A divulgação na semana que passou dos dados do Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), referentes ao desmatamento de maio não trazem novidades. Foram 1.096 km² registrados, área pouco menor que a verificada em abril, de 1.123 km². O Mato Grosso continua liderando o ranking dos que mais desmatam, responsável por 646 km², ou pouco mais de 58% do total.
A despeito de todas as medidas que o governo vem tomando para combater o desmatamento, sequer é possível responsabilizar este ou aquele fator por sua continuidade e nem mesmo avaliar ainda se tais medidas, anunciadas pelo governo no final do 2007 e no decorrer deste ano, estão ou não sendo eficazes. O fato é que o desmatamento continua na Amazônia brasileira. A discussão fica restrita ao sobe-desce mês-a-mês e aos dados do Deter, pouco refinados. Só quando o Inpe colocar na mesa os dados do Prodes ((Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia Legal), no final deste ano, e fechar as contas referentes a 2007-2008, será possível ter um quadro mais nítido e preciso do desmatamento no período.
Antes da entrada em funcionamento do Deter, em 2004, a sociedade civil cobrava transparência e agilidade do governo. Mas com o Deter, importante instrumento de monitoramento da dinâmica do desmatamento, como utilizar os números para avançar e determinar quem deve pagar essa conta? Nas últimas três décadas, o estrago soma aproximadamente 700.000 km2 desmatados por corte raso em algum momento nesse período.
Medidas para mudar o quadro não faltam
Desde o final do ano passado, o governo federal vem adotando medidas – que se somam ao Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, de 2004, no sentido de reverter a tendência de alta nas taxas de desmatamento verificadas a partir do segundo semestre de 2007. Exatamente no dia 24 de dezembro, publicou decreto obrigando o recadastramento fundiário de todos os imóveis rurais situados nos 36 municípios que mais desmatam, estabelecendo punições a quem comprar produtos oriundos de áreas ilegalmente desmatadas e bloqueando financiamento de bancos oficiais para atividades agropecuárias .
No início de 2008, um pacote de medidas complementares ao decreto foi anunciado prevendo reforço da Polícia Federal na região para combater crimes ambientais; monitoramento imediato e mensal das áreas embargadas nos municípios críticos, por meio de sobrevôos pelas aeronaves do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam); ajuda dos governos estaduais na fiscalização e combate ao desmatamento, e fortalecimento de ações de controle das atividades agropecuárias .
Em fevereiro, resolução do Conselho Monetário Nacional passou a exigir o cumprimento da legislação ambiental para concessão de crédito rural pelas instituições financeiras privadas e públicas. Nestas últimas, a restrição começou a valer na data da publicação da resolução e nas primeiras a partir de 1º de julho.
Por fim, em maio, quando foi lançado o PAS (Plano Amazônia Sustentável), o governo anunciou também o Programa de Recuperação Ambiental dos Imóveis Rurais (Pró-recuperação), com recursos da ordem de R$ 1 bilhão, provenientes do Orçamento Geral da União e dos Fundos Constitucionais, vinculados ao Ministério da Integração Nacional para recuperação de áreas degradadas, reflorestamento, manejo e recuperação ambiental. Mas, ao que tudo indica, os fundos não implementaram esta linha de crédito até o momento, se considerarmos o desconhecimento do Pró-recuperação por parte dos gerentes bancários e a informação dada por produtores de que ainda não foi implementado.
Na hipótese menos pessimista, mesmo considerando que as medidas de estímulo à manutenção da floresta avancem minimamente, o ano de 2008 deverá, ainda assim, manter taxas similares às de 2007. Ou seja, o desmatamento vai continuar.
Uma no cravo, outra na ferradura
Para que o cenário futuro seja favorável à manutenção da floresta é fundamental que se cumpra a legislação em vigor - restrição de crédito a quem não estiver dentro da legalidade e continuidade do embargo em áreas desmatadas ilegalmente - apesar da resistência e de todas as tentativas que os ruralistas vêm fazendo para anular as medidas e desqualificar os dados de satélite. Como a questão econômica é decisiva para o governo e se coloca acima da questão ambiental não é de estranhar que, mesmo com os esforços do MMA para que a chamada “Medida Provisória da grilagem” (MP nº 422/08 ) não fosse aprovada, o Senado acabou por aprová-la em março e assim a área de terras públicas que podem ser regularizadas sem licitação aumentou de 500 hectares para 1500 hectares. Na prática, isso significa que inúmeras áreas em processo de grilagem poderão ser legalizadas, colocando em risco a posse de pequenos agricultores e extrativistas e incentivando a transformação de florestas em pastos, que se inicia via extração ilegal de madeira.
E nem mesmo as ações já previstas para serem desenvolvidas no âmbito do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia estão sendo colocadas em prática. Um bom exemplo é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que tinha a responsabilidade de “promover a intensificação do uso agro-econômico de áreas já reflorestadas por meio de recuperação de pastagens, fomento à produção de culturas permanentes e adoção universal de práticas de uso conservacionista do solo”. A ação, prevista no Plano, tinha entre seus objetivos reorganizar e fortalecer o sistema de defesa agropecuária da Amazônia; promover o uso regular de práticas de uso conservacionista do solo; e implantar Unidades de Teste e Demonstração de Manejo do Solo em áreas de desmatamento em todos os estados, além de um programa articulado de fomento de culturas permanentes, a exemplo do dendê, na época previsto para implantação a partir da edição do plano em 2004. Mas não saiu do papel.
A lacuna deixada pelo MAPA só reforça o papel que a pecuária exerce como vetor principal do desmatamento. Alguns números estimados pelo MMA dão conta de que ao menos 70%, dos 700 000 km2 desmatados nos últimos 30 anos seriam ocupados por pastagens em diferentes graus de manejo. Ou seja, quase 500.000 km2 de pecuária já estão implantados na Amazônia. Entre 1990 e 2003, o rebanho bovino da Amazônia Legal cresceu 240% e passou de 26,6 milhões para 64 milhões de cabeças. Projeções de mercado indicam que a pecuária continuará crescendo na região em resposta a um continuado aumento da demanda externa e interna.
Outro aspecto relevante que coloca em xeque as políticas do governo foi a retirada do componente de infra-estrutura do Plano de Controle e Prevenção aos Desmatamentos. A idéia era estabelecer as relações diretas e indiretas existentes entre as obras de infra-estrutura e a dinâmica de desmatamento. Entretanto, terminou eliminado em 2005, logo após a primeira avaliação do plano.
A importância de reincorporar essa variável nas ações de prevenção e controle foi destacada pelo Grupo de Assessoria Internacional (IAG) do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7). Em seu mais recente relatório de análise das ações do plano, o IAG aponta que "apesar de todas as diretrizes estabelecidas em documentos governamentais, tais como o PAS, o PPA (Plano Plurianual), o marco legal do setor elétrico e o Plano de Desenvolvimento Sustentável da BR 163, a efetividade do planejamento racional da infra-estrutura na Amazônia, sobretudo de estradas e hidrelétricas, ainda não está assegurada".
(ISA, 22/07/2008)