Treze anos após a Shell reconhecer ter causado a contaminação do solo e do lençol freático por agrotóxicos em Paulínia (126 km de SP), órgãos públicos de saúde começaram nesta semana a cadastrar as vítimas do acidente ambiental. Estima-se que ao menos 6.000 pessoas tenham sido expostas direta ou indiretamente à contaminação entre 1977 e 2002. Muitos alegam ter desenvolvido problemas de saúde --como cânceres-- em decorrência desse contato.
Os cadastrados passarão por exames médicos e terão tratamento no SUS (Sistema Único de Saúde). O trabalho é coordenado pela Secretaria Municipal da Saúde, em parceria com os governos federal e estadual. Dezenas de ações judiciais tramitam sobre o caso. Cerca de 180 famílias que moravam em chácaras ao redor da fábrica foram obrigadas a evacuar a área em 2003. Duas dessas famílias vivem até hoje em hotéis pagos pela Shell.
A Shell começou a produzir agrotóxicos em Paulínia em 1977. Em 1994, vendeu a fábrica para a Cyanamid. Em 2000, a Basf comprou a mesma área e o passivo da Cyanamid. A fábrica foi desativada em 2002. Em 1995, a Shell protocolou autodenúncia no Ministério Público reconhecendo a contaminação do solo e do lençol freático por agrotóxicos.
"A cada três meses 20 ex-funcionários [da fábrica] e ex-moradores serão chamados para exames. Um protocolo foi elaborado como diretriz aos médicos e enfermeiros sobre a avaliação e os exames que devem ser feitos", disse Carlos Henn, médico sanitarista e coordenador técnico do trabalho.
Vítimas
O ex-trabalhador da Shell e coordenador da Atesc (Associação dos Trabalhadores Expostos à Substâncias Químicas), Antônio de Marco Rasteiro, 60, classificou a decisão de tratamento pelo SUS como uma vitória que demorou a chegar. "No começo foi difícil convencer os órgãos públicos do problema. Teve demora porque nunca houve uma luta deste porte", disse Rasteiro, que trabalhou por 21 anos na área química da empresa.
"Já passei por oito cirurgias. Operei um câncer de próstata, retirei um nódulo do pulmão, tive perda auditiva e tenho pressão alta", disse. Segundo ele, há pelo mais 350 ex-trabalhadores com problemas de saúde. A Shell informou, em nota, que "a existência de contaminação ambiental não implica necessariamente em exposição à saúde de pessoas".
"Dessa forma não é possível afirmar que ex-trabalhadores e/ou ex-moradores estejam contaminados pelo fato de terem trabalhado ou residido próximos a uma instalação onde foi detectada uma contaminação em área restrita", diz a nota.
(Por MAURÍCIO SIMIONATO, Folha Online, 11/07/2008)