Químico chama atenção para custo social e ambiental da produção de biocombustíveisÉ preciso reconsiderar o deslumbramento da opinião pública com as vantagens ambientais do etanol. Quem alerta é o químico Wilson de Figueiredo Jardim, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em conferência na 60ª Reunião Anual da SBPC, ele chamou a atenção para aspectos que nem sempre são levados em conta na avaliação dos biocombustíveis e manifestou ceticismo quanto à possibilidade de alcançarmos um desenvolvimento sustentável se mantivermos o modelo econômico atual.
“Não há sustentabilidade possível dentro desse modelo suicida baseado no uso perdulário dos recursos naturais de que dispomos”, dispara Jardim. O químico discutiu em detalhes o caso dos biocombustíveis e em especial o do etanol, freqüentemente apresentado como uma alternativa limpa aos combustíveis fósseis.
De acordo com ele, as vantagens ambientais geralmente atribuídas a esse biocombustível levam em conta apenas a captura de carbono da atmosfera pela cana-de-açúcar via fotossíntese. Para fechar essa equação, defende o químico, é preciso considerar os custos ambientais e sociais associados a outras etapas do ciclo de produção do álcool, no campo, na destilaria e no entorno da plantação.
Entre os fatores que deveriam ser levados em conta, Jardim cita os gases de efeito-estufa gerados pelo uso de adubos no cultivo da cana e pelo transporte dos insumos e trabalhadores, os prejuízos para a atmosfera e para a saúde pública motivados pela queima da palha da cana e o grande volume de água empregado na produção.
Entre os inconvenientes da produção do etanol, Jardim destacou o grande volume de vinhoto (ou vinhaça) gerado no processo de destilação da garapa – da ordem de dez litros para cada litro de etanol produzido. Esse líquido tem grande demanda bioquímica de oxigênio e é às vezes descartado em rios. “O vinhoto produzido em 2006 – 180 bilhões de litros – equivale a todo o esgoto bruto produzido no Brasil naquele ano em termos de demanda por oxigênio”, compara.
Jardim enfatizou ainda o custo social da produção do etanol. Ele lembra que a rentabilidade do cultivo da cana e da produção melhorou muito nos últimos trinta anos, mas o pagamento dos trabalhadores não acompanhou essa melhoria. “O rendimento dos trabalhadores teve que subir pra compensar esse déficit”, explica. “A colheita de 1.000 kg de cana requer 4 mil golpes de facão e 3 mil flexões de perna. A expectativa de vida dos bóias-frias é hoje menor que a de um escravo.”
Por uma discussão mais madura“Não sou contrário à adoção do etanol, que representa sem sombra de dúvidas uma alternativa viável aos combustíveis fósseis”, ressalta Jardim. “Defendo apenas que discutamos sua produção de forma mais madura e que consertemos as mazelas associadas à produção desse combustível para que ele seja realmente limpo.”
Jardim citou uma série de medidas que permitiriam reverter o quadro traçado por ele. O aproveitamento energético do vinhoto e o desenvolvimento da tecnologia de produção de etanol a partir da celulose, por exemplo, permitiriam minimizar o custo ambiental e social dos biocombustíveis. “Mas, acima de tudo, é preciso repensar nossa lógica de consumo”, avalia. (Bernardo Esteves)
(Jornal da Ciência (SBPC), FGV, 22/07/2008)