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alimentos e produtos orgânicos
2008-07-12

Ela não protestou nua, nem fez greve de fome, nem abraçou árvores, mas conseguiu uma vitória considerável para qualquer ativista ecológico. Para provar a viabilidade da agricultura sustentável e a importância de pensar a alimentação politicamente, a escritora Bárbara Kingsolver e sua família viveram um ano só comendo alimentos orgânicos que produziam na própria fazenda ou trocavam com pequenos agricultores vizinhos.

A experiência hercúlea, narrada sem perder o bom humor, é contada no livro "O Mundo É o que Você Come" (ed. Nova Fronteira), que está sendo lançado no Brasil.

Formados em biologia, a autora e seu marido, Steven L. Hopp, sempre foram ligados ao campo e à natureza. O casal tentava ao máximo levar um estilo de vida natural e saudável com as duas filhas em Tucson, segunda maior cidade do Estado americano do Arizona. Eles moravam em um sítio, cultivavam legumes e passavam as férias na fazenda da família no interior da Virgínia. Mas dois anos de seca na região de clima árido geraram uma piora progressiva na qualidade de vida.

Assim, os antigos planos para uma vida rural ficaram mais atraentes a partir de 2004. "Bebíamos a água que as autoridades garantiam ser potável, mas elas desaconselhavam o uso nos aquários porque matavam os peixes", disse a filha mais velha do casal, Camille, 21, em entrevista por telefone à Folha. A estudante de biologia garante que a mudança foi compartilhada por todos. "Havia o plano de produzir alimentos próprios. Mas o Arizona era um deserto com poucas opções de culturas familiares viáveis."

A fuga do Arizona ensolarado era uma tentativa de alinhar a vida com a cadeia alimentar e abandonar o comportamento de "leitores de rótulos desconfiados". Mas a despedida da antiga vida passou longe do ecologicamente correto. Antes de encarar os cinco dias de carro até a Virgínia, eles pararam para abastecer o tanque de combustível e a bolsa com um pouco de "junk food".

Ao chegar à fazenda, o primeiro desafio foi definir o cardápio de acordo com as estações do ano. No desafio, exceções para óleo, azeite, vinagre e alguns grãos, de produção e processamento improvável naquela região dos EUA. O planejamento e a experiência não evitaram os percalços. A perda das hortaliças com a chegada do frio foi só um dos problemas. "Deu medo de não ter o que comer no dia seguinte", conta a estudante. Criatividade era a solução. "Durante uma semana, a base do cardápio foi abóbora. Teve pão, torta, sopa e cozido. Até a sobremesa era de abóbora", lembra.

Matar os frangos que criaram desde pintinhos também não era fácil. "Conflitos morais eram inevitáveis no início, mas aprendemos a valorizar o consumo consciente e a importância desses animais na nossa alimentação durante o inverno", afirma Camille.

A jovem pretende se especializar em nutrição após concluir o curso de biologia. Se abater os frangos já era difícil, imagine perus de mais de 20 quilos. "Precisávamos estocar tudo o que fosse possível antes do inverno", diz. A família produzia artesanalmente salsichas, lingüiças e mussarela.

Receita possível
Todo o trabalho de subsistência era feito em grupo e as dificuldades deixavam as vitórias maiores. Camille se lembra da festa de aniversário de 50 anos da mãe. "Alimentamos mais de cem pessoas apenas com alimentos da região. O cardápio incluía entrada, prato principal e sobremesa", conta.

Ela e o pai participaram do livro. Cada um tem espaço próprio, onde abordam questões sobre política alimentar e produção orgânica. Camille, que durante o ano na fazenda entrou na universidade, fala sobre as dificuldades de manter seu estilo de vida comendo a comida do campus. Também é a responsável pelas receitas criadas, adaptadas ou testadas pela família no período. Ela garante que é possível alimentar crianças avessas a legumes com cookies de abobrinha.

Barbara escreve que, se o atual padrão de consumo gera desgaste ao ambiente, pequenas mudanças têm grandes resultados. "A comida na prateleira de um mercado americano percorreu uma distância maior do que a maioria das famílias percorre nas férias. Em média, 2.500 km. Se cada americano fizesse uma refeição por semana com alimentos locais, 1,1 milhão de barris de petróleo seriam economizados."

A escritora não economiza críticas ao "american way of life". O discurso político ácido, porém, tem argumentação sólida, baseada em dados sobre a cadeia de produção de alimentos. Guardadas as devidas proporções, as críticas servem aos padrões da maioria das grandes cidades.

Hoje, a fase radical passou. A família vive na fazenda, mas compra boa parte do que consome, desde que seja produzida de forma sustentável, de preferência orgânica. Entrar em contato com a terra, consumir alimentos de procedência conhecida, escolher de acordo com a estação e aproveitar ao máximo os recursos naturais: essa é a receita da família para não agredir o ambiente.

O Mundo É o que Você Come
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 44,90 (480 págs.)

(Folha Online, 11/07/2008)


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