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2008-07-23
Silvio Crestana atribui na 60ª Reunião Anual da SBPC alta no preço de alimentos a redução no fomento à pesquisa agropecuária no mundo e no Brasil

O zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar feito pela Embrapa, que tem lançamento previsto para os dias 30 ou 31 deste mês – a depender da agenda dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente -, não prevê a exploração do cultivo de novas áreas na Amazônia.  O presidente da Embrapa, Sílvio Crestana, anunciou sexta-feira a apresentação do trabalho na mesa-redonda O Brasil do futuro e o papel de uma política sustentável de produção de biocombustíveis, na 60ª Reunião Anual da SBPC.

Crestana disse que o trabalho terá grande impacto, foi aplicado em tempo recorde ao juntar todos os dados e os da planta.  "É a primeira resposta que temos que dar aos governantes para quem tomem a decisão, se vão poder plantar na Amazônia, no Pantanal, no Mato Grosso do Sul e até no Rio Grande do Sul, se as condições são favoráveis e se é conveniente.  É uma decisão soberana do país".

O chefe geral da Embrapa Informática Agropecuária, Eduardo Delgado Assad, disse que o zoneamento cobre, além do aspecto edafoclimático (parâmetros de clima e solo) - expurgo de áreas de reserva permanente da biodiversidade e declividade até 12 graus para uso de colhetadeira mecânica.  O estudo "tem restrições fortíssima com relação à Amazônia, onde a área será irrisória, talvez a que já foi cultivada", afirmou Assad.

Cerca de 20 estados serão incluídos na primeira versão do zoneamento.  Outros na conclusão dos estudos, que serão atualizados a cada ano, conta Assad.  As regiões onde chove muito e o clima é frio, não conseguem converter o sol em sacarose no teor indicado de 30%.  Ficarão de fora do zoneamento.  Segundo Assad, os estudos para definir onde plantar cana-de-açúcar são da Unicamp, a Embrapa Informática Agropecuária e a Embrapa Solos.

O secretário geral da SBPC, Aldo Malavasi, fez a apresentação de Crestana, físico com doutorado em solos, e passou a palavra ao presidente da entidade, Marco Antonio Raupp.  Este disse que a SBPC vai sempre apoiar a Embrapa pela sua atuação como de grande importância para o país.  Na 60ª Reunião Anual, um dia todo foi dedicado à estatal para mostrar a força da pesquisa agropecuária.  Para a 61ª Reunião Anual, em Manaus, já está acertada a agenda de continuação da participação da Embrapa.

Sílvio Crestana associou a alta da inflação dos alimentos ao declínio dos investimentos em ciência e tecnologia no Brasil e no mundo.  Depois de quase de 30 anos de preços dos alimentos em queda, e de inflação da cesta básica a diminuir pelo menos 1% do preço, em 2007 e 2008 os preços dispararam.

"A SBPC é o local ideal para discutir a ciência, sociedade e globalização", assinala Crestana.  Segundo ele, a agricultura deixou de ter incentivo de fomento dos órgãos internacionais, Bird FAO e BID.  Os recursos diminuíram para todo o sistema de ciência e tecnologia aplicada à agricultura, "como se não fossem mais necessários a ciência e a tecnologia".

O presidente da Embrapa assinala que no Brasil também o mesmo ocorreu com os departamentos das universidades e institutos de pesquisa.  "A extensão rural quase acabou, como se a agricultura não fosse mais necessária, como se questão de alimentos pudesse ser jogada fora porque agora o desenvolvimento do mundo vai para a área industrial, para as grandes questões urbanas".

"Estamos vendo hoje na mesa de debate do Brasil e do mundo a questão dos alimentos, alimentos puxando a inflação", disse Crestana.  "O melhor indicador para saber se a atividade em que estamos atuando é importante ou não é saber se ela está na mesa dos ministros que cuidam da área econômica", argumenta.

A crise de alimentos, energia, as mudanças climáticas com a transformação muito forte da paisagem da terra num grau nunca visto pela história humana, trazem a questão da agricultura de novo para o centro do debate mundial, situa Crestana.  A posição do Brasil neste contexto levou o presidente Lula à FAO, ao G-8 no Japão.  O país é admirado por uma parte do mundo e altamente criticado por outra parte, que subsidia a agricultura ou é dependente do petróleo de energia fóssil, pontua.

