Pela primeira vez desde 1973 o mundo enfrenta o duplo impacto de preços recordes em termos históricos de alimentos e combustíveis, que ameaçam arrastar à pobreza extrema mais de cem milhões de pessoas, revertendo os avanços realizados nos últimos sete anos para reduzir a indigência, adverte presidente do Banco Mundial.
TOYAKO, Japão – Um acordo-chave para assegurar a segurança alimentar será mais que um provável resultado da cúpula do Grupo dos Oito países mais poderosos do mundo, que delibera na ilha japonesa de Hokkaido até esta quarta-feira. A iniciativa é considerada à luz de um duro pronunciamento do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, que exortou os países ricos a reformar suas políticas sobre biocombustíveis e a produzir mais alimentos para os milhões que sofrem fome no mundo. Zoellick culpou por parte do incessante aumento no preço dos alimentos os biocombustíveis, particularmente aos produzidos nos Estados Unidos e na União Européia a partir de milho e óleo de colza.
O presidente do Banco Mundial também cobrou que os países ricos reduzam os subsídios e tarifas alfandegárias que beneficiam e protegem os cultivos destinados a esse uso, “que tiram a comida da mesa de milhões de pessoas”. O acordo sobre alimentos em discussão dentro do G-8, integrado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Japão, Itália e Rússia, refletirá a interligação entre o encarecimento dos produtos agrícolas e da energia e a mudança climática, disseram participantes da cúpula.
O modelo se basearia na Agência Internacional de Energia (IEA), criada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) na crise dos preços do petróleo de 1973 e 1974, e cujo mandato inicial foi coordenar medidas para responder a uma emergência. A instituição estaria ligada ao Banco Mundial, acrescentaram as fontes, ou passaria a formar parte da iniciativa proposta por Zoellick em abril de criar um “new deal” (novo acordo) para o desenho de uma política alimentar de alcance planetário.
O termo se baseia na denominação que o ex-presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) escolheu para caracterizar o programa de resgate da economia de seu país, afundado pela depressão de 1929. “Estamos entrando em uma zona de perigo”, escreveu Zoellick no dia 1º de julho em uma carta ao primeiro-ministro do Japão e anfitrião da cúpula do G-8, Yasuo Fukuda. Nela, alerta que a crise se agravou desde abril, quando lançou sua proposta de “New Deal” alimentar.
Pela primeira vez desde 1973 o mundo enfrenta o duplo impacto de preços recordes em termos históricos de alimentos e combustíveis, que ameaçam arrastar à pobreza extrema mais de cem milhões de pessoas, revertendo os avanços realizados nos últimos sete anos para reduzir a indigência, disse Zoellick. O presidente do Banco Mundial ressaltou que cerca de 41 países registraram uma queda em seus produtos brutos internos de 3% a 10% devido ao encarecimento dos alimentos, combustíveis e outras matérias-primas. Pelo menos 30 nações foram cenário de distúrbios devido ao fenômeno, acrescentou.
No mês passado, uma agência especializada da Organização das Nações Unidas, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), disse que os preços dos alimentos básicos aumentaram rapidamente nos últimos três anos. Apenas no primeiro trimestre de 2008 os preços do trigo e do milho aumentaram 130% e 30%, respectivamente, a respeito de 2007. No caso do arroz, as moderadas altas em 2006 e um pouco mais acentuadas em 2007 foram seguidas por um aumento de 10% em fevereiro deste ano e outros 10% adicional em março, segundo esse informe.
“A ameaça à segurança alimentar nos países em desenvolvimento cresceram a passos de gigante. Uma ação coordenada da comunidade internacional, e da ONU em particular, é essencial”, acrescenta o estudo do Fida. Seu presidente, Lennart Bagé, disse que “responder eficazmente a esses aumentos deve ser a máxima prioridade da comunidade internacional, sobretudo quando seu impacto se combina com os efeitos previstos da mudança climática”. A resposta imediata do Fida foi tornar disponíveis US$ 200 milhões para estimular a produçao agrícola nos países em desenvolvimento, diante dos aumentos de preços e o baixo nível de reservas mundiais de alimentos.
