Nos dias de hoje, com o barril de petróleo na casa dos US$ 140, a busca por fontes alternativas de energia entrou de vez na agenda de governos e países de todo o mundo. Embora essa pauta pareça nova, desde o final da década de 1980, já existe um projeto desenvolvido na Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da USP que pesquisa o aproveitamento de resíduos agrícolas, de reflorestamento e industriais – a chamada biomassa –, para gerar energia de uma forma econômica e ecológica. É o chamado Programa Energia, Biomassa e Materiais (Probem), de autoria do professor Daltro Garcia Pinatti e coordenação em colaboração com a professora Rosa Ana Conte, que desenvolveu, com a parceria de uma indústria do Rio de Janeiro, uma refinaria de biomassa que fosse viável dos pontos de vista ambiental e econômico.
“Há 20 anos atrás, falar em energia de biomassa soava como algo muito ‘futurista’. O máximo que se pensava era em pegar alguns resíduos agrícolas e queimá-los numa caldeira para gerar calor”, lembra a professora Rosa. Curiosamente, foi da indústria petrolífera que veio o principal conceito para o projeto. Da mesma forma que uma refinaria de petróleo é uma estrutura gigantesca que, a partir do óleo bruto, processa inúmeros sub-produtos (gasolina, diesel, querosene, GLP, asfalto), pensou-se em uma refinaria de biomassa que não deveria apenas se destinar à produção de um combustível único, como o etanol, e sim diversificar seu leque de produtos, para que ela se sustentasse economicamente e atraísse investidores. “Tínhamos que fazer com que a energia vinda da biomassa fosse competitiva com a energia vinda dos combustíveis fósseis e, no caso do Brasil, também com a energia hidroelétrica”, explica ela.
Parceria
A professora lembra que, como o assunto não estava na agenda naquela época, houve dificuldades em conseguir financiamento para o projeto, que só saiu do papel porque um grupo empresarial fluminense resolveu apostar na idéia, criando até uma empresa exclusiva para o desenvolvimento dessa tecnologia em Lorena. “Precisávamos de um parceiro para trabalhar numa escala piloto, que não poderia ser uma escala pequena, de pesquisa acadêmica, mas maior, que inicialmente foi de 300 quilos de biomassa seca”, detalha.
Essa união possibilitou a construção de um reator que consegue tratar vários tipos de biomassa. “Esse foi outro problema ser equacionado: a tecnologia a ser desenvolvida deveria contemplar vários tipos de biomassa e não uma para cada tipo, como pode ocorrer em processos enzimáticos, por exemplo. Isso encareceria demais toda a cadeia. A idéia foi desenvolver uma única refinaria, uma matriz onde hoje cerca de 12 tecnologias geram 13 produtos a partir de vários tipos de biomassa”, explica a professora.
Isso foi possível processando-se a biomassa lignocelulósica e a parte orgânica do lixo urbano através da chamada pré-hidrólise ácida. “No processo convencional da hidrólise, todos os componentes da biomassa são transformados em açúcares, com exceção da lignina. Interrompemos esse processo em determinado ponto obtendo dois produtos: um xarope de açúcares C5 e C6 e a celulignina (celulose + lignina). A celulignina já é um combustível nobre”, diz Rosa Ana. Nesse ponto, a celulignina se apresenta em forma de pó e tem utilização semelhante à do gás natural. Já a solução de açúcares (pré-hidrolisado) pode ser transformada em furfural, substância essa que é matéria-prima para a fabricação de inúmeros polímeros, como o nailon.
A contrapartida acadêmica do projeto veio em 1997, quando o reator de biomassa começou a operar. Percebeu-se nesse momento a necessidade da qualificação de uma equipe para conduzir a parte acadêmica do projeto, tendo surgido daí a área de concentração de Materiais Aplicados ao Meio Ambiente dentro do programa de pós-graduação da EEL.
Projeto em expansão
Outra vantagem dessa tecnologia, ressalta Rosa, é que ela pode ser adaptada para as condições específicas de quem está querendo implantá-la, levando em consideração a especificidade da biomassa que está sendo tratada. Prova disso é que ela começa a ser difundida pelo país, com a implementação de uma refinaria de biomassa em Alegrete, no Rio Grande do Sul, usando como matéria prima a casca e a palha de arroz, rejeitos do beneficiamento desse cereal.
“Esse material, que é super problemático para aquela região, sofre a pré-hidrólise e gera a celulignina. Uma parte dela vira combustível para caldeiras. E como esses materiais contém cerca de 20% de sílica, podemos calcinar a outra parte dessa celulignina para recuperar essa matéria-prima, que por sua vez tem uma grande gama de aplicações”, conclui.
(Por Francisco Angelo, Agência USP, 11/07/2008)