A cada semana, 1,2 milhão de pessoas se mudam do campo para a cidade. Esse processo é particularmente comum na Ásia e na África, mas o modo como tem ocorrido tem aspetos negativos que deveriam ser evitados no Brasil.
O alerta foi dado por George Martine, consultor da Organização das Nações Unidas, durante o simpósio “Crescimento urbano, populacional e meio ambiente no século 21”, realizado na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas.
O sociólogo e demógrafo canadense é o autor do relatório Situação da população mundial 2007: Desencadeando o potencial do crescimento urbano, divulgado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no ano passado.
Segundo ele, a ação dos administradores públicos tem agravado o problema. Atitudes como combater a migração e negar serviços urbanos aos mais pobres geram prejuízos sociais, financeiros e ambientais.
Esses efeitos são preocupantes, uma vez que a escala dessa migração deve ser a maior de toda a história. “Espera-se que a população urbana mundial passe dos atuais 3,3 bilhões para 5 bilhões em 2030”, alertou, ressaltando que o fenômeno será sentido especialmente nos países mais pobres.
O Brasil já tem alto grau de urbanização, com 80% da população em cidades, mas Martine aponta que o país ainda tem muito a aprender sobre crescimento e planejamento urbano. Para ele, ainda é preciso derrubar alguns mitos, como o da separação entre “rural e urbano” e o de que a urbanização degrada o meio ambiente.
Revisão de conceitos
“Nenhum indicador mostra que o crescimento das cidades denigre o meio ambiente”, concordou Marília Steinberger, do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília. Para ela, trata-se de uma herança do pensamento “anti-cidade”, que vem da década de 1970 e associa as cidades aos grandes males da sociedade.
Os próprios conceitos de cidade e campo precisam ser revistos, segundo ela. “Os conceitos registrados no Tratado das Questões Urbanas, assinado na Eco 92, foram um alerta para dizer que as questões urbanas, rurais e ambientais devem ser tratadas como uma coisa só”, pontuou.
Mas não é isso que os dois especialistas têm observado. A invasão de áreas de proteção ambiental por favelas, por exemplo, está diretamente ligada à falta de atenção à população mais pobre. Na seqüência, a dificuldade que essas pessoas acabam tendo de acesso aos serviços urbanos como saúde, segurança, educação e até ao emprego só contribuem para aprofundar os problemas da cidade.
Ao ser questionado sobre o problema do trânsito nas grandes cidades, Martine citou o exemplo de Bogotá, capital da Colômbia. “Há quinze anos as ruas da cidade eram completamente paradas por causa do trânsito caótico”, contou.
Uma construtora japonesa apresentou então uma solução no valor de US$ 90 bilhões que consistia na construção de túneis e viadutos. Com um terço desse valor, porém, a prefeitura da capital preferiu um plano alternativo. Construiu ciclovias, copiou parte do modelo de transporte público de Curitiba (PR) e dificultou o acesso dos automóveis.
Com isso, a capital colombiana ganhou um trânsito que, coisa rara entre as metrópoles do continente, é melhor hoje do que era há quinze anos. “É preciso se perguntar para quem serão feitas as mudanças. Fazer viadutos privilegiará somente os donos de automóveis e continuará a deixar a maior parte da população à pé”, disparou Martine.
(Por Fábio Reynol, Agência Fapesp, 18/07/2008)