"CONTINUAMOS a promover o desenvolvimento de mercados abertos e eficientes para a agricultura e os alimentos." Sem um pouco de cinismo não se faz política, muito menos diplomacia, mas os líderes do G8 (as sete nações mais ricas e a Rússia) exageraram a dose no comunicado do grupo acerca de segurança alimentar, a propósito de sua reunião de cúpula, encerrada ontem no Japão.
O que as nações ricas continuam a promover, por meio de subsídios e barreiras a importações, é uma distorção brutal no mercado mundial de alimentos. O mundo desenvolvido -União Européia, Estados Unidos, Japão- despeja US$ 1 bilhão por dia para proteger sua agricultura, em geral ineficiente, da concorrência internacional.
Esse mecanismo inibe o investimento na produção agrícola no mundo em desenvolvimento, onde as terras e a mão-de-obra são mais baratas. Ceifa, portanto, oportunidades de incrementar a produção global de alimentos e, ao mesmo tempo, a renda nas regiões pobres do planeta.
Os subsídios e as barreiras a importações permitiram que EUA e países europeus insistissem em produzir biocombustíveis ineficientes como o feito do milho. Essa política acabou por diminuir a oferta de alguns alimentos, o que ajudou a empurrar o preço da comida para cima.
A resposta mais racional para a atual crise alimentar, embora só renda frutos em médio prazo, seria uma redução generalizada e substancial da ajuda dos países ricos a seus agricultores. Esse passo, associado ao compromisso de investir em produtividade agrícola no mundo em desenvolvimento, daria mais segurança à oferta global de comida e proporcionaria uma fonte de emprego permanente a nações miseráveis, que hoje dependem de esmola internacional.
O comunicado do G8 também fala em concluir com "urgência" a chamada Rodada Doha de liberalização do comércio agrícola. Que esta não seja apenas mais uma manifestação de cinismo.
(
Editorial Folha, 09/07/2008)