Entre 7 de julho e 30 de setembro de 2007, a vegetação rasteira típica do Ártico queimou sem intervalo por uma área de mais de mil quilômetros quadrados, quase o equivalente à da cidade do Rio de Janeiro. As chamas só cessaram com a chegada das temperaturas mais amenas do outono e depois do inverno, que manteve tudo sob o gelo até maio de 2008. A partir de então, cientistas chegaram ao local com uma missão: descobrir como o ecossistema se comporta quando queima e também desvendar se eventos como esse podem ser mais freqüentes no futuro.
O incêndio foi o maior do ano de 2007 no Alasca e o maior já registrado na tundra, a vegetação local, em todos os tempos. A região é praticamente intocada. Há apenas uma estrada, que liga o pólo petrolífero de Prudhoe Bay à cidade de Fairbanks, a 800 quilômetros de distância, e uma tubulação que leva petróleo do norte ao sul do estado americano. Por isso, os cientistas estão bastante convencidos de que o fogo não começou pela mão humana e sim por um raio que teria caído no local.
Apesar das chamas não terem sido provocadas por pessoas, o seu surgimento causou preocupação. Primeiro, porque 2007 foi um ano especialmente seco e quente no Ártico. Segundo, porque os especialistas que freqüentam a região acreditam que as tempestades com raios, antes uma raridade, estão cada vez mais comuns na área. Eles acreditam que o incêndio pode ser o primeiro sinal de uma mudança que pode afetar gravemente o clima ártico.
Mas cientistas estão acostumados a fazer limonada com os limões que a vida joga em seu colo. A tragédia do incêndio, que devastou quilômetros de vegetação intocada e possivelmente matou vida animal ameaçada de extinção, se transformou em oportunidade de estudos. Por isso, um grupo do Laboratório de Biologia Marinha de Woods Hole, no estado americano de Washington, destacado para a Estação de Pesquisas de Toolik Lake, no Alasca, foi até a região queimada e começou a estudar.
O grupo do laboratório instalou, anteriormente, torres de monitoramento em diversas áreas de tundra para estudar as trocas de carbono e vapor d’água na vegetação. Agora, eles instalaram o mesmo equipamento em duas partes: uma área extremamente afetada pelo fogo e outra menos queimada, que teve partes salvas pela proximidade de áreas úmidas. A idéia é descobrir como a vegetação vai se comportar em comparação com a tundra intocada.
A expectativa é que muita coisa vai mudar. “O fogo queimou tudo. Com certeza, muito carbono foi liberado aqui e queremos saber o quanto”, explicou ao G1 o pesquisador Christopher Neill, que estuda o efeito da queima de florestas tanto no Ártico como na Amazônia brasileira. “Além disso, é só olhar para ver a diferença. Toda essa área era coberta por vegetação rasteira e clara. Agora está tudo negro. Cores escuras absorvem mais calor, então esperamos que toda essa área esteja mais quente. Isso pode nos mostrar como esse tipo de vegetação opera quando as coisas esquentam”, disse ele.
Adrian Rocha, que também trabalha em Woods Hole, explica que a temperatura ali é cerca de dois ou três graus mais quente do que o normal. “Mais energia do sol está aquecendo o solo”, disse ele. Os dados revelam que 97% da luz que chega ali é absorvida. Em condições normais, a tundra costuma refletir 18% de volta para o espaço.
Uma das principais preocupações é que o fogo somado ao aumento das temperaturas absorvidas pelo solo derretam o gelo subterrâneo da área – conhecido como "permafrost" e rico em carbono. E isso provavelmente já está ocorrendo, segundo Rocha. Estudos mostraram que a profundidade do permafrost ali é de 45 cm – normalmente é de cerca de 20 cm.
Com isso, dois problemas podem dar as caras. O primeiro é mais liberação de gás do efeito estufa na atmosfera. O segundo é a desestabilização do solo ártico, chamada de termocarste, uma “implosão” que abre um buraco na terra e libera uma série de nutrientes nos cursos de água. “Os termocarstes são uma enorme preocupação,” diz Neill.
As torres intaladas pela equipe são capazes de calcular quanto carbono está sendo liberado e absorvido por um pedaço de vegetação em qualquer momento desejado. Outro equipamento, instalado em um dos lagos na região do fogo, analisa quantos nutrientes e minerais acabaram na água por causa da queima do solo.
Depois do incêndio e do inverno, no entanto, a vida começa a ressurgir na área queimada. Pequenos tufos verdes surgem no topo de exemplares da espécie Eriophorum vaginatum, bastante comum por aqui.
“É como se você tivesse feito uma bola de papel de jornal molhado e jogado no fogo. Ela queima, mas por dentro não queima tão bem,” explicou Neill. Dentro da planta, ele acredita que alguns brotos sobreviveram e agora voltam a surgir. “É algo realmente impressionante, a resistência delas,” afirmou.
“Está pesquisa é bastante recente”, disse Rocha. “Só alguns poucos estudos analisaram os efeitos do fogo na tundra. E na verdade, a única coisa remotamente parecida com o que estamos fazendo durou muito pouco tempo e foi em uma escala muito pequena”, explicou. O objetivo do grupo é manter esse estudo a longo prazo.
(Por Marília Juste, G1, AmbienteBrasil, 10/07/2008)