Dois tipos de iniciativas estão ganhando cada vez mais importância na preservação da Amazônia: criar oportunidades para que os proprietários rurais entrem na legalidade – no aspecto ambiental e fundiário – e, para que os povos tradicionais continuem tirando seu sustento da floresta, torná-los “guardiões da mata”.
Foi o que apontaram especialistas presentes no simpósio “Instrumentos econômicos para a conservação de florestas na região amazônica”, na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas.
Para Paulo Moutinho, coordenador científico do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), os rumos das negociações internacionais indicam que em um futuro próximo haverá mecanismos realmente capazes de envolver os grandes produtores na conservação da floresta, ao compensá-los pelo chamado custo de oportunidade.
Segundo ele, o Ipam tem um projeto desse tipo na região indígena no sul do Parque do Xingu, em parceria com a organização não-governamental Aliança da Terra, ligada aos produtores rurais.
“A ação de desmatamento é muito grande ali, devido à pecuária, inicialmente, e agora à soja, que esses produtores em muitos casos plantavam até a beirada dos rios. Eles sempre estiveram envolvidos por uma imagem de vilões responsáveis pela devastação. O trabalho tem o objetivo de resolver esse quadro”, disse Moutinho à Agência FAPESP.
A projeto consistiu na criação de um cadastro socioambiental para o qual se exige que o produtor apresente um registro georreferenciado de sua propriedade em um sistema de licenciamento ambiental do Estado do Mato Grosso. De posse dos dados, uma equipe de campo das entidades realiza um diagnóstico socioambiental da propriedade.
“Avaliamos se há reserva legal, se há condições compatíveis com a legislação, se há presença de açudes, se é feito uso correto de inseticida e assim por diante. Depois disso, os produtores assinam um protocolo, em um evento com autoridades, compromentendo-se a recuperar o passivo ambiental e investir na legalização total”, explicou.
De acordo com Moutinho, os produtores se dispõem a assinar o protocolo porque obtêm uma série de vantagens, à medida que fazem uma melhor gestão dos recursos. Ao remover açudes e instalar bebedouros para o gado, por exemplo, evitam erosão na época chuvosa, que assoreia rios, reduzindo prejuízos em eventos de chuvas ou secas fortes.
“Temos 60 proprietários cadastrados e outros 500 produtores estão na fila para entrar no programa. São grandes produtores, com fazendas de 20 mil, 30 mil hectares ou mais. O impacto é de larga escala. Com mais produtores envolvidos será possível dar um tratamento de paisagem às estratégias ambientais, com criação de corredores ecológicos, por exemplo”, disse.
Bolsa Floresta
Virgilio Viana, diretor executivo da Fundação Amazonas Sustentável, afirmou que o governo amazonense está conseguindo reduzir o desmatamento no estado – o mais preservado da Amazônia – com base em programas que valorizam a floresta e transformam os moradores da regiões em “guardiões da mata”.
“Ninguém desmata por burrice ou estupidez. Os produtores fazem uma opção racional decorrente de um conjunto de fatores econômicos e sociais. O raciocínio do governo tem sido o de interferir nesses fatores”, disse Viana, que até março era secretário de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, cargo que ocupou por cinco anos.
Segundo ele, a floresta foi economicamente valorizada, com iniciativas que aumentaram os preços dos produtos. “O governo criou um sistema de Bolsas Floresta, que remunera financeiramente os moradores de Unidades de Conservação que assumem compromisso de zerar o desmatamento”, disse.
Depois de passar por um curso de dois dias sobre mudanças climáticas, os moradores assumem o compromisso e passam a receber R$ 50 mensais por família, entregues às mulheres. “Parece pouco, mas representa um aumento médio de 50% na renda financeira, já que a maior parte da economia é de subsistência”, salientou.
Determinante econômico
Para Phillip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), envolver os moradores da região também é uma boa política para diminuir a devastação. “Investir na preservação não significa, evidentemente, pagar guardas para proteger a floresta. O governo deverá investir em condições que permitam que essas populações tirem seu sustento da floresta, em atividades sustentáveis”, disse.
Segundo ele, atualmente, com a falta dessas políticas, todos os fatores estruturais e econômicos – com exceção do câmbio que está baixo, dificultando a exportação –, estão favorecendo uma iminente alta dos desmatamentos.
“Ao afetar os grandes produtores, as oscilações de preços têm papel importante no desmatamento. E, além do aumento do preço da carne e da soja, estamos em um pico em relação ao preço da terra, o que é fundamental como motor da devastação. Todas essas forças estão alinhadas para que se tenha mais desmatamento pela frente”, apontou.
Além dos fatores de preço de commodities e da terra, investimentos em infra-estrutura também poderão contribuir. “Temos uma série de estradas sendo construídas em grandes blocos de floresta intacta, como é o caso da BR-139, que liga Porto Velho a Manaus, e a BR-163, entre Santarém e Cuiabá. Com isso, o processo que ocorre no arco do desmatamento, com ocupação de propriedades, plantio de soja e abertura de pastagens, deverá se reproduzir na Amazônia Central”, disse Fearnside.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 18/07/2008)