A Veracel, fabricante de celulose que tem como sócias a Aracruz e a Stora Enso foi multada pelo Ministério Público Federal em R$ 20 milhões, condenada a retirar toda sua floresta de eucaliptos espalhados em uma área de 96 mil hectares nas cidades baianas de Santa Cruz Cabrália, Belmonte, Eunápolis e Porto Seguro e a replantar nesse local, remanescente de Mata Atlântica, a vegetação nativa.
A decisão do MPF de Eunápolis, cidade no sul da Bahia próxima da região onde estão a fábrica e as florestas, atinge o coração da Veracel. Sem a floresta, não há como produzir 1,1 milhão de toneladas de celulose esperados para este ano. Muito menos levar adiante o projeto de duplicação da produção, que, segundo afirmou em entrevista recente ao Valor o diretor financeiro da Aracruz, Isac Zagury, poderá ficar pronto no final de 2011. A expansão faz parte do projeto da Aracruz de elevar sua produção de 3,2 milhões para 7 milhões de toneladas/ano em 2015.
O início do projeto depende hoje, segundo Zagury, de estudos de impacto ambiental e o licenciamento. A sentença publicada pelo MPF em 17 de junho poderá complicar esses procedimentos. Por enquanto, porém, a Veracel apresentou um embargo de declaração à Justiça Federal, o que, na prática, suspende os efeitos da sentença do MPF. Além da multa de R$ 20 milhões, a empresa foi condenada a pagar R$ 10 mil a cada dia de descumprimento da decisão do órgão.
O procurador da República, Anderson Vagner Góis, explicou ao Valor que a condenação expedida neste ano diz respeito a uma ação civil pública iniciada em 1993 pelo MPF a partir de denúncias de organizações não-governamentais, como o Greenpeace e a SOS Mata Atlântica.
Essa ação acusava a Veracruz Florestal, nome da Veracel na época, de desmatar uma área de 64 hectares de mata atlântica. Posteriormente, outra ação dizia que a empresa havia desmatado mais 247 hectares. O MPF obteve uma liminar na Justiça que determinou a imediata paralisação de qualquer atividade da Veracruz no sul da Bahia. O Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) entendeu, porém, na época, que a vegetação desmatada não precisava ser preservada, pois não estava em estado de regeneração e autorizou o plantio de eucaliptos. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou a liminar, o que permitiu a atuação da Veracel nos últimos 15 anos.
Segundo o procurador, o Ibama, no primeiro momento, encampou a avaliação do Cepram, órgão responsável pela concessão de licenças no Estado e saiu de cena. Posteriormente, contudo, o Ibama teria avaliado a área como de preservação da Mata Atlântica, mas nada fez a respeito. "O Cepram é um órgão viciado e leniente e, devido a esse fato, quem deveria ter conduzido o licenciamento era o Ibama", explica o procurador.
O MPF entende que o Ibama se omitiu nesse processo e diz também que não houve a exigência do Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). A Justiça declarou nulas as resoluções do Cepram que autorizaram a monocultura e determinou que, a partir de agora, o Ibama conduza o processo de licenciamento do empreendimento e exija um EIA/Rima da Veracel.
Ao Valor, o presidente da Veracel, Antônio Alípio, disse que foram apresentados dois EIA/Rima: um para a licença de localização e plantio de 47 mil hectares e, mais tarde, outra que permitiu a ampliação da área para 96 mil hectares - um pouco menor do que, por exemplo, a cidade do Rio de Janeiro. O Ministério entende que, por conta da concessão irregular de licenças, a área inicial de 64 hectares chegou aos atuais 96 mil, o que justifica a retirada da floresta e o plantio de mata nativa.
Mário Mantovani, diretor da SOS Mata Atlântica, que acompanha de perto o desmatamento e o plantio de eucaliptos no sul da Bahia, acredita que a condenação é justa, pois houve o problema em 1993, mas é exagerada ao tratar de toda a floresta atual da Veracel. "Há coisas que foram erradas, mas há áreas que foram desmatadas regularmente", afirma. Atualmente, a Veracel tem uma área protegida de 104 mil hectares. "Para cada hectare com eucalipto, temos um hectare de mata preservada", explica Alípio. A Veracel recorrerá da decisão.
(Por Raquel Salgado, Valor Online, 11/07/2008)