Licitação vai definir concessão de área para exploração pela iniciativa privadaA Floresta Nacional (Flona) Saracá-Taquera, no Estado do Pará, será a segunda do País destinada à concessão florestal em terras públicas. A primeira foi a Flona do Jamari, em Rondônia, no ano passado. Estabelecida em 2006, pela Lei de Gestão de Florestas Públicas, essa forma de gestão permite que empresas explorem produtos e serviços em unidades de manejo. Para isso, devem pagar e se comprometer a cumprir determinados critérios, principalmente relativos aos direitos das populações locais. Somente empresas brasileiras, com sede no País, podem participar. A expectativa é que as vencedoras já comecem a operar até julho de 2009.
O Serviço Florestal Brasileiro (SFB) lançou, no último dia 3, o pré-edital de licitação desse segundo lote de concessão florestal. Desta vez, a área a ser licitada, a Flona Saracá-Taquera, está nos municípios de Faro, Oriximiná e Terra Santa, noroeste paraense, entre os rios Trombetas e Nhamundá. O lote abrange quatro unidades de manejo florestal com total de 215 mil hectares.
A população dos municípios, assim como os setores ligados à área, poderão se manifestar sobre os critérios que vão definir a melhor proposta de concessão florestal, durante as audiências e consultadas públicas que começam no próximo dia 14. As reuniões técnicas para apresentar e debater o conteúdo do pré-edital com representantes da sociedade civil, órgãos governamentais e especialistas ligados à área ambiental, empresarial e trabalhista começam em Porto Trombetas, no dia 14, no dia seguinte, em Santarém, e no dia 17, em Belém. Ao todo, serão três audiência públicas (dia 15, em Terra Santa; dia 16, em Faro; e dia 18, em Oriximiná). Na ocasião, as populações vizinhas à Flona Saracá-Taquera vão poder conhecer o texto da minuta do edital e se manifestar sobre seu conteúdo.
Para o prefeito de Oriximiná, Argemiro Diniz, a expectativa é que a concessão possa trazer benefícios para os moradores, apesar da posição contrária da criação da Flona. 'Ela foi criada sem consulta prévia à população, apenas para beneficiar a exploração por parte de uma mineradora. Por isso, queremos saber agora como vão ficar as cerca 2,5 mil famílias que vivem dentro dessa reserva, já que não houve uma consulta prévia para saber se há interesse por parte delas, que já habitam essa área há mais de cem anos', pontuou.
Ele questionou, ainda, o fato dos moradores serem impedidos de utilizar a madeira existente na área onde habitam. 'Essa foi uma medida (a criação da Flona) que feriu o direito das populações que estão nessa área há muitos anos, inclusive de comunidades quilombolas. Acostumadas a retirar madeira até mesmo para a construção e reforma de moradia, passaram a ficar impedidos de fazer isso, porque logo aparece o Ibama e a Polícia Federal', disse.
Diniz disse também que vai cobrar explicações sobre o fato de várias áreas urbanas estarem dentro da Flona. 'Não é o caso de Oriximiná, mas isso ocorre em outros municípios', informou. O prefeito ressaltou que pretende saber o que será feito com a população que vive nas margens do lago Sapucuá, após a concessão.
SetorA Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei 11.284/2006) garante às populações locais o direito de explorar produtos que tradicionalmente já eram explorados pelas comunidades do entorno. Ao ganhador da concessão cabe garantir o acesso da população à área para que essa continue exercendo suas atividades. Em contrapartida, as comunidades devem seguir as regras de acesso à área, em especial aquelas relacionadas à segurança do trabalhador. No contrato de concessão são especificados os produtos de uso da comunidade local que são excluídos da lista de produtos que o concessionário pode explorar ou que têm restrições especiais de uso.
No caso da Flona Saracá-Taquera, o palmito, o fruto do açaí e a castanha do Pará são de uso exclusivo das populações locais e concessionário não poderá explorá-los. Já o óleo de copaíba, semente e óleo de Andiroba, resina de breu, cipó titica e látex da seringueira só poderão ser exploradas pelo concessionário mediante prévia autorização do Serviço Florestal Brasileiro que avaliará a compatibilidade do uso comercial com o uso tradicional da comunidade.
As unidades de manejo da Flona Saracá-Taquera foram dividas da seguinte forma: uma unidade de manejo pequena com 19,7 mil hectares, duas médias uma de 25,5 mil hectares e outra de 33,4 mil hectares e uma maior de 137 mil hectares. As áreas onde estão as comunidades locais, assim como as terras indígenas, são excluídas dos lotes de concessão.
Para o diretor executivo da Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará (Aimex), Justiniano Neto, o potencial florestal da Flona Saracá-Taquera é imenso e abre perspectivas de investimentos a longo prazo. 'É uma área que permite exploração não só do setor madeireiro, mas outros serviços, como os empreendimentos voltados para o ecoturismo, além de ser bem maior do que a Flona do Jamari, em Rondônia, abrindo caminho para experiências novas', disse.
O diretor executivo acredita que a concessão florestal em áreas públicas no Pará marca a mudança no modelo de produção no setor madeireiro e não madeireiro. 'Isso viabiliza novos investimentos a exemplo de um modelo que já existe em outros países como o Canadá, e que transmite segurança', afirma.
