Escolas e lojas estão fechadas, estradas foram bloqueadas por meio de pedras e de pedaços de madeira. Vários departamentos do Peru enfrentaram problemas, na terça-feira (8) por conta da greve que deveria durar 48 horas. Esta foi organizada pelos principais sindicatos de agricultores e por diversos grupos regionais dos Andes e da Amazônia.
As reivindicações são numerosas e variadas, dependendo das regiões envolvidas, mas todos os promotores do movimento condenam uma série de decretos que o governo do presidente Alan Garcia acaba de promulgar. Um dos alvos principais da cólera dos manifestantes é o decreto-lei 1015, que, entre outros, modifica a lei sobre os investimentos privados nas comunidades indígenas.
"Nós exigimos a sua abrogação, assim como a supressão do decreto 1073, que o modifica, uma vez que eles comprometem gravemente os direitos das comunidades camponesas, pois eles constituem uma tentativa de privatizar os territórios indígenas", insiste o presidente da Confederação Nacional Agrária (CNA), Antolin Huascar Flores. Segundo ele, este decreto ameaça a própria organização das comunidades, questionando e derrubando o conceito de propriedade coletiva.
"A propriedade privada não existe em nossas aldeias, a terra pertence ao conjunto da comunidade", testemunha Antolin Huascar, que é originário da região de Cusco. De fato, até então, para que uma companhia pudesse adquirir uma parcela de terra pertencendo a uma comunidade dos Andes ou da Amazônia, ela precisava conseguir obter a aprovação dos dois terços dos aldeões. No final de maio, o decreto 1015 reduziu esta proporção para 50% dos membros da aldeia (mais um voto), com o objetivo de "promover e facilitar os investimentos privados nestas terras comunais", segundo esclareceu o "Diário Oficial".
"Vende-se"
"Esta medida foi criada para favorecer as companhias estrangeiras", explica, irritadíssimo, Antolin Huascar, que prevê um aumento do número dos conflitos nas comunidades, as quais já estão divididas diante das explorações das empresas de mineração: "As pressões sobre os aldeões irão aumentar mais ainda, enquanto o fato de haver muito dinheiro em jogo poderá favorecer o surgimento de novos problemas de corrupção".
Segundo Handersson Casafranca, um advogado especializado no direito das comunidades indígenas¸ este decreto não apenas contraria frontalmente a Constituição peruana, pois ele pode comprometer a autonomia e a identidade cultural dos povos indígenas, como ele também infringe a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa aos povos indígenas, além da declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos índios, que enfatiza a necessidade de se consultar as comunidades a respeito das leis que poderiam prejudicá-las.
"Nós apresentamos uma queixa perante o Tribunal Constitucional", acrescenta o advogado. Este, indignado, lembra que, "já faz muito tempo, o Estado peruano considera que a propriedade comunal contribui para o atraso do país e que a propriedade privada vai ajudar no seu desenvolvimento".
Assim, num artigo publicado no diário "El Comercio" em outubro de 2007, o presidente Alan Garcia havia avaliado que "existem verdadeiras comunidades de camponeses, mas, há também comunidades artificiais que, no papel, são proprietárias de 200 mil hectares, dos quais elas não cultivam mais do que 10 mil hectares, o restante permanecendo uma propriedade dormente".
O líder da oposição, Ollanta Humala, critica a vontade do governo de "proporcionar todas as facilidades para o capital transnacional, de modo que este possa se apoderar das matérias-primas peruanas". "Para Alan Garcia, valorizar o patrimônio do Peru equivale a colocar na entrada a placa 'vende-se'", denuncia o dirigente do Partido nacionalista, que está apoiando a greve geral anunciada na quarta-feira (9) pela Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru.
Denunciando os aumentos dos preços e a política econômica liberal que tem sido conduzida pelo presidente, muitos são os setores da sociedade que reclamam uma melhor redistribuição das riquezas, no momento em que o Peru registrou, entre maio de 2007 e abril de 2008, uma taxa de crescimento de 9,6%.
(Por Chrystelle Barbier, Le Monde, UOL, 10/07/2008)