Após nove meses de investigações sobre os malefícios causados pela queima da palha da cana-de-açúcar, a CPI da Assembléia Legislativa de São Paulo (AL-SP) que trata do assunto concluiu seus trabalhos em 25/6, com a aprovação unânime do relatório final. A relatora Vanessa Damo (PV) propôs um projeto de lei que altera os prazos para o fim das queimadas constantes na Lei 11.241/2002. Segundo sua justificativa, as alterações elaboradas para a referida lei são fruto de todo trabalho da CPI, em que se pôde constatar os malefícios que a queima da palha da cana-de-açúcar tem causado aos trabalhadores rurais, à atmosfera e ao meio ambiente.
"O plantio de cana-de-açúcar teve enorme expansão no Estado de São Paulo e no Brasil, a partir da crise do petróleo e da implantação do programa denominado pró-álcool. Nos tempos atuais, as plantações tendem a se expandir e todos os problemas a se agravar, ante a busca de combustíveis alternativos ao petróleo, sendo o etanol seu maior representante. O Brasil atualmente é o maior produtor de etanol de cana-de-açúcar e essa posição tende a ficar cada vez mais intangível", diz o relatório.
Impacto para os trabalhadores rurais
O método utilizado na colheita é a queima da palha, que tem o propósito de facilitar o corte posterior da planta pelos trabalhadores rurais. Dessa operação resulta uma fuligem, também chamada carvãozinho, que permanece em suspensão no ar, além de inúmeros gases resultantes da queima, informa o relatório. Segundo estudos do Instituto de Química da Unesp/Araraquara, esta fuligem é cancerígena e mutagênica. Após as audiências com especialistas do setor, ambientalistas, juristas, pesquisadores e moradores de regiões próximas às queimadas, concluiu-se que existem diversos efeitos dessa prática.
Os trabalhadores do setor ficam submetidos a uma jornada de trabalho insalubre e estafante. O contato íntimo com o fogo produz, entre outros efeitos, queimaduras de pele, problemas no aparelho respiratório, desidratação etc., além do potencial cancerígeno das substâncias liberadas na queima. De acordo com pesquisadores da Unimep/Piracicaba, em um dia de trabalho, um trabalhador de boa performance, que corta 10 mil quilos de cana, realiza por volta de 80 mil golpes de facão e flexiona a coluna 10 mil vezes. Carrega 10 toneladas de cana nos braços, levando-a de 15 em 15 quilos a uma distância de 1,5 a 3 metros, caminhando aproximadamente 6 mil metros.
A perda de água e sais minerais decorrente desta prática leva à desidratação e à freqüente ocorrência de cãibras. Ainda enfrenta os efeitos da fuligem expelida pela cana queimada. Centenas de trabalhadores encontram-se sem registro trabalhista, sem equipamentos de proteção individual, sem água ou alimentação adequada, sem acesso a banheiro e vivendo em moradias precárias. Sem contar que o trabalho escravo é comum no setor.
Impacto na população, na atmosfera e no meio ambiente
Como as queimadas são realizadas de forma indiscriminada, em cidades como Jaú, que perde apenas para Ribeirão Preto em queima da palha da cana-de-açúcar, a população sofre as conseqüências da fuligem mesmo em lugares distantes do ponto da queima.
A atmosfera recebe boa parte dos gases oriundos da queima da palha da cana. Esses dejetos provocam o aquecimento global da temperatura da terra. O aquecimento global é conseqüência do efeito estufa, fenômeno originalmente natural, que é potencializado pela ação humana e que ocorre pelo lançamento na atmosfera de partículas de carbono. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), as queimadas causam a liberação de ozônio, que afeta a saúde dos seres vivos, reduzindo também as atividades fotossintéticas dos vegetais, prejudicando a produtividade de diversas culturas.
As queimadas atingem também áreas de preservação permanente, notadamente as margens de rios e córregos da região, entre eles o Rio Tietê. Atingem também áreas de reserva legal, que se encontram no interior das propriedades rurais onde são realizadas as queimadas. Atingem a fauna local, pois muitos animais silvestres são incinerados pela ação do fogo, e também a flora, consumida pelas labaredas.
Propostas para mudar este quadro
Propostas contidas no texto incluem o fomento a uma política de apoio aos pequenos e médios produtores, por meio de subsídios fiscais para aquisição de tecnologia para produção de cana-de-açúcar e etanol; a orientação e o incentivo à migração de pequenos produtores para novas atividades ligadas ao campo; e o incentivo à criação de cooperativas ou associações de pequenos e médios produtores para aquisição e uso compartilhado de tecnologias modernas que exigem maiores investimentos, como colheitadeiras da cana-de-açúcar crua e equipamentos de cogeração de energia elétrica. Com relação aos trabalhadores do setor, o relatório propõe a adoção de jornada máxima de trabalho de 40 horas semanais, com pausas regulares para descanso e hidratação garantidas, e a obrigatoriedade de realização de exames médicos admissionais em todos os trabalhadores.
Como foi o trabalho da CPI
Em 9 meses de trabalhos a comissão não só realizou reuniões em sua sede, na Assembléia Legislativa, como também foi ao interior do Estado para reunir subsídios técnicos que contribuíram na elaboração do relatório final. Durante esse período foram ouvidas dezenas de convidados, entre ecologistas, climatologistas, médicos, militantes dos direitos humanos, técnicos do governo, pesquisadores e, é claro, políticos.
Para as audiências no interior foram escolhidas cidades pólos da indústria sucroalcooleira paulista: Piracicaba e Ribeirão Preto. A primeira delas, realizada a convite do Legislativo piracicabano, reuniu especialistas que contribuíram para a apuração dos danos causados pela queima da palha da cana.
Da audiência realizada na Câmara Municipal de Ribeirão Preto participaram militantes e autoridades de diferentes segmentos, que evidenciaram em seus depoimentos a necessidade real da redução do prazo para a eliminação final das queimadas, em função sobretudo dos danos ambientais, sociais e sanitários que elas provocam.
Na própria Assembléia, os membros da CPI receberam delegados da comitiva da Fian (organização internacional de direitos humanos, trabalhando no âmbito do direito humano à alimentação adequada, com status consultivo perante a ONU), que vieram ao Estado de São Paulo para investigar os impactos econômicos e sociais causados pela expansão da produção da cana-de-açúcar visando buscar uma fonte de energia alternativa.
Para auxiliar na elaboração do relatório final dos trabalhos, a comissão contratou um especialista em geografia e meio ambiente. O escolhido foi Elias Antonio Vieira, professor renomado da área ambiental com trabalhos publicados em diversos países. Outra providência adotada foi a colaboração com a Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP, presidida por Carlos Alberto Maluf Sanseverino. Com isso, os trabalhos dos relatores Vanessa Damo (PV), relativo à degradação do ambiente, e de Uebe Rezeck (PMDB), concernente às implicações trabalhistas, puderam dispor de um consistente embasamento técnico e jurídico.
(Por André Barros, Beth Avelar e Graciana Feitosa, Ascom AL-SP, 17/07/2008)