Ideflor cria cadastro estadual de florestas públicas para evitar grilagem
O Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará (Ideflor) oficializou, ontem, a criação do Cadastro Estadual de Florestas Públicas. Nele, constarão as terras e recursos florestais que poderão ser utilizados. A medida é apontada como o primeiro passo para tornar possível a licitação das áreas públicas para exploração por empresas.
A Instrução Normativa 004/2008, do Ideflor, publicada na edição de ontem do Diário Oficial do Estado (DOE), estabelece a composição e as etapas do cadastro estadual. No primeiro estágio, as áreas serão identificadas. Depois, serão delimitadas e, por fim, demarcadas.
As florestas a serem cadastradas são as declaradas públicas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa) ou as que já compõem unidades de conservação. Segundo o coordenador do Laboratório de Sensoriamento Remoto do Ideflor, Pedro Bernardo Neto, o Iterpa já declarou públicos cerca de quatro milhões de hectares. Ele disse que, dessa área, o Ideflor já concluiu a identificação de cerca de um milhão de hectares através de imagens de sensoriamento remoto de média e alta resolução. Ainda faltam a confirmação e o detalhamento das informações através das visitas a campo.
A estimativa é que a identificação dos quatro milhões de hectares seja concluída até o final deste ano. No total, o Pará tem cerca de 15 milhões de hectares de florestas estaduais, sendo que 11,4 milhões são unidades de conservação para proteção integral ou exploração sustentável.
Pelas contas do Ideflor, cerca de dez milhões de hectares de áreas públicas do Pará são passíveis de concessão. Após constarem no cadastro estadual e terem definidas as melhores formas de exploração, elas poderão ser exploradas por empresas, mediante pagamento ao governo, que se mantém dono das terras.
O engenheiro agrônomo e pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Adalberto Veríssimo, afirma que o cadastro é bom, importante e necessário porque é o primeiro passo para se conhecer e controlar o patrimônio florestal. 'Antes, estava no limbo', disse ele que aposta na medida, prevista pela Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006, como instrumento para inibir a grilagem e, ainda, gerar arrecadação para o poder público a partir da licitação para o empresariado.
Além dos ganhos financeiros, ele observou que se ganha com o monitoramento público das áreas, mesmo as concedidas temporariamente ao empresariado. Para ele, é improvável que um empresário queira se expor ao descumprir regras cuja aplicação poderá ser acompanhada publicamente. Veríssimo acrescenta, ainda, que é provável que a licitação separe os bons dos maus empreendimentos e que o controle esperado com o cadastro retire as áreas devolutas da mira de grileiros.
Funai não protege as terras indígenas, aponta auditoria do TCUA falta de aparelhamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) para proteger terras indígenas em seis Estados, dentre eles o Pará, foi comprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em auditoria feita mês passado para detectar a invasão crescente dessas propriedades pelo País. Segundo o relatório, a Funai não dispõe dos instrumentos necessários para guardar as terras indígenas e muito menos de informações sistematizadas sobre elas.
A fundação também não cumpre, segundo o TCU, uma de suas principais missões, a de coordenar as políticas de proteção dos índios no Brasil. Os auditores visitaram administrações executivas regionais da Funai em Manaus (AM), Cuiabá (MT), Imperatriz (MA), Rondônia (RO), Boa Vista (RR), Rio Branco (AC) e Marabá, no sudeste do Pará, para acompanhar a fiscalização territorial nas terras indígenas.
Segundo o ministro relator do processo, Augusto Sherman, com a auditoria foi possível analisar, por meio de entrevistas, pesquisas, consultas de dados e verificações de sistemas, se as ações e a articulação do órgão têm favorecido a proteção das comunidades. Como foi reprovada, a Funai deverá apresentar, num prazo máximo de 60 dias, um plano de ação baseado nas recomendações do tribunal para melhorar o monitoramento e a vigilância das terras.
O planejamento deverá ser elaborado em conjunto com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Polícia Federal e as administrações executivas regionais da Funai. O TCU também recomendou ao Ministério da Justiça que adote providências para regulamentar o poder de polícia à Funai, com a criação de uma categoria específica.
O ministério deverá dar prioridade à reestruturação do órgão, pois a estrutura atual, aponta o relatório, 'dificulta a execução e organização das ações'. Outra sugestão é que a Casa Civil da Presidência da República adote medidas para criar uma instância multisetorial de coordenação das políticas públicas nas comunidades indígenas - a articulação tem levado à invasão cada vez maior de terras.
Para Augusto Sherman, é preciso desenvolver mecanismos de coordenação entre as políticas de proteção dos povos e autorizações para o ingresso de agentes nas terras indígenas. 'A sistemática de autorização precisa ser aperfeiçoada para proporcionar efetiva proteção. É necessário definir maior participação e responsabilidade das unidades regionais e fortalecer as ações de acompanhamento', observou.
A auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) teve como objetivo avaliar o ingresso de pesquisadores, organizações não-governamentais (ONGs) e missões religiosas em comunidades indígenas brasileiras. A falta de articulação entre os órgãos oficiais tem comprometido a vigilância das terras, concluiu o documento.
(O Liberal,
Amazonia.org.br, 09/07/2008)