A crise econômica global mal mostrou as garras. Há evidentes sinais de enfraquecimento da atividade e analistas consideram que o pior ainda está por vir. Por enquanto, “a crise ainda afeta mais pesadamente Wall Street”, diz um trecho de um relatório do Credit Suisse Hedging-Griffo. O mundo real nem de longe sofreu todo o efeito das tensões geradas nos Estados Unidos. Em junho, a Bolsa de Nova York teve o pior mês desde setembro de 2002: o índice Dow Jones despencou 10,19%.
O setor americano mais exposto, por ora, é o automotivo. As vendas das três principais montadoras – Ford, General Motors e Toyota- caíram 18% em junho. O destaque foi a redução de 54% da compra dos utilitários, os gigantes beberrões de gasolina. Para pôr mais lenha na fogueira, o banco Merrill Lynch previu que a GM pode pedir concordata, o que fez com que as ações da empresa recuassem ao menor nível em 50 anos.
Mas o maior risco são os esqueletos ainda por saltar dos armários das instituições financeiras, que cedo ou tarde baterão com mais consistência às portas do mercado de trabalho e do consumo global. Continua uma ciranda perversa no sistema financeiro, que derruba os pregões dia sim, dia não. Como o roto falando do rasgado, grandes instituições financeiras divulgam relatórios rebaixando a recomendação de compra de ações das concorrentes. Lehman Brothers, JPMorgan Chase e Citigroup sofreram perdas pesadas em junho, em função dos alertas negativos.
O problema aterrissou no Brasil na sexta 27. Segundo CartaCapital apurou, o quarto maior banco americano, Wachovia, comunicou em videoconferência no hotel Transamérica, em São Paulo, que encerrou suas atividades no País, em função das perdas havidas nos EUA. O escritório Pinheiro Neto deve cuidar das demissões e alguns profissionais podem ser aproveitados no Uruguai, em Nova York ou em Miami. Contatada pela reportagem, a assessoria de imprensa do banco não se manifestou.
O mundo político se movimenta. O senador democrata Joe Lieberman propôs uma série de medidas que visam coibir a especulação com o petróleo nos mercados futuros. Ele quer ver longe dos pregões os fundos de pensão e os hedge funds. O candidato à Presidência Barack Obama engordou as trincheiras, ao prometer maior controle e transparência das operações financeiras com a commodity, que tem lesado o bolso do consumidor/eleitor americano.
Além da questão cambial – o dólar vem sendo posto em xeque como moeda reserva do mundo -, a economista da Unicamp, Maryse Farhi, cita outro gatilho que faz a cotação do petróleo disparar. O ano é de eleições nos Estados Unidos e nada impede que George W. Bush ataque o Irã, tendo como ponta de lança Israel, o que resultaria em um estrangulamento de oferta. A Agência Internacional de Energia (AIE) estimou, na terça 1, que a demanda global por produtos petrolíferos aumentará em média 1,6% ao ano até 2013, passando de 86,9 milhões de barris por dia em 2008 para 94,1 milhões de barris diários.
De acordo com o economista Peter Cohan, da consultoria Peter S. Cohan Associates, essa é a chave da crise. Em função do descaso das autoridades, foi quebrada uma regra de ouro no mercado: o mecanismo de formação de preços, com base na oferta e na demanda. Ele sugere dois caminhos para o restabelecimento da confiança: que os especuladores paguem pelo risco que correm e que haja maior transparência nos instrumentos financeiros, monstrengos que foram ignorados pelos auditores e agências de classificação de riscos. Se há uma conclusão a ser tirada é a de que o atual ciclo de derrapagem econômica está longe do fim.
Na batida da semana
A semana é de Bem Bernanke, presidente do Federal Reserve. Na terça 8, ele faz um discurso. Na quinta 10, dá um testemunho no Congresso americano. Como o olho do furacão da crise está lá, aconselhável prestar atenção.
Nesse meio tempo, será divulgada uma saraivada de dados relevantes. Sempre sobre os EUA. Na terça 8, saem informações sobre as vendas dos imóveis, os estoques no atacado e a quantas anda o crédito ao consumidor. Tudo referente a maio. Na quinta 9, feriado em São Paulo, grande parte dos bancos funcionará em plantão interno. Porque serão conhecidos os estoques de petróleo e derivados ainda na terra do Tio Sam.
Para quem tem medo do dragão da inflação, prato cheio na sexta 11. A Fipe divulga a primeira prévia do mês do IPC e a FGV e o equivalente do IGP-M. Ambos vão subir em relação ao mesmo período de junho.
(Por Márcia Pinheiro, CartaCapital, 08/07/2008)