"O modelo brasileiro é criticado e tentam inviabilizá-lo em órgãos como a OMC e outras tantos fóruns mundiais em que esses países têm controle", disse o presidente.  "Estamos oferecendo para o mundo uma nova alternativa em produção de biocombustíveis, de alimentos e de fibras", informou na sua palestra sobre O papel da Embrapa na produção de biocombustíveis como instituição de C&T.

O presidente explica que a Embrapa atua na produção do conhecimento científico, tecnológico e na inovação na produção - não na produção do biocombustíveis, tarefa dos ministérios da Agricultura com a Secretaria de Agroenergia, das Minas e Energia e Petrobras.  "Com políticas públicas, investimento em institutos de pesquisa como a Embrapa, os agricultores aprenderam a fazer agricultura altamente competente", disse ele.  Em 40 anos, o Brasil conseguiu fazer a ciência da agricultura tropical.

"A tecnologia mudou a geografia do Brasil", diz ele.  Cita como exemplo a pujança vista no Mato Grosso onde a safra mudou o IDH.  O maior IDH do estado e o quarto do Centro Oeste está em Sorriso, cidade de menos 60 mil habitantes.  Dos 10 municípios que mais produzem grãos no Brasil, sete estão no Mato Grosso.  A região está no centro do debate, da questão ambiental, social, da viabilidade econômica da atividade agrícola, da logística, dos insumos e da agroenergia.

O Brasil é líder mundial em produção e exportação de açúcar, café, carnes, complexo soja, milho e suco de laranja, diz Crestana.  Os principais produtos exportados em 2007 pelo agronegócio brasileiro geral são a soja que gera US$ 11,38 bilhões; as carnes (frango, bovina e suína) US$ 11,29 bilhões; produtos florestais US$ 8,82 bilhões; complexo sucroalcoleiro US$ 6,58 bilhões; café US$ 3,89 bilhões; couros e seus produtos US$ 3,55 bilhões; sucos de frutas US$ 2,37 bilhões; fumo e seus produtos US$ 2,26 bilhões; e fibras e produtos têxteis US$ 1,56 bilhão.

O negócio agrícola no Brasil é um dos setores mais dinâmicos da economia, que gera 26% do PIB e 37% dos empregos com 6 milhões de propriedades rurais.  Em 2007, o setor gerou saldo comercial de US$ 49,7 bilhões - 36% das exportações do país.  Com o comércio de máquinas e insumos, o valor gerado poderia ser multiplicado por 3 a 4 vezes.  A tendência de crescimento que vem de 2004 vai continuar gerando o saldo da balança comercial, assegura.  "Somos importante players mundiais e sabemos fazer isso na área de alimentos, biocombustíveis e fibras".

O grande desafio da agricultura não é só produzir alimento, mas também fibras.  O Brasil importa madeira em algumas regiões.  Para ele, o desafio de produção - e científico - é viabilizar sistemas de produção integrada sustentável para alimentos, energia e fibras.  Aponta a necessidade de equilíbrio dos aspectos econômico, ambiental e social, que não promova as desigualdades regionais e considere a inserção global soberana.  "Este é o desenvolvimento que queremos como brasileiros e o mundo exige quando queremos exportar".

A biomassa compõe 31,6% da matriz energética do Brasil - onde 12,5% são gerados por lenha e 16% por cana-de-açúcar, que supera os 14,7% da fonte hidrelétrica.  O petróleo gera 36,7%; carvão 6,2%; gás natural 9,3% e a energia nuclear 1,4%.

As fontes não renováveis contribuem com 53,6% da energia no Brasil e a energia renovável com 46,%.  No mundo, a correlação é de 87,3% para 12,7%; na União Européia de 93,8% para 6,2%; na Argentina de 92% para 8% respectivamente e, nos EUA, de 93,6% não renovável para 6,6% renovável.

