Se os governos federal, estadual e municipal não investirem na ampliação e diversificação do tratamento de esgoto na região das represas Billings e Guarapiranga, na criação de áreas protegidas e em outras medidas que impeçam que a mancha urbana da Grande São Paulo continue avançando sobre as bacias hidrográficas, a qualidade da água dos mananciais continuará piorando e a sustentabilidade da maior metrópole do País permanecerá em xeque.
Há poucas semanas o governo de São Paulo anunciou os investimentos previstos para o Programa de Recuperação de Mananciais (PRM), um conjunto de obras a ser feito em áreas das bacias da Guarapiranga, Billings, Alto Tietê, Cantareira e Cotia, cinco dos principais mananciais da água consumida pelos moradores da Grande São Paulo. As obras anunciadas incluem a urbanização de favelas, ampliação de redes de esgoto e de abastecimento de água, pavimentação de ruas, drenagem e canalização de córregos, entre outras benfeitorias. O investimento total, que soma recursos das prefeituras de São Paulo, São Bernardo e Guarulhos, do governo estadual, da União e do Banco Mundial (Bird), chega a R$ 1,22 bilhão e deve ser concluído até 2011. O investimento é expressivo e deve ser comemorado.
O PRM vem sendo elaborado há quase 10 anos e agora se junta ao chamado PAC Mananciais, lançado pelo presidente Lula em abril, e ao Programa Mananciais da Prefeitura de São Paulo. O PRM vai reunir recursos de diversos órgãos do Estado, como Sabesp e CDHU. O PAC conta com verbas federais (R$ 250 milhões da União cedidos a fundo perdido). A prefeitura de São Paulo, por sua vez, já licitou mais de R$ 446 milhões para a região das represas Billings e Guarapiranga.
É a primeira vez que os três maiores orçamentos do País – União, Governo de São Paulo e Prefeitura de São Paulo – investem ao mesmo tempo na recuperação dos mananciais. O governo do estado atua por meio do PRM e a prefeitura e o governo federal investem por meio do PAC Mananciais e orçamento municipal. Essa articulação, coordenada pela Secretaria de Saneamento e Energia de São Paulo, estabelece que as áreas de São Paulo que recebem recursos do PRM e Bird não são as mesmas nas quais as obras do PAC ocorrem (veja mapa ao lado).
Em comparação ao Programa Guarapiranga, projeto anterior do governo de São Paulo para recuperar e proteger o manancial, realizado entre 1992 e 2000, as ações anunciadas têm quase o dobro de recursos previstos para cada ano de execução, uma média de R$ 217,2 milhões - enquanto o Programa Guarapiranga gastou em média R$ 125,6 milhões por ano. Apesar de mais ricos, o PRM e o PAC Mananciais não devem ser vistos como a garantia de que a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e seus 19 milhões de habitantes entrarão definitivamente na rota da sustentabilidade em relação ao uso de seus recursos hídricos e abastecimento de água.
Isso porque os programas reproduzem o formato de intervenção do Programa Guarapiranga, que, embora tenha resultados positivos em relação a urbanização de favelas, não evitou uma piora na qualidade da água dos mananciais da região e tampouco forneceu soluções adequadas para reverter as tendências de degradação das bacias hidrográficas, como a ocupação desordenada da região, desmatamento das margens das represas e lançamento de esgoto nos rios e córregos, que redundam exatamente na diminuição da qualidade da água de todos os reservatórios da RMSP. Para que estes processos sejam revertidos, outras ações precisam ser propostas e executadas na mesma escala e com montante de recursos equivalente, tais como:
Diversificar tratamento de esgoto
Para reverter a degradação dos mananciais é necessário que as ações previstas no PRM para a ampliação das redes de esgoto nas áreas de mananciais não apenas aumentem a coleta do esgoto gerados nas moradias, mas também possibilitem que um maior volume do esgoto seja tratado, seja transportando-o para estações de tratamento fora das bacias, seja possibilitando o tratamento dentro da bacia, por meio de tecnologias alternativas, como micro-estações de tratamento de esgoto (para tratamento primário) e “wetlands”(para tratamento secundário), que são sistemas para tratamento baseados na construção de áreas alagadas.
