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bioprospecção
2008-07-10

A excelência acadêmica, expressa na produção de artigos científicos, teses e dissertações, não é incompatível com a inovação, traduzida em patentes. Essa é a lição deixada pelos resultados do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de acordo com sua fundadora, Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Unesp e presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).

“Em 2008, o NuBBE tem 15 mestrados, 12 doutorados e seis pós-doutorados em andamento, sendo que todos os alunos são bolsistas. Ao mesmo tempo, o núcleo tem seis pedidos de patentes, dos quais dois são de titularidade exclusiva da Unesp”, disse durante o 3º Workshop Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade de Plantas de Cerrado e Mata Atlântica: Diversidade Química e Prospecção de Bioprodutos, realizado nos dias 7 e 8 em Araraquara, interior de São Paulo.

O evento comemorou os dez anos de atividades do NuBBE, que corresponde a um dos Projetos Temáticos do Programa Biota-FAPESP. Segundo a professora, o núcleo recebeu até hoje mais de R$ 1,5 milhão de empresas parceiras e R$ 11,6 milhões de agências de fomento, a maior parte proveniente da FAPESP.

“O principal desafio é continuar estudando produtos naturais – de modo racional, sustentável – e formar recursos humanos, mantendo um compromisso com o futuro econômico e social do país. Queremos também expandir nossa pequena extratoteca, que reúne cerca de 2,8 mil produtos, o que exigirá automação e equipamentos”, disse Vanderlan.

Harmonizar a capacidade de publicar artigos, fazer teses relevantes e cuidar da propriedade intelectual é exatamente um dos principais desafios atuais da universidade, segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.

“É importante cuidar da propriedade intelectual, mas as patentes acadêmicas não podem ser o centro da vida na universidade, que foi criada, antes de mais nada, para promover o avanço do conhecimento e a formação de recursos humanos. Não podemos perder isso de vista, nem adotar uma estratégia na qual a universidade vá fazer o papel da indústria e vice-versa”, afirmou.

Segundo Brito Cruz, é preciso também rejeitar a idéia de que só a pesquisa com aplicação a curto prazo merece ser financiada com recursos públicos. “Isso é uma maneira utilitarista de ver a ciência. Restringir os financiamentos à pesquisa que será determinada por sua utilidade é algo que, a longo prazo, tende a matar a própria capacidade de inovar. O que se deve exigir não são aplicações, mas boa ciência”, disse.

De moléculas a produtos

Eliezer Barreiro, professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos principais especialistas em produtos naturais no Brasil, destacou que a interdisciplinaridade presente no NuBBE reflete as necessidades da química medicinal e de produtos naturais, que exigem o trabalho em equipe unindo químicos, botânicos e farmacologistas.

“O trabalho dessas disciplinas se relaciona à compreensão dos arranjos moleculares que permitem domesticar as moléculas de interesse. A natureza oferece uma infinidade de padrões moleculares nos quais precisamos nos inspirar, recortando em sua arquitetura os modelos que contemplam as propriedades que se deseja. Isso só se faz com a interdisciplinaridade que marcou os grandes saltos científicos da humanidade”, salientou.

Para Manoel Odorico de Moraes Filho, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), o NuBBE faz parte de uma mudança de paradigma na química. Se antes os pesquisadores extraíam substâncias, estudavam e publicavam seus achados em revistas especializadas, hoje se interessam também por transformar as moléculas em produto final.

“Se a descoberta da penicilina tivesse parado no trabalho de Alexander Fleming, hoje poucos de nós estariam vivos. Só dez anos depois da publicação de Fleming a penicilina começou a ser estudada do ponto de vista pré-clínico, para se tornar um produto final. Uma década é um período curto para uma mudança de paradigma, mas é o que estamos vendo na história de dez anos do NuBBE”, afirmou.

A capacidade de cooperação foi apontada por Carlos Alfredo Joly, professor do Departamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como um dos pontos fortes do NuBBE, que foi um dos primeiros projetos a serem aprovados no âmbito do Programa Biota-FAPESP.

“A convicção de que não se faz ciência sozinho é um ponto comum entre o núcleo e o Biota, que precisa estimular a interação de pesquisadores de diferentes áreas”, disse Joly.

Segundo ele, embora tenha enfrentado resistências contra a química de produtos naturais na época de sua fundação, hoje o NuBBE tem pleno reconhecimento da comunidade científica. Um dos fatores que contribui para isso é o sucesso do Bioprospecta, um subprograma do Biota, que, segundo ele, começou a ser articulado em 1999 por Vanderlan Bolzani.

“Quando lançamos o Bioprospecta estimávamos que receberíamos de 20 a 25 propostas de projetos. Mas recebemos mais de 60 logo na primeira fase, o que mostra que havia uma demanda da comunidade científica. Essa capacidade de colocar produtos no mercado foi gerada utilizando facilidades em comum, intercambiando alunos, equipamentos e conhecimento”, disse,

Para Paulo Cezar Vieira, do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAr), o grande domínio popular da área de química de produtos naturais – que se manifesta no conhecimento tradicional de substâncias – contribuiu para um descrédito em sua seriedade científica.

O NuBBE, segundo ele, vai na direção oposta, oferecendo um estudo realmente sistematizado sobre os produtos naturais que, na visão de Vieira, continuam desempenhando papel preponderante na descoberta de fármacos.

“A química de produtos naturais voltou com força total. Hoje há 30 mil doenças clinicamente descritas e menos de 10 mil podem ser tratadas sintomaticamente. A descobertas de novas substâncias químicas, para uso como agente terapêutico e como aplicação agrícola, é urgentemente necessária”, afirmou.

(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 10/07/2008)


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