Ao monitorar um trecho de 170 quilômetros nos 11 últimos meses, estudo relata ameaça que as estradas representam para a fauna
Era uma viagem tranqüila a que o comerciante Carlos Augusto Morsch, 62 anos, fazia com o filho pela estrada Rosário do Sul-Santana do Livramento (BR-158), na noite de 31 de maio.
Às 20h, ele levou um susto: um veado cruzou a pista. O atropelamento, inevitável, deixou a frente do carro destruída.
- O bicho morreu e, por sorte, não nos ferimos - conta o comerciante.
Embora faltem estatísticas confiáveis, acidentes desse gênero são comuns nas rodovias gaúchas. Capivaras, quatis, guaxinins e outros animais morrem à beira das estradas diariamente. Cruzando o hábitat dos animais, as rodovias oferecem alguns atrativos para qualquer tipo de espécie. Um caso curioso ocorre no km 320 da BR-158, em Santa Maria, em uma curva próxima ao posto da Polícia Rodoviária Federal. Por ali, passam dezenas de caminhões, muitos deles deixando cair alimentos, como grãos.
- Diariamente, vemos jacus se alimentando na beira do asfalto - relata o policial Vicente Alaor.
Na região da Estação Ecológica do Taim, no extremo sul do Estado, que é cruzada pela BR-471, onde a incidência de animais mortos é diária, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) aguarda pela instalação das telas - doadas há mais de um ano - nas margens da via.
De acordo com o chefe da reserva, Amauri Motta, são aproximadamente 20 quilômetros de cerca. O chefe da unidade regional do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit) em Pelotas, Vladimir Casa, afirma que será encaminhada nos próximos dias a licitação para o serviço, além da aquisição de moirões e lajes para a obra.
Como a PRF não conta com números exatos de acidentes com animais, profissionais buscam dados de forma independente. É o caso do biólogo do Museu de Ciências Naturais da Ulbra, Felipe Bortolotto Peters. Ele monitorou desde agosto do ano passado 170 quilômetros das rodovias BR-297 e BR-153, que passam por Dom Pedrito, Bagé e Santana do Livramento.
Somente nesse trecho, Peters registrou 425 acidentes envolvendo 11 espécies diferentes de mamíferos silvestres. Parte deles estão incluídos na lista de animais em extinção. Para ilustrar a discrepância: no mesmo período, a PRF contou apenas 260 acidentes envolvendo qualquer tipo de animal (silvestres ou não) em todo o Estado.
- Muitos acidentes não têm registros em nenhum lugar. Em muitas vezes, quando o animal morto é encontrado, o cadáver simplesmente é retirado e não contabilizado em nenhuma estatística. Perde-se informação e fauna, além de não se avaliar o impacto ambiental causado com o movimento da rodovia - aponta Peters.
De acordo com a PRF no Estado, o número de registros é baixo pois nem sempre os envolvidos comunicam a polícia sobre o acidente. Na região de Livramento, onde constantemente animais são encontrados, os policiais contabilizaram de janeiro a junho deste ano oito acidentes com animais silvestres nas estradas BR-158 e BR-293. São três a mais que no mesmo período do ano passado.
Especialista associa acidentes ao aumento da população
Analista ambiental do ICMBIO, Eridiane Lopes da Silva afirma que o aumento nos acidentes, constatado pelo testemunho dos policiais, deve-se ao cerco à caça amadora, proibida há dois anos no Estado. Isso teria feito com que a população de animais selvagens aumentasse.
- É uma situação comum. Com as estradas em meio às matas, os bichos passam sobre a rodovia. Principalmente à noite, pois são atraídos pela luz dos faróis - afirma.
(Por Ronan Dannenberg, Zero Hora, 19/07/2008)