

Outro destaque da exposição é a Greenwall, jardim vertical cuja tecnologia é resultado de uma pesquisa de mais de 15 anos do biólogo australiano Mark Paul. São plantas vivas sobre um suporte em material reciclado que é fixado sem contato direto com a parede.

A idéia é trazer a natureza ao ambiente urbano contemporâneo e solucionar a perda de espaço que as plantas sofrem nas cidades. Na parede oposta à Greenwall, um espelho de cobre de baixa definição, criado pelo artista Luiz Zerbini, reflete ao mesmo tempo a planta e o observador, a natureza e o homem.

Por isso mesmo, o espaço foi batizado pelo artista de “observação e reflexão”. “Isto tem muito a ver com a forma pela qual Vandelli conheceu o Brasil sem nunca ter vindo aqui. Ele imaginou o país através da representação e observação de desenhos e materiais de nossa natureza levados para Portugal”, disse Anna Paula.

A exposição apresenta ainda uma coleção de insetos do Museu Nacional e a coleção minerológica de Werner, trazida por dom João 6º ao Brasil junto com a família real. “A idéia de nossa exposição é recriar um universo de ciência de 200 anos atrás”, afirmou a curadora.

O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli será exibido até 31 de agosto no Museu do Meio Ambiente no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que fica na rua Jardim Botânico nº 1008.

(Por Washington Castilhos, Agência Fapesp, 23/07/2008)


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