Duas organizações não governamentais da Extremadura espanhola, que se opõem ao projecto de construção de uma refinaria de petróleo na província de Badajoz, na bacia do Guadiana, enviaram na semana passada representantes a Lisboa para pedir ajuda aos ambientalistas portugueses no sentido de travar aquele projecto, que consideram ambientalmente muito prejudicial.
Miguel Manzaneda, da Plataforma Cidadã Refinaria Não, disse mesmo que acha mais provável que o projecto seja travado pela parte portuguesa do que em Espanha, onde é apoiado pela Junta da Extremadura (o governo regional) e pelo primeiro-ministro espanhol, José Luís Zapatero. A antiga ministra do Ambiente, Cristina Narbona, opunha-se a esta refinaria mas entretanto deixou o Governo.
Aquele ambientalista disse ao PÚBLICO que os efeitos da refinaria na bacia do Guadiana, a 50 km em linha recta da fronteira, “serão muito graves”, porque “a refinação do petróleo exige lavar o produto inicial para lhe retirar os sais misturados com o carburante bruto”. Isso não está garantido da parte do promotor do projecto, o grupo industrial do empresário Alfonso Gallardo, receando-se que as águas residuais “tenham uma enorme quantidade de sais e outros contaminantes” que prejudicarão a qualidade da água do Guadiana, “já bastante afectada pelos problemas de seca e de não cumprimento de caudais mínimos”, sendo difícil cumprir a convenção de Albufeira, que os regula.
A qualidade da água do Guadiana que chega a Elvas está já, aliás, na “classe E, que significa extremamente poluída”, realçou João Claro, do Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens (Fapas), que participou na conversa do PÚBLICO com os representantes das duas organizações espanholas. A actual qualidade da água já não permite aliás uso lúdico nem rega.
Por seu lado, Francisco Bozzano, economista assessor da Associação para a Defesa da Natureza e dos Recursos da Extremadura (Adenex), explicou que o sal nas águas residuais da refinaria contribuiria para a degradação dos solos na região afectada. Vários autarcas alentejanos temem também o efeito da instalação sobre a qualidade da água da albufeira de Alqueva e do ar na região (ver PÚBLICO de 23 de Maio).
Estes dois responsáveis estiveram em Lisboa na semana passada porque o projecto está em consulta pública em Espanha e consideram ser agora a “altura de a cidadania apresentar as suas queixas e a sua oposição ao projecto”, segundo Miguel Manzaneda. Queixou-se também de que o processo de consulta em Espanha, que termina dentro de dias, “foi muito irregular”.
Segundo disse, teve um “período de consulta mínimo de 30 dias”, quando tem uma grande dimensão, e não houve acesso fácil à documentação. “Os documentos base do projecto estão guardados em três ou quatro serviços espanhóis e não estão disponíveis em formato informático”, sem que haja uma “acessibilidade fácil à informação”. Para Manzaneda, “isto significa que há uma decisão política prévia de aprovar o projecto”. E diz que “é muito importante que o Governo português participe no processo de decisão” e “exponha as suas queixas e os prejuízos que podem surgir” devido à sua concretização.
Para Francisco Bozzano, em Portugal “há uma sensibilidade e uma participação neste processo que não aconteceu no estado Espanhol”, e por isso vieram apoiar o que os ambientalistas portugueses estão a fazer no sentido de obter informação sobre o processo. Entretanto, na passada sexta-feira a Plataforma Cidadã Refinaria Não entregou na Junta da Extremadura cerca de 20 mil alegações contra o projecto, acompanhadas de 55 mil assinaturas recolhidas na zona em apoio da sua posição, que os activistas dizem ser uma “primeira entrega”.
Consulta em curso é independente da portuguesa
No início do ano, Portugal pediu a Espanha para ser notificado na fase de consulta pública do projecto da Refinaria Balboa, o nome dado pelo Grupo Alfonso Gallardo à sua iniciativa destinada à zona extremenha de Terra de Barros, a zona agrícola mais rica daquela província espanhola, confirmou ao PÚBLICO o director-geral da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), António Gonçalves Henriques.
A consulta de Espanha a Portugal é obrigatória pela legislação comunitária e a APA, que conduz o processo pela parte nacional, aguarda que lhe seja remetido de Espanha o estudo de impacte ambiental do projecto para que se abra uma consulta pública em Portugal, explicou Gonçalves Henriques.
Processualmente, “temos de ser notificados por Espanha para se iniciar a consulta nacional, e têm de nos ser concedidos um mínimo de 30 dias úteis para nos pronunciarmos”. Além disso, as autoridades espanholas “não podem licenciar a obra” sem terem o resultado da consulta pública em Portugal, disse o mesmo responsável.
Assim, o processo de consulta que decorre em Espanha, anunciado no Diário Oficial da Extremadura a 4 de Junho com o prazo de 30 dias úteis, “é irrelevante para nós em termos processuais”, disse ainda Gonçalves Henriques. Numa fase preliminar de definição do âmbito do estudo de impacte ambiental, a APA já manifestara as suas preocupações, relativas a aspectos como os parâmetros de qualidade do ar e da água do Guadiana, incluindo salinidade e temperatura.
(Por Paulo Miguel Madeira, Ecosfera, 10/07/2008)