Organizações ambientalistas, sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais lançaram manifesto em que reforçam a idéia de que o lobby das transnacionais junto a parlamentares e ao governo gaúcho têm garantido a expansão da monocultura do eucalipto e do pínus no Estado. O principal lobby envolve, atualmente, a empresa sueco-finlandesa Stora Enso, que adquiriu ilegalmente terras na Faixa de Fronteira e hoje tenta via parlamentares alterar a legislação.
Em entrevista, o ambientalista Felipe Amaral, do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente, prevê que a redução da Faixa de Fronteira é mais uma ilusão de salvação econômica para a Metade Sul. Para ele, a relação promíscua entre empresas, parlamentares e governo apenas esconde a falta de um projeto que realmente viabilize o Pampa gaúcho.
Por que o movimento é contrário à redução da Faixa de Fronteira?
Felipe Amaral - Achamos que é uma iniciativa bastante incipiente, já que é para beneficiar diretamente empresas que já compraram ilegalmente terras na região, especificamente a papeleira Stora Enso. A empresa adquiriu terras na Faixa de Fronteira passando por cima da legislação e agora quer, na marra, alterar a legislação para poder se legalizar. Não é através de mudanças constitucionais que a gente vai fazer o desenvolvimento. Tanto é que na região da Faixa de Fronteira tem municípios que são prósperos, que não foi a questão da faixa que viabilizou o crescimento deles. O que acontece é que essa empresa, a Stora Enso, cometeu um ato ilícito e está fazendo lobby político, enfim, ela financiou esses parlamentares nas campanhas. E na força desse lobby ela acredita que vai conseguir legitimar a compradas terras. O mais interessante é que a questão da Faixa de Fronteira não é algo isolado. Ela é uma questão mais ampla, porque vem junto com a ofensiva desse setor da celulose sobre o Pampa, vem junto com a questão da exploração desordenada do Aqüífero Guarani. Quer dizer, não é algo isolado, ela faz parte do projeto do grande capital que está olhando com olhos especulativos para o Conesul, para toda a região que afeta o Pampa brasileiro, argentino e uruguaio. Não é um projeto a curto prazo e nem somente das papeleiras no RS. É um projeto no Conesul para durar anos, cem, duzentos anos, e isso nos preocupa, porque não é a primeira vez que a força do capital, através do lobby político financiando campanhas e botando dinheiro a rodo para os políticos vem tentar quebrar a legislação. Isso já ocorreu com o zoneamento. A gente tem que estar atento a essa relação promíscua entre o capital privado e os nossos agentes públicos.
Como está este debate em outros países?
Amaral - A questão da integração do Mercosul não se evoluiu muito na relação do livre comércio entre os países hermanos, a gente não avançou muito. E essa medida, inclusive, vem contra o que está ocorrendo em outros países. Uruguai e Argentina, e o Paraguai principalmente, preocupados com a "estrangeirização" das terras, esses países já estão criando mecanismos para limitar a compra da terra, seja em área de fronteira, seja em todo o território nacional. A gente tem uma legislação que inviabiliza a "estrangeirização" das terras, coloca percentuais, coloca limites, o que garante a nossa soberania, mas existe um grupo de políticos ligados ao capital estrangeiro que acha que a coisa é mais fácil, tem que liberar mesmo.
Como a redução da Faixa de Fronteira pode atingir o Aqüífero Guarani?
Amaral - O Aqüífero Guarani é uma reserva hídrica transnacional. O que acontece é que uma parte importante dele está localizada na região do Pampa, no RS, na região de Santana do Livramento e Uruguaiana. A nossa preocupação é com o uso desordenado desse recurso hídrico. A gente tem notado que existe a intenção de algumas empresas, entre elas de laticínios, que demandam muita água, por se localizarem nessas regiões. O Aqüífero Guarani não tem uma legislação específica, ainda está sob o bojo da legislação nacional que fala sobre os recursos minerais que estão sob tutela do Estado, mas este pode outorgar o uso. E é nesse sentido que nos preocupamos. Temos recursos abundantes, e especialmente o Aqüífero Guarani, tem uma importância geopolítica muito decisiva. Como não tem essa legislação, o uso é muito desordenado, e o maior problema são os poços. Não existe uma contaminação por uma atividade específica industrial. O que acontece é que, quando se abre um poço para explorar o aqüífero, é aí que a contaminação acontece. Esse tipo de exploração sem o enquadramento legal de uso específico pode acarretar danos futuros. E boa parte da região Oeste do Estado está sobre o Aqüífero Guarani e fica na Faixa de Fronteira. A gente está tentando fazer esse link. Há meses atrás, além de liberar o plantio de eucalipto o governo estadual cria um projeto de irrigação para essas áreas porque se sabe que nessa região, principalmente em Bagé, existe um déficit hídrico, o que inviabiliza o plantio de eucalipto. Sabendo disso, o governo do Estado libera o plantio e ainda destina recursos públicos.
A redução da faixa pode gerar riqueza à região, como acreditam muitas prefeituras municipais?
Amaral - Não é com esse tipo de projeto de celulose que a gente vai gerar riqueza no RS. Hoje a gente gera riqueza por metro quadrado, não precisa ser mais em hectares. A coisa é bem mais simples. Não se constrói mais escolas, muito pelo contrário, se vê redução de turmas. No meu entendimento, megaprojetos que concentram riqueza, são aglutinadores de riqueza, não trazem benefício algum, pelo contrário. O que aconteceu na Metade Sul do RS é uma estagnação econômica provocada pelas grandes culturas do arroz. Dois ou três grupos de grandes produtores concentrando a riqueza. Isso é um círculo vicioso que está vindo de novo. Os governos ficaram mais de 20 anos sem olhar para a Metade Sul do Estado e agora, sem projeto de governo, aceitam qualquer coisa que vier. Vamos plantar eucalipto porque não existe criatividade e nem um projeto político. Imagine todos os produtores que hoje plantam eucalipto. Daqui a sete anos, quando o eucalipto for para o corte, quem garante o preço do produto, dessa comodity? Não tem. E a lei de mercado é cruel, se tem oferta o preço vai lá embaixo. E oferta vai ter, porque eles estão plantando um milhão de hectares no RS. Daqui há sete anos, quanto vai valer o metro cúbico da madeira ao produtor? É um contrato de risco. Quem vai perdendo sempre é o produtor, é a sociedade, os municípios que investiram nessa falácia que é a celulose aqui no RS. Vamos ter que esperar para ver.
Que alternativas vocês apontam para a economia da Metade Sul?
Amaral - Além de ter um posicionamento crítico, precisamos propor alternativas. E uma delas é a valorização da biodiversidade do bioma Pampa. Temos estudos que os investimentos na produção familiar da agropecuária agregam muito mais valor, distribuem a renda muito mais eficientemente do que esse tipo de projeto. Trabalhos que exigem pastagens nativas com espécies nativas para criação do gado têm se demonstrado eficiente. Outra coisa que temos conhecimento mas passa batido é a valorização da produção de frutas, plantas ornamentais. É toda a nossa biodiversidade que está sendo perdida. No momento em que tu troca o campo por eucalipto, está na verdade acabando com as potencialidades e inviabilizando projetos futuros, porque no momento em que se coloca árvore no campo, não tem muito o que fazer. O que se vai fazer com os tocos que ficarem depois do corte? Vai fazer o que, criar formiga? Essa fórmula que as empresas encontraram não é nada novo. Acho que o movimento ambientalista amadureceu muito; não estamos batendo apenas nas coisas, mas sugerindo alternativas.
(Por Raquel Casiraghi, Agência Chasque, 22/07/2008)