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passivos da mineração reflorestamento cvrd
2008-07-11

Há duas semanas, na sexta, dia 27 de junho, teve início um projeto que pretende alterar a cara da mineração brasileira. A mudança não ocorrerá no modelo de produção , mas sim após o esgotamento das minas. Em evento realizado na antiga mina de Córrego do Meio, em Sabará (MG), a Vale lançou oficialmente o Centro de Pesquisas e Conservação da Biodiversidade do Quadrilátero Ferrífero. No mesmo local em que, durante 65 anos, a empresa explorou os recursos naturais do solo mineiro, será erguido um espaço para multiplicar sementes de espécies nativas da região a fim de recuperar áreas degradadas no estado. Exemplos como esse, entretanto, continuam raros no país.

Como o nome do novo centro já diz, ele não será usado apenas como viveiro de espécies nativas da Mata Atlântica e Cerrado. Previsto para ficar pronto em 2012, o local também terá um núcleo de pesquisa, aulas de educação ambiental e um museu da mineração, totalmente formado por estruturas usadas na época em que a jazida estava em pleno funcionamento.

A reportagem de O Eco acompanhou a cerimônia de inauguração do Centro de Pesquisas. Os convidados puderam caminhar pelas antigas vias da mina, criada em 1940 e que extraiu o minério de ferro até 2005. O cenário impressiona, seja pela enorme estrutura industrial ou pelo extenso trabalho que os membros da empresa terão pela frente se quiserem transformar em realidade o que foi prometido no papel.

“Queremos que o centro dure mais tempo do que os 65 anos usados pela mineração”, disse Silmar Silva, diretor de Ferrosos da Vale. A satisfação, em princípio, parece fazer sentido: com apenas seis meses de construção, o lugar já reúne o maior banco de espécies de Campos Rupestres Ferruginosos no Brasil, com cerca de 50 mil exemplares divididos em meia centena de tipos diferentes. Inicialmente, o centro terá capacidade para gerar um milhão de mudas por ano, mas esse número pode ser triplicado ao longo do tempo.

A produção será usada para reflorestar as áreas afetadas por jazidas da própria empresa. Em um segundo momento, espera-se que o excedente seja encaminhado para o Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG) destinar a trechos do estado com déficit na cobertura vegetal. O convênio entre o órgão público e a iniciativa privada foi assinado em abril, durante o II Combio – Congresso Mineiro de Biodiversidade. “Queremos recompor a cobertura vegetal do estado, e esse centro vai ajudar muito, pois poderemos levar mudas para as nossas ações”, disse Geraldo Fausto, vice-diretor do IEF.

É lei
Outro político que ficou entusiasmado com o plano foi Ilmar Bastos Santos, subsecretário de Gestão Ambiental Integrada da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais. “Este projeto é importante para provar que a sustentabilidade deve existir não apenas no momento da mineração, como também depois. E não somente onde ela foi implantada”, defendeu. Segundo ele, o quadrilátero ferrífero mineiro tem alta biodiversidade – e grande potencial de exploração, o que explica o elevado número de minas na região. Por isso, assegura, apresentar propostas que vão além da simples revegetação são muito válidas.

Apesar do pioneirismo no Brasil, a proposta da Vale não é um ato de bondade súbita. O próprio Bastos Santos é o primeiro a lembrar que, nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de jazidas, as empresas interessadas devem incluir um planejamento de recuperação ecológica da área afetada com início imediato após o fim da atividade econômica. Criar um centro de Biodiversidade é, de fato, um acréscimo na obrigação. Mas não custa lembrar que o ciclo da mineração tende a ficar cada vez menor em virtude da demanda mundial por commodities liderada pela China. Isso resultará em esgotamentos frequentes de jazidas; inclusive da Vale.

Com investimento previsto de 12 milhões de reais, o centro ficará situado dentro da área de 660 hectares mantida pela Vale em Sabará desde o início da década de 40. “Deste total, cerca de 15% foram usados para a mineração. Nós mantivemos o restante intacto”, afirma Silmar Silva. Por enquanto, ainda não existem parcerias firmadas com universidades, mas esta é uma das propostas, explica Ana Flávia Rodrigues, bióloga coordenadora do projeto. “Esperamos abrir para visitação já no próximo ano”, completa.

A Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte também participa do projeto. No decorrer dos próximos dois anos, animais em situação de risco encontrados nas jazidas mineiras da Vale serão enviados para o corpo técnico do FZB-BH, que ficará responsável pelo tratamento e futura reintrodução na natureza. Além disso, duas fêmeas da espécie Gorilla gorilla gorilla, que hoje estão na Inglaterra, serão transferidas para o zoológico da capital mineira. Elas farão companhia para a atração do lugar, o único macho da espécie criticamente ameaçada de extinção que vive na América do Sul. “A expectativa é iniciar um processo de reprodução desses animais”, avisa Evandro Xavier, presidente da instituição.

