Longe da praia rodeada de palmeiras nesse remoto atol do Pacífico, a vista embaixo d’água é simplesmente assustadora. Os corais estão sendo cobertos e sufocados até a morte por uma alga marinha densa, tão dura que até peixes que se alimentam de algas a evitam. Ela se deposita nas fendas dos recifes, espantando os peixes que um dia adotaram esse local como habitat.
Os corais sem vida param de contribuir para o ecossistema e, em algumas décadas, esfarelam-se e se transformam em cascalho, fazendo com que grandes ondas cheguem à praia durante as tempestades, destruindo as frágeis cabanas de palha dos habitantes da Micronésia. “Estamos pescando cada dia menos peixes e as algas marinhas estão se prendendo às nossas redes de pesca”, conta Henry Totie, pescador e chefe tradicional de Butaritari, durante uma entrevista em sua casa na vila próxima à lagoa azul-turquesa.
A área afetada, cerca de 6,5 quilômetros de comprimento e 1,6 kilômetros de largura, fica fora da vila principal da ilha, como mostrou uma análise subaquática. O resultado se parece bastante com a Kaneohe Bay, na ilha havaiana de Oahu, onde as algas marinhas se espalharam e estão fora de controle.
“Essa é uma das algas marinhas mais prejudiciais que já vi”, afirma Jennifer E. Smith, do Centro Nacional para a Análise e Síntese Ecológica da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, que estuda a invasão das algas no Havaí há oito anos. “Se existe Euchema nessa quantidade em Butaritari, então está provado que ela pode destruir um recife sadio, ao contrário de um degradado como em Kaneohe”.
Moiwa Erutarem, representante de Butaritari do ministério da pesca, disse que as maiores perdas foram sentidas pelos mais vulneráveis: aqueles que usam redes no platô raso de corais e não dispõem dos barcos necessários para pescar mais longe. Peixes e frutos do mar são praticamente a única fonte de proteína em Butaritari, complementada por fruta-pão e coco.
Essa ilha equatorial de quatro mil pessoas é a última vítima de um esforço mundial de 30 anos para motivar pessoas pobres nas áreas costeiras dos trópicos a cultivar algas marinhas que, apesar de não comestíveis, produzem carragena, um aglutinante cada vez mais procurado e que substitui a gordura usada na indústria alimentícia, especialmente em sorvetes.
Hoje, cerca de 120 mil toneladas são produzidas por ano, a maioria nas Filipinas e na Indonésia, lugares de origem das duas principais algas. A Kappaphycus alvarezii é mais procurada pelo seu alto teor de carragena; a Eucheuma denticulatum é menos valiosa, porém mais fácil de cultivar.
Ambas foram introduzidas nas últimas três décadas em 20 países ao redor do mundo, de Tonga a Zanzibar, e o resultado na maioria deles foi o fracasso, ou pior. A alga K. alvarezii invadiu a Reserva de Biosfera do Golfo de Manmar no sul da Índia uma década depois do início do cultivo comercial próximo a Panban. “Nenhuma parte do recife de corais era visível na maioria das áreas invadidas, onde as algas condenaram colônias inteiras”, informou o jornal Current Science.
No Pacífico, por exemplo, as duas algas foram introduzidas em 10 países e, relata-se, são comercialmente cultivadas em três: Kiribati, Ilhas Salomão e Tonga;
Mas no caso de Kiribati, entrevistas com agentes oficiais responsáveis pelas algas marinhas em Tarawa, capital desse país formado por minúsculas ilhas pulverizadas em um trecho de oceano de tamanho da Índia, revelam que desde o primeiro esforço para o cultivo das algas em 1986, a indústria perdeu dinheiro quase todos os anos e os cultivadores mostraram pouco entusiasmo pela produção.
Em alguns lugares, durante certas épocas, a culpa é dos preços baixos. Em outros, compras irresponsáveis. E também existem os fatores culturais. Alguns países do Pacífico, como Kiribati, são povoados pelo o que etnólogos chamam de não-consumidores: pessoas que só precisam que um pouco de dinheiro para sobreviver e, uma vez que essa necessidade seja atendida, preferem passar o tempo com a família, pescar ou dormir.
Há também o “pubusi”, tradição local na qual uma pessoa pode pedir a outra praticamente tudo, usando a palavra mágica, e a outra pessoa tem que atender ao pedido ou enfrentar humilhação pública.
