Escondidas no fundo do mar, esperam, desconhecidas e inexploradas, as curas de muitas doenças que hoje são as principais causas de morte dos seres humanos. Inspirados por esta crença, pesquisadores da Universidade de Aberdeen, na Escócia, vasculharam as águas paradisíacas das ilhas Fiji e acharam uma surpresa bem-vinda entre os cientistas do mundo dedicados há 20 anos a este campo. Trata-se de componentes de animais marinhos capazes de matar células cancerosas e ajudar na absorção de drogas pelo organismo.
O professor Marcel Jaspars, de Aberdeen, e sua equipe de Luxemburgo e do Sul do Pacífico se focaram em encontrar componentes que interferem na proteína NF-kB, conhecida por ter um papel crítico em muitos tipos de câncer, assim como outras doenças, incluindo inflamações nos ossos, artrite e asma. "Testamos um número grande de espécies marinhas para ver se podem impedir a NF-kB de funcionar e encontramos uma molécula com muito potencial nesta tarefa", comemora Jaspars.
A equipe estudou esponjas, urocordados e corais. O componente mais promissor é de uma esponja chamada Rhabdastrella globostellata. Os tipos de câncer envolvidos no estudo são os de ovário e sangue. As substâncias são isolados com métodos como cromatografia, que envolve uma série de processos de separação de misturas, e identificados usando ressonância magnética nuclear e espectrometria de massa, para identificar os diferentes átomos que compõe uma substância. Jaspars tem feito isso desde que descobriu o campo de estudo, em 1993.
– Testamos o componente promissor contra células tumorígenas e descobrimos que matam as células em concentrações muito baixas, semelhantes às encontradas em drogas anticâncer. Entretanto, ainda levará alguns anos de desenvolvimento até vermos se estes componentes têm uso real num tratamento de câncer, e se não são tóxicos – pondera o cientista.
Transporte
Uma outra aplicação possível de moléculas isoladas de criaturas marinhas é a ajuda na absorção de remédios pelo corpo: "É uma triste realidade que atualmente muitas drogas excelentes são descobertas, mas não podem ser entregues efetivamente para os locais apropriados no organismo. Nós isolamos um componente de uma esponja do Mediterrâneo que pode ajudar a encerrar a tendência", conta o pesquisador. – Esta molécula cria poros em membranas celulares, uma propriedade que acreditamos ajudar no transporte de remédios. Como agora podemos fazer esse componente em laboratório em grandes quantidades, podemos investigar aplicações possíveis da molécula, incluindo a entrega de drogas em tumores, de genes em fibrose cística e de remédios no olho.
A substância foi identificada numa esponja chamada reneira. Trata-se de um polímero natural incomum usado pela reneira para evitar infecções. Os poros abertos pela substância se fecham depois de receber a possível droga, e a célula passa a conter o material. A idéia é mudar as propriedades de células, para conterem proteínas que normalmente não contêm, ou ter um novo DNA que fabrique essas proteínas.
– No futuro, esperamos usar isso para entregar as drogas diretamente em tumores permeabilizando as células para aceitá-las – completa Jaspars. Há 30 componentes de espécies marinhas em testes clínicos, nove no laboratório do cientista.
– Os próximos passos são testes em animais. As esponjas produzem quantidades muito pequenas de materiais, é difícil avançar com rapidez nos estudos – lamenta Jaspars.
Daniel Herchenhorn, chefe da oncologia do Hospital do Câncer e do Hospital Badim, pondera que há uma diferença no que é interessante em células, animais e em pessoas.
– Há muitas coisas novas todo os dias em termos de proteínas, biologia molecular, mas não se sabe o que realmente se traduzirá em potencial terapêutico. O ambiente do tumor é como se fosse um ecossistema, tem muitas coisas interagindo ao mesmo tempo, não é tão simples assim – lembra.
(Por Cristine Gerk, Jornal do Brasil, Ambiente Brasil, 21/07/2008)