O Brasil poderá conciliar expansão na produção de etanol com fornecimento de alimentos, desde que implemente uma política agrícola eficiente e de longo prazo. A análise é do reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, que nesta quinta-feira (17/07) proferiu conferência na 60ª Reunião Anual da SBPC. Engenheiro de Alimentos e titular da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), ele ressaltou, porém, que se não houver um programa de Estado que leve em conta os fundamentos agrícolas, o quadro poderá ficar desequilibrado.
De acordo com Tadeu Jorge, por enquanto ainda não é possível afirmar que a produção de etanol no Brasil esteja diretamente ligada à recente alta mundial nos preços dos alimentos. “Isso é uma falácia”, afirmou. O reitor apresentou números do Ministério da Agricultura e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), demonstrando que o avanço da cana-de-açúcar vem ocorrendo predominantemente em áreas de pastagem e não sobre outras culturas.
“Duas das maiores altas foram registradas nos preços do trigo e do arroz, mas a cana não avançou um milímetro sobre estas culturas”, disse. Segundo o reitor, o único caso em que a produção de biocombustível afetou o preço e a disponibilidade de alimentos refere-se aos Estados Unidos, em função da decisão de destinar milho para a produção de álcool.
Embora a expansão das lavouras de cana no Brasil ainda não representem uma ameaça à produção de alimentos, Tadeu Jorge admite, porém, que não há nenhuma garantia de que isso não venha a ocorrer. “Da maneira como a agricultura está estruturada no país, a produção de alimentos ou biocombustíveis é pautada quase que exclusivamente pelo mercado”, disse. “O agricultor decide plantar cana ou feijão por razões meramente econômicas”, completou.
Tadeu Jorge disse que a única maneira de manter o controle sobre a expansão na produção de etanol com garantia de oferta de alimentos é a implantação de uma política agrícola que leve em conta os conceitos do setor. “Até agora, tivemos apenas planos econômicos para a agricultura”, afirmou. “Mas não adianta financiar a compra de fertilizantes ou sementes, sem pensar na processo de produção como um todo”, ressalta.
De acordo com o reitor, uma verdadeira política agrícola atacaria os problemas inerentes à agricultura. “Se o problema é secar feijão na propriedade rural, então o instrumento de uma política consiste em facilitar o acesso do produtor a equipamentos de secagem”, disse. Segundo ele, isso poderia ser feito oferecendo juros mais baixos aos agricultores que se comprometerem a usar parte do financiamento na montagem da infra-estrutura necessária ou criando um programa específico para dotar os produtores com essa infra-estrutura.
Para Tadeu Jorge, o fato de o país contar com uma das maiores áreas agricultáveis do mundo ainda não ocupadas (em torno de 90 milhões de hectares), representa um trunfo significativo, mas não é o suficiente. “É preciso uma política agrícola que induza a ocupação dessas áreas de forma planejada”. Segundo o reitor, o governo teria de criar estímulos, como juros mais baixos, seguro rural mais em conta e providenciar a infra-estrutura adequada. “Ou seja, instrumentos que estimulem o produtor a ampliar a área plantada”, destaca.
Além da expansão, segundo Tadeu Jorge também seria importante a preservação de determinadas áreas. “Uma ferramenta indispensável é o zoneamento agrícola, criando condições melhores em locais onde a agricultura tem maiores chances de se estabelecer de forma perene e com boa produtividade”, observa.
Tadeu Jorge acredita que uma política agrícola eficiente garantiria ao Brasil uma oportunidade rara de se colocar entre os países desenvolvidos. “Trata-se de uma chance imperdível”, disse. Se isso acontecer, o Brasil, segundo o reitor, desfrutará de uma força política considerável porque contará, ao mesmo tempo, com uma importante fonte de energia e um grande potencial de alimentos.
(Por Clayton Levy, Jornal da Unicamp, 17/07/2008)