A comparação com a Europa e EUA mostra que o Brasil bate de seis a sete a zero e está disparado na liderança, compara Crestana.  Como razões para o avanço na produção de biodiesel, ele cita aspectos econômicos - os preços recordes do barril de petróleo (U$ 147) -, a nova demanda energética global e os fortes impactos na balança comercial.  Destaca ainda ganhos ambientais, pois seqüestra mais carbono e emite menores níveis de emissões.

São vantagens dos biocombustíveis serem energia renovável, com curto ciclo de produção e seu processo controlado pelo homem.  Nos aspectos sociais, Crestana destaca a geração de novos empregos e melhor distribuição de renda no país.  Aponta ainda a contribuição da atividade para a redução de assimetrias globais criadas por matriz energética fóssil controlada por poucos países proprietários e a oportunidade para o desenvolvimento sustentável global.

A evolução da produção de cana-de-açúcar chegou a 450 milhões de toneladas por safra nos anos 2003-2007.  Vai continuar a crescer, principalmente com o carro flex e as oportunidades de exportações, diz Crestana.  Em menos de 30 anos, a produção de etanol no Brasil cresceu de mil metros cúbicos para 1 milhão de m3, ganhando em escala e massificação, com a redução do preço do m3 em dólar de US$ 200 para menos de US$ 100, graças à ciência e tecnologia.

Até 2011, conforme Crestana, a Petrobras pretende investir US$ 700 milhões em plantas de biodiesel, produção de HBIO, alcooldutos, energia eólica e solar, entre outras fontes de energias renováveis.  Este ano, o país produzirá 1,3 bilhão de litros de biodiesel com a obrigação de adicionar 3% ao diesel e 2,3 bilhões em 2010, com adição de 5% ao diesel.

A área de expansão da produção de cana-de-açúcar e oleaginosas apontada por Crestana para atender a produção de biocombustíveis no país é de 90 milhões de hectares agricultáveis no cerrado.  Compreende os estados de São Paulo, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Com base em imagens de satélite, o Brasil possui nesta área 204 milhões de hectares, dos quais 137 milhões agricultáveis; 35 de pastagem; 10 milhões de culturas anuais (sola, milho, etc.) e 2 milhões de hectares de culturas perenes e florestas.

Todavia, o presidente observa que Mato Grosso, Tocantins e Goiás são uma fronteira importante onde a Embrapa não possui centro de pesquisa.  Os estados correm risco à medida que existe um vazio tecnológico.  Parte deles está na Amazônia Legal ou na área de floresta tropical.  "Não existe ainda sistema de manejo em larga escala, economicamente viável para floresta tropical.  Tem para floresta temperada, onde existe ciência", atesta.

"Floresta tropical úmida é coisa de país pobre, onde não tem ciência.  Por isso, é um grande desafio para nós ou para alguém de fora, que vai fazer a ciência que é preciso para manejar o sistema tropical", alerta Crestana.  Para ele, "quer a gente goste ou não a questão do biodiesel, do etanol, das florestas energéticas, vai pegar.  Mas como vamos fazer manejo na Amazônia sem cientistas?", questiona.

Para haver inovação, o presidente da Embrapa destaca a necessidade de haver inovação institucional.  "As instituição não foram concebidas para fazer a inovação tecnológica necessária", afirma.  Surge um novo arranjo institucional, ele aponta, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que destina R$ 650 milhões à Embrapa até 2010, além de R$ 263,6 milhões para as Organizações Estaduais de Pesquisa Agronômica.

Este mês, segundo ele, o Congresso colocou R$ 122 milhões em crédito suplementar no orçamento da Embrapa para praticar o PAC, que ainda irão para sanção do presidente Lula.  A Embrapa firmou parceria de R$ 10 milhões com a Finep e MCT para ações em agroenergia.

O MCT é parceiro também no Programa Nacional P&D para Produção e Uso de Etanol com R$ 30 milhões para este ano e mais R$ 23 milhões para o do Biodiesel.  Está prevista ainda a contratação de 2.155 empregados até 2010 pelo PAC da Embrapa – 750 pesquisadores, 460 pessoas de suporte e 945 profissionais que a estatal vai poder repor aos seus quadros.

(Jornal da Ciência (SBPC), FGV, 22/07/2008)

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