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cerrado crédito agrícola desmatamento
2008-07-11

Ainda ministra, Marina Silva, no início de 2008, determinou que não mais fosse concedido créditos àqueles produtores que desmatam florestas. Passados alguns meses, com a renúncia de Marina, Carlos Minc assumiu o cargo e logo revisou tal decisão. Resultado: permitiu que, numa área equivalente ao tamanho do Acre, localizada no Cerrado brasileiro, os produtores pudessem seguir desmatando florestas e com crédito concedido pelo Estado. Considerado dono de um bioma de segunda ou terceira linha em comparação à Amazônia, o Cerrado está perdendo anualmente 1,1% da sua vegetação e já perdeu 800 mil km2 no total.

A IHU On-Line conversou sobre este assunto, por e-mail, com a professora Jeanine Felfili. Para ela, com atitudes desse tipo já perdemos mais de 12 mil espécies do patrimônio genético do Cerrado. “Devemos proteger as áreas baixas da Amazônia, mas a autorização da destruição das áreas altas onde as águas se infiltram e abastecem o lençol freático e as nascentes é uma contradição”, disse Jeanine.

Jeanine Felfili é engenheira florestal pela Universidade Federal de Mato Grosso com especialização em Planejamento de Áreas Silvestres pela Catie Costa Rica. É mestre em Ciências Florestais, pela Universidade Federal de Viçosa, e doutora em Ecologia Florestal, pela University of Oxford. Atualmente, é professora da Universidade de Brasília. Escreveu Bioma cerrado - Vegetação e solos da chapada dos veadeiros (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007) e Análise multivariada em estudos de vegetação (Brasília DF: Comunicações Técnicas Florestais, 2007), entre outras obras.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as características mais importantes do Cerrado – com relação a seu clima, solo, vegetação, fauna etc. – para a biodiversidade brasileira?
Certamente, é o clima estacional com duas estações distintas, de chuvas e secas, o que condiciona a existência da vegetação de savana (Cerrado) com uma camada graminosa contínua e uma camada arbórea esparsa. Sua vegetação, na maior parte, é de savana, condicionada por clima e solo. Mas onde atuam fatores compensatórios ocorrem florestas. As florestas de galeria ao longo dos cursos de água contêm espécies de floresta tropical úmida, e as florestas estacionais, ou matas secas, nas áreas de solos ricos, em afloramentos calcáreos, contêm espécies de caatinga. Esse mosaico de vegetação torna o Cerrado um elo por sua posição no centro da América do Sul entre as formações secas (Caatinga, Chaco) e úmidas (floresta Amazônica, Atlântica).

IHU On-Line – O Cerrado é considerado um tipo único de savana no mundo, caracterizada como a mais rica do mundo em biodiversidade. Qual é a sua influência e sua importância dentro do ecossistema mundial?
Grande parte das espécies de Cerrado é endêmica à América do Sul, especialmente ao Brasil e, pelo grau de ameaça, é considerada um hot spot da biodiversidade mundial. Ou seja, é um patrimônio genético de 12 mil ou mais espécies que está sendo perdido.

IHU On-Line – Sendo a segunda maior formação vegetal brasileira depois da Amazônia, como se dá a inter-relação entre os ecossistemas da Amazônia e do Cerrado? Em que se diferenciam e em que se complementam?
Na Amazônia, há manchas de Cerrado, as savanas amazônicas. E no Cerrado há matas de galeria ao longo dos cursos de água que contém espécies e gêneros amazônicos e que funcionam como refúgios e corredores ecológicos ligando as várias formações úmidas (Amazônia, Atlântica, Bacia do Paraná). As florestas estacionais da borda amazônica se repetem em áreas de solo fértil do Cerrado.

IHU On-Line – O Cerrado passou por imensas transformações nas últimas décadas, em razão da caça, do povoamento, da atividade garimpeira e da mineração, da agricultura e da pecuária extensivas. E menos de 2% de sua área está protegida em parques ou reservas. Quais são as chances de ele seguir existindo?
Poucas, pois as unidades de conservação estão ilhadas e as políticas públicas induzem ao uso agro-pecuário e energético do Cerrado.

IHU On-Line – Em março deste ano, a ministra Marina Silva assinou a portaria 96/2008, que determinava que órgãos públicos interrompessem a concessão de créditos agrícolas aos produtores que desmatam a floresta. Porém, logo após renúncia da ministra, o novo ministro, Carlos Minc, revisou a decisão e passou a permitir que, em uma área equivalente ao Estado do Acre (cerca de 155 mil quilômetros quadrados entre 96 dos 527 municípios onde fora registrado forte desmatamento, localizados em MG, MA e TO), considerada área de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, produtores possam seguir derrubando árvores da floresta, tendo suas atividades financiadas pelo Estado. Qual a sua avaliação dessa postura e que conseqüências isso poderá trazer?
Isso vai intensificar o desmatamento do Cerrado e induzir ao maior desrespeito às leis ambientais, pois para o Cerrado a averbação de reserva legal e a proteção das Áreas de Preservação Permanente (APP) não são requisitos para a obtenção de crédito, assistência técnica etc. Ou seja, não é preciso estar adimplente ambientalmente para receber recursos de fontes oficiais se a propriedade estiver no Cerrado. Nascentes de grandes rios amazônicos que estão no Cerrado serão prejudicadas, assim como o balanço climático. Devemos proteger as áreas baixas da Amazônia, mas a autorização da destruição das áreas altas, onde as águas se infiltram e abastecem o lençol freático e as nascentes, é uma contradição.

IHU On-Line – Como a senhora vê o projeto de desenvolvimento nacional que promove a produção de biocombustíveis, principalmente o etanol produzido da cana-de-açúcar? O agronegócio e o Cerrado podem alcançar uma combinação que seja ambientalmente sustentável?
Acredito que sem a exigência da inclusão das leis ambientais (APP e Reserva Legal) na matriz de planejamento da propriedade agrícola não será possível conciliar agronegócio com proteção de recursos hídricos, biodiversidade e com o uso tradicional de produtos do Cerrado. Não será possível também sem créditos, assistência técnica e incentivos para o extrativismo e manejo sustentável no Cerrado e sem a criação de grandes unidades de conservação bem distribuídas pelo território e manejadas.

IHU On-Line – O Cerrado não está entre os biomas brasileiros protegidos pela Constituição. Quais seriam os resultados práticos que, uma vez aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 115/95, que eleva à categoria de patrimônios nacionais o Cerrado e a Caatinga, pode alcançar?
Um maior respeito pela biodiversidade e pela função de proteção de recursos hídricos por parte de agentes governamentais ao formular políticas e maiores possibilidade de obtenção de recursos para conservação e pesquisa.
 
IHU On-Line – Qual é a situação das atuais unidades de conservação do Cerrado, sejam elas federais, estaduais ou municipais? Até que ponto sua atuação vem colaborando para a preservação desse ecossistema? Como deveria ser a sua atuação?
A maioria das unidades de conservação (UCs) não conta com um plano de manejo com aplicação efetiva, nem com dotação de recursos financeiros e humanos necessários para sua gestão. A academia vem colaborando com estudos para determinação de áreas prioritárias, com estudos que dão base para a criação de UCs, formando pessoal. Mas o poder executivo deveria dotá-las de condições para proteger efetivamente a biodiversidade e recursos hídricos e para o envolvimento das comunidades do entorno.

IHU On-Line – Diante desse cenário, quais são os papéis que as comunidades do Cerrado e a academia devem exercer?
Deveriam assumir o papel de cidadãos, colocando as questões ambientais como prioritárias para o país.

(IHU, 10/07/2008)


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