Das cerca de 1.335 espécies de peixes escamados conhecidas no mundo, 1.200 estão da Amazônia. Isso se repete em proporções semelhantes quando se trata de pássaros e plantas. Essa riqueza imensa está ameaçada não só pelo desmatamento, mas também pelo aquecimento global.
As ameaças sofridas pela maior reserva em biodiversidade do planeta foram o tema da conferência do pesquisador Adalberto Val, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Campinas.
Ninguém sabe ao certo o número exato de espécies da região amazônica. A cada ano ele cresce de acordo com o ritmo das pesquisas. Por isso, com a degradação da floresta, muitas espécies podem desaparecer antes mesmo de serem descobertas.
Segundo Val, o Brasil não tem dado conta de pesquisar devidamente a floresta. “A maior parte dos artigos publicados sobre a Amazônia é escrita por estrangeiros”, lamenta o pesquisador, que ressaltou a existência de apenas 3 mil doutores em todas as instituições de pesquisa instaladas nos nove estados localizados na região amazônica, incluindo as universidades federais. Para toda a Amazônia brasileira há apenas quatro taxonomistas – responsáveis pela identificação e registro de espécies.
Segundo o cientista, uma das maiores ameaças atuais da floresta é o chamado “efeito de borda”. Com o desmatamento, novas bordas surgem na floresta e se tornam entradas para modificações no ecossistema. Essas alterações são sentidas até cerca de 400 metros dentro da mata e vão desde a morte das árvores maiores e mais antigas até a diminuição das espécies, tanto de plantas como de animais. “No Brasil, o desmatamento abre 22 mil quilômetros de novas bordas a cada ano”, revelou Val.
Além da derrubada das árvores, o aquecimento global que atormenta o resto do planeta também tem conseqüências sérias sobre o bioma amazônico. Uma pesquisa realizada no Inpa com o tambaqui, peixe típico da região, detectou alterações no DNA do animal após exposições elevadas aos raios ultravioleta do sol. “Se fôssemos estudar o pirarucu, que sobe à superfície para coletar oxigênio, as alterações poderiam ser ainda maiores”, estima.
O aquecimento do planeta também tende a reduzir uma das condições climáticas fundamentais na floresta amazônica, a umidade. “Os fungos, essenciais na ciclagem de nutrientes, são sensíveis à umidade; sem eles, muitas espécies desapareceriam”, disse Val.
As áreas chamadas de interflúvios (entre os rios) seriam as primeiras a sofrer com o aquecimento. Nessas terras é possível encontrar água cavando menos de 20 centímetros. O aquecimento tende a provocar uma diminuição do nível do lençol freático e os interflúvios ficariam mais secos. Um efeito em cadeia, então, atingiria todo o ecossistema.
Segundo o pesquisador do Inpa, com a diminuição do nível das águas, peixes dispersores de sementes como o bagre e o tambaqui não teriam mais acesso ao interior da floresta. Conseqüentemente, as plantas que dependem dessa dispersão para se reproduzir seriam prejudicadas.
Para complicar, o sistema é tão grande e complexo que tem de ser analisado por regiões. Por isso, Val propõe uma mudança nos modelos de previsão de mudanças ambientais. Segundo ele, é necessário levar em conta as características regionais em vez de considerar a floresta como um só bloco.
“Também não se trata apenas de modelos climáticos, temos de levar em conta o histórico evolutivo e adaptativo das espécies”, pontuou. O cientista ressaltou que é preciso assumir a distribuição das espécies, tendo a consciência de que não se conhecem todas elas.
(Por Fábio Reynol, Agência Fapesp, 17/07/2008)