“Qual o sentido de juntar dinheiro se você tem que entregar tudo por causa do pubusi?”, pergunta Kevin Rouatu, ex-banqueiro gordinho e animado, que administra a Atoll Seaweed Co. em Kiribati.
Essa empresa estatal foi formada em 1991 para retomar esforços fracassados do ministério da pesca com o conselho de consultores estrangeiros, e para introduzir o cultivo de algas marinhas nos anos de 1980. Hoje, depois que a alga foi introduzida em 10 ilhas em Kiribati, somente uma, Fanning, produz alguma coisa. Assim, o governo desistiu das outras nove e está movendo a empresa de algas marinhas para a Ilha Christman, que fica perto da Ilha Fanning e a mais de 3.200 km de Tarawa.
“O governo aumentou o preço para pagar 60 centavos o quilo aos cultivadores, então perderemos 27 centavos por quilo até termos enviado as algas para a usina”, que está a 48.200 km de distância, nas Philipinas, disse Rouatu. “O governo não nos deu a diferença no ano passado, então só pudemos comprar 100 toneladas, e os cultivadores têm 250 toneladas nas mãos”.
Em Butaritari, onde o cultivo de algas marinhas terminou há dois anos, Reuera Redfern, marinheiro aposentado que se tornou o principal produtor da ilha e depois o agente de compras da companhia, estima que existam de 6 a 10 toneladas de Euchema – a variedade com menos carragena – nos recifes de corais hoje, e uma quantidade desconhecida em Tarawa. Redfern afirmou que, segundo relatos, a alga também está se espalhando em Abemama, outra ilha no grupo Gilbert.
Hoje, Totie, o chefe tradicional de Butaritari, afirma que a única forma de evitar que a Eucheuma destrua uma lagoa inteira é que a companhia de algas marinhas se ofereça para comprá-la. “Então as pessoas iriam pegá-las e elas desapareceriam por alguns meses”, ele disse. “Se eles esperarem, o problema só vai piorar”. Rouatu concorda que algum tipo de plano de compra não-comercial precisa ser desenvolvido para salvar a lagoa Butaritari, talvez com ajuda internacional.
Em uma entrevista, o presidente Anote Tong relembrou quando pescava com Redfern, seu amigo dos tempos de escola, e disse estar consciente do problema. No entanto, demonstrou pouco interesse em resolvê-lo, afirmando que isso exigiria uma “solução científica” – que ele não soube definir.
“Comprar as algas é algo não podemos bancar”, disse. “Se recebermos um subsídio para isso, pode ser, mas...”, acrescentou com um sorriso rápido, “isso pode motivar o cultivo”.
Smith argumentou que, mesmo se para padrões mundiais os danos causados pela alga são pequenos, isso adiciona um nível de estresse a corais que já morrem rapidamente porque a maioria dos peixes que se alimentam de algas, que mantêm o ecossistema saudável, foram comidos, levando a uma mortalidade de corais muito maior quando o aquecimento global aumenta a temperatura da água. “Espécies introduzidas tiveram impactos maiores em ecossistemas marinhos ao redor do mundo”, ela disse. “Devemos evitar a introdução internacional de espécies conhecidas por causar danos aos corais, e não promovê-la”.
No Havaí, três tipos de algas foram trazidos durante os anos de 1970 por um professor de botânica da Universidade do Havaí, Max Doty, que desenvolveu técnicas de cultivo que foram exportadas ao redor do mundo. Uma espécie domina o sul de Oahu e as duas outras, a maioria Eucheuma, espalharam-se para cerca de metade da parte superior dos corais de Kaneohe Bay.
Celia Smith, sucessora do falecido Doty na universidade, hoje é líder no esforço para salvar a baía. “Não é fácil”, ela disse, porque as algas marinhas crescem a uma taxa de 7% por semana.
A universidade, o estado e a Nature Conservancy inventaram os Super Suckers, aspiradores acoplados em catamarãs motorizados que sugam até 1,3 toneladas de algas todos os dias. “No estágio atual, precisaríamos de 10 anos para limpar a baía”, disse Brian Hauk, supervisor governamental de espécies aquáticas invasoras.
(The New York Times, Ultimo Segundo, 15/07/2008)