As mudanças no projeto de engenharia da usina de Jirau envolvem três dos aspectos que despertaram maior polêmica no licenciamento das hidrelétricas do Madeira: diminuem os riscos de acúmulo de sedimentos no leito do rio, de mortalidade de peixes e de propagação da malária na região. Essa é a promessa que faz o consórcio Energia Sustentável do Brasil, liderado pela multinacional franco-belga Suez Energy, nos estudos que serão apresentados ao Ibama e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) amanhã. O consórcio espera apenas a homologação de sua vitória no leilão de Jirau, que deve ser feita hoje pela Aneel, para entregar o novo projeto de engenharia da obra e o detalhamento dos impactos ambientais.
O Energia Sustentável - que conta ainda com Camargo Corrêa, Chesf e Eletrosul - tem um forte argumento financeiro para seduzir os governos locais e buscar apoio político à sua proposta de mudar em nove km o local exato de construção da hidrelétrica [da cachoeira de Jirau para a de Caldeira do Inferno]. Ao antecipar o cronograma de entrada em operação das 44 turbinas do empreendimento, o consórcio diz que produzirá 4.140 megawatts (MW) médios adicionais de energia entre 2012 e 2016. No mesmo período, isso engordará em R$ 122 milhões o caixa do Estado de Rondônia e da prefeitura de Porto Velho, que vão receber royalties por abrigar fisicamente a usina. Esse valor é um cheque extra para Rondônia e Porto Velho, que já terão direito a R$ 58,6 milhões anuais como compensação financeira e receberão menos caso se mantivesse o cronograma original, que previa o início da geração só em janeiro de 2013.
Para comprovar a tese de que as mudanças feitas em Jirau vão diminuir o acúmulo de sedimentos e evitar o encurtamento da vida útil da usina, o Energia Sustentável contratou o consultor indiano Sultam Alan. Um dos maiores especialistas do planeta, Alan foi contratado no ano passado pelo Ministério de Minas e Energia. Teve papel decisivo no destravamento da licença prévia, que havia recebido oposição de técnicos do Ibama. Em parecer recém-concluído, o indiano afirma que a nova localização da usina "melhora significativamente" as condições de fluxo das águas e possibilita um "melhor gerenciamento de sedimentos e fragmentos (flutuando e submersos)".
O pesquisador Ronaldo Barthem, do museu paraense Emílio Goeldi, referência em estudos amazônicos, concluiu que a nova localização da hidrelétrica traz um arranjo "mais amigável" para a descida de larvas, peixes e a deriva de ovos. No projeto original, a solução aventada era a criação de remansos de grandes proporções a montante (rio acima) do vertedouro durante a época da estiagem - quando ocorre o turbinamento total da vazão. Remansos são áreas de água parada ou com pouca movimentação, onde ovos, larvas e peixes juvenis ficam mais expostos. "Aquilo ia virar um banquete de peixe grande", disse o presidente do Energia Sustentável, Victor Paranhos.
O consórcio prevê a implantação de dois conjuntos de turbinas, nas duas margens do rio, passando a estrutura do vertedouro para o centro do rio. Essa mudança do projeto de engenharia permite que sejam criados remansos com proporções reduzidas. Barthem sugeriu que essas áreas sejam usadas como aterro e bota-fora (locais destinados a receber a terra retirada nas escavações) - o que diminui os riscos a peixes que passam para jusante (rio abaixo) durante o período de desova das espécies migradoras.
Essa foi uma das principais preocupações de técnicos do Ibama na fase de licenciamento do complexo hidrelétrico, o que levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um momento de fúria. "Agora não pode por causa do bagre, jogaram o bagre no colo do presidente. O que eu tenho com isso?", chegou a reclamar Lula, em uma das reuniões no Palácio do Planalto para discutir o assunto.
De acordo com os estudos do Energia Sustentável, diminuirá consideravelmente também o risco de propagação dos mosquitos da malária, por causa da baixa acumulação de macrófitas (plantas rasas). Isso ocorrerá graças a duas opções que estão sendo consideradas: o aterro de uma pequena área nas margens do rio, perto do vertedouro, ou a plantação de arroz - em análise pela Embrapa. Ambas, segundo os estudos, serão capazes de reduzir o número de mosquitos.
Animado com as perspectivas de aprovação do novo projeto pela Aneel, Paranhos critica a posição "extremamente agressiva e irracional" da Odebrecht, que ameaça recorrer à Justiça contra a mudança de local da hidrelétrica. "A judicialização é contraproducente", afirmou o executivo, antecipando que usará a mesma moeda se a promessa do adversário for concretizada. De acordo com ele, o consórcio da Odebrecht também alterou o local exato de construção de Santo Antônio. "Não gostamos, mas soubemos perder", alfinetou.
Ao diminuir em 43 milhões de metros cúbicos o volume de rochas a serem escavadas, o equivalente a 72 vezes o estádio do Maracanã, o Energia Sustentável estima que conseguirá reduzir em 37% o custo das escavações. Paranhos acredita que, com a explicação detalhada de todas as mudanças, será possível obter ainda em agosto a licença de instalação do Ibama, que autoriza o início das obras.
A licença de Santo Antônio deverá sair nos próximos 15 dias e a Suez quer pegar carona no mesmo documento. "Na nossa visão, deve haver uma única licença para os dois projetos", disse Paranhos. Segundo ele, a licença prévia estabelece duas ações - apoio às comunidades indígenas e proteção do patrimônio histórico e arqueológico - que devem ser feitas de modo único. Ele vê a necessidade de atuação conjunta em outras cinco áreas: fauna, flora, ictiofauna (peixes), saúde pública e monitoramento de sedimentos. A idéia é aproveitar os projetos ambientais formulados pelo consórcio da Odebrecht que forem aprovados pelo Ibama. "É muito melhor trabalharmos juntos. Não tem sentido, por exemplo, construir dois hospitais e não fazer nenhuma escola nas áreas afetadas", observa.
(Por Daniel Rittner
, Valor Online, 22/07/2008)