A última guerra travada no território gaúcho completa, neste ano, três décadas
Mais do que cicatrizes deixadas nos enfrentamentos de 1978 entre 2 mil índios caingangues e 3 mil agricultores, os seis meses de tocaias, saques e agressões entre índios e colonos pela posse de 14 mil hectares da Reserva Indígena de Nonoai, no norte gaúcho, deixaram um morto, uma centena de feridos e um imenso ódio entre vizinhos. Aos indígenas vitoriosos, coube a terra. Aos colonos derrotados, restou ficar e dar origem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Para escrever os bastidores dessa história - os documentos oficiais são escassos, muitos deles foram queimados com o fim do regime militar, Zero Hora obteve depoimentos de personagens que lutaram e articularam o confronto.
O primeiro passo foi descobrir as razões que levaram índios e colonos à guerra. Elas residem no final da década de 50, quando filhos de pequenos agricultores que haviam povoado o norte do Rio Grande do Sul iniciaram o êxodo rumo ao oeste dos Estados de Santa Catarina e Paraná, em busca das terras que já não estavam mais disponíveis na região. No caminho, na divisa do território gaúcho com o catarinense, depararam com vastas extensões cobertas de madeira nobre e escassos habitantes que viviam da caça e da pesca.
Eram as terras caingangues. Uma a uma, as 20 reservas que existiam no território gaúchos demarcadas pela União foram tomadas pelos agricultores.
Em 1978, restavam apenas oito áreas indígenas intactas. Primeiro, os colonos instalavam-se como intrusos. Uma vez estabelecidos, tinham seus títulos de propriedade legalizados por pressão política.
Foi desse maneira que 3 mil agricultores brancos se instalaram, construíram casas e plantaram lavouras na reserva de Nonoai. Começaram a entrar no início dos anos 60 e continuaram mesmo depois do golpe de 1964. No regime militar, inclusive, a ilegalidade foi aperfeiçoada. Fazia-se um contrato de parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para explorar a área.
Os intrusos só não expulsaram os caingangues de Nonoai, como fizeram em outras reservas, por causa de um personagem que ocupa a galeria dos heróis ignorados da história oficial do Rio Grande do Sul: o cacique Nelson Xangrê, o homem que, indiretamente, inventou o MST.
(Zero Hora, 20/07/2008)