Se no passado a chaminé de fábrica era o símbolo da poluição, hoje os ícones da poluição são os veículos automotores e as construções. A venda de carros vem batendo recordes – só em abril, 248.945 novos automóveis foram colocados nas ruas brasileiras - mas é a construção civil o segmento da indústria que mais cresceu nos três primeiros meses deste ano no Brasil, com um aumento de 8,8% sobre o mesmo período de 2007, segundo o IBGE.
São os edifícios - em obras ou em operação - os grandes consumidores de energia, água e materiais. Só o funcionamento das edificações consome mais de 40% de toda energia produzida no mundo. Abocanha 50% da produção de energia elétrica , sendo que 40% desse total vêm exclusivamente do uso do ar condicionado, e 20% do total de energia produzida no Brasil.
Além disso, a construção civil gera de 35% a 40% de todo resíduo gerado pelos brasileiros. As obras produzem anualmente perto de 400 kg de entulho por habitante (quase igual ao de lixo urbano), sendo que a maior parte desses restos de tijolos, argamassa acabam em depósitos irregulares. E mais: só a produção de cimento gera 8% a 9% de todo o gás carbônico (CO2) emitido no Brasil. Assim como o cimento, a maioria dos insumos usados pela construção civil é produzida com alto consumo de energia e grande liberação de CO2.
Sustentabilidade
Em tempos de “ecobag” e de muito anúncio de condomínios “verdes”, o consumidor geralmente não indaga quão sustentável é o seu imóvel a médio e longo prazo . Mais raro ainda é considerar o impacto ambiental que a construção da sua casa provocou no planeta. Se o apartamento ou a casa vai gastar uma grande quantidade de recursos naturais para sua manutenção, como será o conforto térmico – muito quente no verão ou muito frio no inverno – ou então de onde veio a madeira das aberturas.
Mas se o mercado por um lado dita que é muito caro adotar medidas para se refletir no longo prazo, há empresários do setor pensando de outra forma. Pode-se ter uma economia de 50% de água, 40% de eletricidade e de 30 a 35% de condomínio, ao se investir de 5 a 8% do valor do imóvel em tecnologias ambientalmente saudáveis, defende Luiz Henrique Ceotto, diretor de Projetos e Construção da Tishman Speyer no Brasil, uma das maiores incorporadoras do mercado imobiliário mundial, proprietária do Rockefeller Center, em Nova York.
Onde é convidado para palestrar, Ceotto explica: “qualquer edifício a ser construído impactará o meio ambiente e provocará um custo ambiental para toda a sociedade, do momento da sua construção até a sua eventual reciclagem”. Para o diretor da primeira construtora a erguer um “greebuilding” no Brasil, “qualquer decisão de engenharia tomada no projeto de um edifício afetará toda a nossa sociedade e por muito tempo”. E explica: ao se adotar materiais menos adequados para o meio ambiente, o custo da obra é mais baixo, mas a manutenção será alta com o passar do tempo. Ou seja, o consumidor , conseqüentemente, a sociedade é quem pagará o preço a longo prazo. O ideal seria incluir, desde a concepção do projeto, a utilização de materiais que tornam uma edificação menos consumidora de recursos naturais, com a possibilidade do reuso da água ou iluminação natural.
Ceotto vem participando de diversos eventos para empresários, tentando catequizar os colegas do segmento sobre as vantagens da oferta de imóveis mais sustentáveis. O engenheiro afirma que se for investido de 1 a 8% a mais no valor do imóvel em tecnologias mais “ecológicas” , pode-se conseguir até 14% a mais no preço final de venda. Esse foi um dos argumentos utilizados por ele no painel “Gestão Sustentável da Construção Civil” da Conferência Internacional Empresas e Responsabilidade Social do Instituto Ethos, realizada no final de maio, em São Paulo.
O viés do debate, coordenado pelo empresário Marcelo Takaoka, presidente do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, foi como induzir a sustentabilidade da construção civil no dia-a-dia e nos grandes investimentos no setor. O evento, que marcou os 10 anos do Ethos, também promoveu a Mostra de Tecnologias Sustentáveis - Social+Ambiental+Econômico. Em destaque, tecnologias brasileiras que podem mudar o conceito de muito arquiteto.
Ceotto destaca: “o Brasil já dispõe de tecnologias para redução do impacto ambiental na construção”. Ele explica que é necessário incluir no projeto formas de reduzir o consumo de materiais desde a produção, de gastar de energia e de emitir substâncias tóxicas, principalmente o CO2. Também argumenta que é preciso intensificar o uso de materiais reciclados, maximizar o uso de recursos renováveis e prolongar a vida útil dos produtos.
Apesar de todo impacto das construções, quem vem tentando mudar um pouco o rumo da história tem enfrentando dificuldades. Um dos empecilhos enfrentados pelos empreendedores “mais conscientes” é a própria legislação dos municípios. Em Porto Alegre, por exemplo, a Secretaria do Meio Ambiente, alterou a lei do licenciamento ambiental em janeiro deste ano, prometendo mais agilidade no trâmite do licenciamento para empreendimentos sustentáveis. Tudo porque no próprio Código de Edificações do Município, não há qualquer forma de incentivo às práticas ambientalmente corretas, com a inclusão da variável ambiental na construção e após o término da obra. O supervisor de meio ambiente da Smam, Maurício Fernandes, defende a mudança do paradigma da visão higienista, que não considera os resíduos gerados nas habitações como algo a ser tratado, e não apenas transportado para locais mais distantes.
“Tantas exigências são previstas, padrões para quase tudo na construção, dimensão da janela, da parede, do banheiro, mas nada sobre questões que agregam sustentabilidade à construção, moradia e um dia de demolição. As regras não visam a iluminação natural e em relação aos materiais utilizados, nada de técnicas alternativas ou reuso”, lamenta Fernandes.
Marcelo Takaoka, engenheiro Civil, diretor da Y. Takaoka Empreendimentos S.A. acredita que o cenário da construção civil pode mudar a partir de programas que envolvam distintos segmentos. Ele cita o caso do programas de uso racional da água e de uso racional de energia. “Programas como esses provocaram a mudanças de normas técnicas e a indústria de materiais teve que se adequar”. Como exemplo, Takaoka cita o caso dos vasos sanitários e torneiras menos consumidores de água.
“A adoção de técnicas não deve ser padronizada”, defende o pesquisador do Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Takaoka entende que é perigoso “queimar etapas” pois pode-se desacreditar todo o processo. Ele lembra que em São Paulo já está se fazendo um cadastro voluntário dos usuários de madeira. “Só depois de um tempo o cadastro será obrigatório”, pondera.
Uso do eco
A banalização do uso do sufixo “eco” é outro problema levantado pelo presidente do CBCS. Para Takaoka, utilizar de forma inadequada os termos sustentável e ecológico podem levar um desgaste conceitual. “Como o conceito de sustentabilidade é abstrato, é preciso abrir o que ele significa”, comenta. “É preciso falar da necessidade de redução de gases que aumentam o efeito estufa, do uso racional de minerais, da capacidade de regeneração da natureza, do consumo racional de energia e água mas principalmente: da importância de se diminuir a informalidade e de se melhorar a qualidade do ambiente dos edifícios”. Takaoka sugere um exercício: pense como será o mundo daqui 30, 40 anos. Como estará o lugar em que você vive? Os combustíveis fósseis continuarão sendo a principal matéria-prima de energia e tantos outros materiais de construção? Muita são as dúvidas, as respostas exatas só o tempo dirá.
(Por Sílvia Franz Marcuzzo, OEco, 14/07/2008)