Bons exemplos
Apesar do Centro ser a primeira força-tarefa deste porte realizada no Brasil, há outros exemplos de como devolver o espaço usado pelas minas com o mínimo de impacto para a população. É o caso, por exemplo, do Parque Municipal das Mangabeiras, a maior área protegida de Belo Horizonte. Durante cerca de vinte anos, o local forneceu as bases para a pavimentação de rodovias da capital, fruto da exploração da extinta Ferrobel, controlada pela prefeitura da cidade. “Mas, apesar da mina ter fechado em 1979, um decreto de treze anos antes já dizia que, após o fim da mineração, o local viraria um parque. Foi o que aconteceu em 1982”, diz Rogério Siqueira, diretor do Mangabeiras.

Com projeto do famoso paisagista Burle Marx, a unidade de conservação tem 235 hectares com vegetação nativa de Cerrado, Mata Atlântica e Campos de Altitude. O acesso é gratuito, o que contribui para o alto número de visitas: cerca de mil pessoas por dia, em média. De acordo com Siqueira, a atração do parque fica por conta das vastas fauna e flora espalhadas pelos seus domínios. “Vinte e cinco por cento da avifauna mineira passa ou vive aqui, além de 27 mamíferos, 20 espécies de répteis e 19 de anfíbios. Temos também uma espécie ameaçada de extinção: o Tamanduá-mirim”, afirma.

Durante a época da mineração, 60% do total da área foram usados pelas máquinas e tratores, mas o reflorestamento com mudas originais já está feito. O único terreno onde hoje se vê o dedo do homem é aquele que foi usado pela disposição central da Ferrobel. Ali foi erguida a infra-estrutura física do parque, como a sede, as quadras de esporte e os espaços destinados para projetos científicos e acadêmicos, que acontecem em número expressivo.

Aliás, a própria Vale tem um outro programa interessante que ocorre na antiga jazida de Águas Claras, também em território mineiro. Dos cerca de dois mil hectares de propriedade da empresa, 900 foram transformados em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural. Em 200 hectares de aterro, que antes serviam para os topos de pilhas de estéreis, será erguido um projeto misto, que contará com residências, comércio, universidade, museu, cinemas e shopping. “No restante da área, os remanescentes continuam preservados porque são vales e topos de morros. E vão permanecer assim”, avisa Michel Abras, coordenador do projeto há nove anos.

Serra do Navio
Vale lembrar que, por lei, a área ocupada pela mineração volta a ser de domínio público após o final da atividade. Mas, apesar de tantas oportunidades e da obrigação de recuperar os terrenos, a maioria das empresas brasileiras ainda os abandonam sem qualquer trabalho posterior. Um dos casos mais graves, até hoje, foi a renúncia da firma Indústria e Comércio de Minérios (Icomi) em reabilitar a parcela do município de Serra do Navio, no Amapá, de onde se extraía manganês.

Em 1953, a empresa firmou um contrato com o governo estadual para explorar o metal durante 50 anos. A reserva, no entanto, se esgotou antes do prazo estabelecido e os funcionários foram embora sem qualquer cuidado ambiental. A vila, que se tornou cidade apenas em 1992, era limpa e organizada. Atualmente, a população precisa conviver com a contaminação do lençol freático e dos igarapés em virtude do contato com o arsênio, oriundo dos rejeitos de manganês.

O desmatamento provocou problemas para a fauna local – a Serra do Navio é o único lugar do país onde vive o beija-flor brilho de fogo, espécie rara e ameaçada. Porém, além disso, também trouxe algumas doenças, como a leschimaniose. A explicação é simples: os insetos transmissores, que costumavam viver nos topos das árvores, desciam quando as mesmas eram derrubadas. Antes de morrerem por causa da incidência direta dos raios solares, picavam os seres humanos e cães ao redor.

“Há grandes problemas, sem dúvida. Mas projetos como o da Vale dão esperança para que o governo crie alternativas e outras empresas sigam o exemplo. Teremos aqui uma pequena Arca de Noé da flora”, disse Ilmar Bastos Santos na inauguração do centro de biodiversidade em Sabará. Se ao menos 10% de sua esperança com o plano vingar, talvez seja possível crer na solução de crimes ambientais como o de Amapá.

(Por Felipe Lobo, OEco, 11/07/2008)


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