O PAC energético investirá 274,8 bilhões de reais em novas usinas geradoras de energia até 2010. O governo brasileiro corre contra o relógio para possibilitar ao país fortes condições de crescimento sem que haja uma crise no setor de energia. Para os médicos Nelson da Cruz Gouveia, da Universidade de São Paulo (USP) e Raquel Maria Rigotto, da Universidade Federal do Ceará (UFC), algumas pessoas tendem a ganhar com estas medidas, mas a saúde da grande maioria da população só tende a perder.
Os dois apresentaram o simpósio “Crise energética: impacto sobre a saúde e o meio ambiente” nesta segunda (14/07). Como o próprio nome diz, o evento visou alertar os participantes quanto ao perigo para nossa saúde trazido pelo consumo desenfreado e cada vez maior de energia. Nem o álcool de cana-de-açúcar e as hidrelétricas, considerados por muitos como fontes limpas de energia, escaparam das críticas dos palestrantes.
Sobre o álcool, falaram-se coisas há muito debatidas, como as conseqüências das queimadas para o sistema respiratório de quem mora próximo às regiões canavieiras. Mas agora, segundo Gouveia, estudos mostram que certas partículas (chamadas de material particulado) expelidas nestas queimadas afetam também o nosso sistema cardiovascular. “Este material particulado ao entrar na corrente sangüínea vai gerar certas reações inflamatórias que podem alterar a viscosidade do sangue, por exemplo. Isso aumenta as chances de entupimento de uma artéria estreita”.
Gouveia trouxe dados da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) que desmistificam a antiga idéia de que carros movidos a álcool emitem menos gases de efeito estufa que os à gasolina. “Isso até foi verdade no início da fabricação destes automóveis em 1980. Mas o surgimento de novas tecnologias, como os catalisadores, fez com que carros à gasolina se tornassem menos poluentes que os a álcool ou os “flex”, que rodam com o combustível.
Já Raquel Maria Rigotto falou sobre os impactos à saúde acarretados pela implantação de uma de uma usina hidrelétrica. Segundo ela, os principais malefícios são:
. O comprometimento da atividade pesqueira, do acesso à água, terras e alimentos, pois prejudica a saúde alimentar e gera desnutrição, mortalidade infantil e outros males.
· A perda da biodiversidade fruto dos alagamentos, já que compromete a alimentação e o preparo de medicamentos caseiros que beneficiariam toda a comunidade.
· A alta demanda por mão-de-obra no período de construção da hidrelétrica que gera uma forte migração demográfica. Este intenso movimento migratório muitas vezes é superior ao limite suportável pelas cidades próximas à hidrelétrica, o que causa problemas sanitários, de doenças endêmicas, DST (doenças sexualmente transmissíveis) e prostituição.
· A introdução de novos padrões culturais advindos dos movimentos migratórios, pois podem gerar aumento do consumo de álcool e drogas ilícitas, assim como da incidência de doenças mentais, sofrimento psíquico e suicídios.
Sobre a cana-de-açúcar, Rigotto traz dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que mostram que o Ministério da Previdência Social do Brasil concedeu 4.834 benefícios trabalhadores do setor sucro-alcoleiro em 2000, devido a complicações de saúde. Em 2005 o número de benefícios saltou para 18.300. A médica da UFC chama isso de externalização do custo. “Empresários exploram seus funcionários rurais até o momento em que eles precisam se afastar do trabalho por motivos de saúde. A partir daí, quem banca os gastos é o SUS”.
A conclusão dos palestrantes é que as sociedades atuais precisam rever urgentemente seus padrões de consumo energético, evitando principalmente o desperdício. Além disso, as políticas públicas do setor energético precisam levar em consideração os impactos das ações sobre a saúde da população.
(Por Luiz Paulo Juttel, Jornal da Unicamp, 15/07/2008)