Nesse aspecto, o Programa Guarapiranga serve de exemplo a não ser seguido: quando realizado, se limitou a afastar o esgoto que corria a céu aberto em algumas áreas, mas não o coletou e o tratou integralmente. Deste modo, ainda que algumas das áreas ocupadas precariamente tivessem tido melhorias urbanísticas com o afastamento do esgoto, que prejudicava a saúde e a qualidade de vida da população local, a falta de coleta integral e de tratamento fez com que o mesmo esgoto passasse a chegar em maior volume e com maior velocidade nos rios e córregos que desaguam na Guarapiranga, e também na própria represa, piorando a qualidade da água do manancial.
O ISA defende que a implantação do saneamento não se fundamente apenas na execução de grandes obras e deixe de lado alternativas que sejam mais vantajosas para as comunidades locais. Há uma grande diversidade de soluções técnicas para tratamento de esgotos e poluição difusa, que merecem estudo caso a caso, dependendo das características locais. Algumas delas inclusive podem gerar renda para as comunidades, envolvendo os moradores com a construção e manutenção das estações e formas alternativas de tratamento.
Ampliar áreas protegidas
Outra importante ausência na lista de ações anunciadas para reverter a degradação dos mananciais de São Paulo diz respeito à criação e ampliação de áreas protegidas nas bacias hidrográficas. A proteção de remanescentes de Mata Atlântica é fundamental para a produção de água de boa qualidade, mas hoje apenas 3% da área da bacia da Guarapiranga está efetivamente protegida, enquanto que na bacia da Billings o número é ainda menor: 2% da área está protegida por Unidades de Conservação. Vale lembrar que, em ambas as bacias, ainda há muita vegetação a preservar.
Os remanescentes de Mata Atlântica ocupam 40% da bacia da Guarapiranga e 50% da Billings. Nem o governo de São Paulo nem o governo federal parecem preocupados com a proteção destes remanescentes ou com a de outras áreas não ocupadas e ambientalmente frágeis, como margens de córregos, nascentes e topos de morro. Em relação ao conjunto de intervenções, os recursos destinados a novos parques são minoritários ou dependem de outros recursos, como os previstos para a compensação dos impactos ambientais do Trecho Sul do Rodoanel.
A urbanização de núcleos habitacionais e a contenção da ocupação urbana devem fazer parte de um conjunto de ações para preservar os mananciais, mas é necessário garantir a proteção do que está hoje preservado. O que a prefeitura de São Paulo tem feito é criar parques na orla da represa de Guarapiranga que, ainda que importantes para o lazer das comunidades do entorno, são integralmente urbanos e com áreas pequenas, o que não acrescenta soluções significativas para a produção de água.
Impedir o avanço da cidade sobre os mananciais
A criação de áreas protegidas é uma estratégia fundamental para brecar o crescimento das cidades sobre as áreas de mananciais. Caso a mancha urbana siga avançando sobre as fontes de água, induzida pela falta de controle e fiscalização, pela ausência de alternativas habitacionais fora dos mananciais, e também pela abertura de novas estradas e rodovias – como o Trecho Sul do Rodoanel – o investimento atual pode não surtir efeitos e novos recursos serão necessários para recuperar a degradação ambiental causada por estas ocupações. Nesse sentido, faltam aos programas governamentais a definição de políticas que revertam as tendências de adensamento e crescimento da ocupação nos mananciais, dentre elas a oferta de moradia em áreas centrais, a criação de parques e áreas protegidas, incentivo a usos econômicos e de lazer compatíveis com a produção de água e com menor impacto ambiental.
Envolver e oferecer informações à sociedade
As iniciativas governamentais também pecam pela falta de transparência para que a sociedade possa participar e acompanhar os projetos em curso e investimentos previstos. Apesar de o governo estadual colocar na internet informações gerais sobre o PRM e sobre o PAC, não existe endereço, site ou ferramenta na Internet, por exemplo, que permita que os moradores e demais cidadãos saibam o que está acontecendo em cada uma das áreas escolhidas para receber as obras. Também não há disponibilidade de informações sobre a melhoria ambiental, urbanística e da qualidade da água antes e após a execução de cada uma das obras.
Como forma de acompanhar e monitorar esse conjunto de intervenções públicas nos mananciais de São Paulo, entidades da sociedade civil, como o ISA, Fundação Getúlio Vargas, CDHEP, Ministério Público, Fórum de Defesa da Vida, movimentos de moradia da região dos mananciais, entre outros, fundaram o Observatório de Recursos Públicos, que pretende monitorar algumas das obras previstas e concentrar informações de diferentes órgãos e instituições públicas envolvidos nos projetos.
(ISA, 18/07/2008)