Mas, ao mesmo tempo, o organismo continua pressionando para conseguir urgentes investimentos de longo prazo em agricultura, que incluem o acesso à terra, água e à tecnologia, aos serviços financeiros e aos mercados, acrescentou Bagé. Isto permitiria que 450 milhões de pequenos agricultores em países em desenvolvimento incremente sua oferta de alimentos, com maior produtividade, incrementando assim sua renda e sua capacidade para resistir e acomodar-se à crise. O imperativo de encontrar novas respostas foi enfatizado pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), Jacques Diouf.
A quantidade de pessoas que sofrem fome no mundo aumentou cerca de 50% em 2007 devido ao encarecimento dos alimentos, disse Diouf diante do Parlamento Europeu no dia 3. Os países pobres sentem o impacto da inflação dos alimentos e da energia, acrescentou. “Nenhuma instituição por si só poderá resolver a crise. Os doadores, órgãos internacionais, governos das nações em desenvolvimento, sociedade civil e o setor privado têm um papel importante a jogar na luta mundial contra a fome”, acrescentou Diouf.
O “New Deal” proposto por Zoellick prevê responder a crise alimentar através de redes de segurança social, um incremento da produçao agrícola e a redução das barreiras tarifárias ao comércio. Para isso conta com o apoio da direção política e dos técnicos do Banco Mundial. A possibilidade de um acordo a respeito na cúpula do G-8 foi destacada pelo principal jornal japonês, o Asahi Shimbun. A idéia é acumular reservas de grãos para enfrentar em melhores condições futuras crises alimentares, afirmou.
Segundo esta proposta, cada Estado-membro do G-8 deverá fazer uma reserva de uma quantidade especifica de grãos, para lançá-la no mercado quando necessário, a fim de estabilizar os preços mediante um esforço coordenado. Atualmente, entre os membros do grupo, apenas Alemanha e Japão têm excedentes armazenados. Os integrantes do G-8, segundo o jornal, formarão um conselho de especialistas para discutir os detalhes do plano, que incluem as cotas para cada país participante, um sistema de manejo de reservas e a adoção de canais através dos quais seriam colocados esses grãos no mercado.
Mas há dúvidas sobre a efetividade do mecanismo para estabilizar os preços. Muitos fatores os empurraram à alta e criaram descontentamento em muitos países. As restrições à exportação, aplicadas por várias nações, contribuem com a inflação ao reduzir o volume da oferta. Segundo Asahi Shimbun, o documento do G-8 diria que esses controles deveriam se basear sobre regras rígidas. Também expressaria preocupação pela irrupção em massa de fundos especulativos em preços futuro de matérias-primas, que fomentam a tendência de alta.
O jornal diz, sem citar fontes, que o texto diria que os mercados devem ser abertos e eficientes. Além disso, pediria um enfoque equilibrado em matéria de biocombustíveis, que não coloque em risco a segurança alimentar. O governo japonês, que tenta promover na cúpula o uso intensivo de biocombustíveis, anunciou seu pacote de contramedidas para enfrentar a crise alimentar: fundos de até US$ 1,1 bilhão, que incluem US$ 50 milhões em ajuda de emergência, adicionais e a já realizada promessa de US$ 200 milhões a esse conceito.
A chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, disse que o G-8 tomará medidas para combater a disparada de preços dos alimentos. Merkel informou ao jornal alemão Der Tagesspiegel am Sonntag que estas medidas apontariam “oferecer alivio de curto prazo à crise alimentar e uma estrategia de longo prazo para aumentar a produçao agrícola mundial”.
(Por Ramesh Jaura - IPS, Carta Maior, 08/07/2008)