Com aproximadamente dez quilômetros de extensão, passando pelos bairros Parque São Pedro, Parque Marinha e Jardim do Sol, o Arroio Vieira é um dos últimos mananciais de água doce próximos à zona urbana do Rio Grande. É um arroio típico da planície costeira sul do Rio Grande do Sul, que nasce na região dos cordões litorâneos, atravessa a região urbana do Município e deságua em uma enseada estuarina rasa - o Saco da Mangueira -, o qual deságua no Oceano Atlântico e tem grande importância como berçário para diversas espécies da pesca comercial do Município. Deveria atuar como um corredor ecológico, cortando a zona urbana e ligando os banhados na região de sua nascente ao Saco da Mangueira e contribuindo para a Lagoa Verde em período de cheia. No entanto, foi desviado de seu curso e retilinizado (canalizado) por volta da década de 80.
Desde então, passou a receber efluente tratado e “in natura” da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) Parque Marinha, além de esgotos fluviais contaminados. Nos dois quilômetros que passam pelos três bairros, sofre ainda outros vários impactos ambientais, como colocação de lixo e construções irregulares em suas margens, a degradação de sua mata ciliar e ausência de fiscalização e gestão da Área de Preservação Permanente (APP) ao longo do corpo hídrico, com o descumprimento visível de várias leis ambientais. Suas águas estão contaminadas e a região de entorno bastante degradada.
Preocupado com essa situação, o oceanólogo Ronaldo Costa desenvolveu um projeto para salvar o Arroio Vieira e possibilitar seus reais benefícios ao meio ambiente e à comunidade. Trata-se de um projeto de renaturalização do arroio e implantação de um parque linear público, de 16 a 20 hectares, ao longo de dois quilômetros do corpo hídrico.
Conforme o oceanólogo, apesar de estar canalizado, ainda é possível identificar que o antigo leito do Arroio Vieira está preservado com suas curvas nos campos próximos à valeta atual, sendo sua água desviada para o canal retilinizado. As condições atuais contrariam a Política Nacional de Recursos Hídricos, que prevê usos múltiplos para a água, proporcionando ambientes de lazer, recreação, contemplação e o simples contato da comunidade com a água. Costa lembra que a contaminação da água pode acarretar sérios riscos à saúde pública, devendo por isso ser coibida. “Devido a esse estado de abandono, o Arroio Vieira é desconhecido por muitos dos moradores do Município, mas passa ao longo de três bairros que, juntos, têm mais de 25 mil moradores, os quais seriam imediatamente beneficiados pela recuperação desse importante recurso natural”, destaca.
Renaturalização
O denominado “Projeto Pró-Vieira” é uma proposta de recuperação da qualidade hídrica do arroio e ambiental dos ecossistemas do seu entorno. O objetivo é proporcionar o retorno da flora e da fauna associadas a esses ecossistemas e de usos humanos compatíveis com a preservação do ambiente natural. Consiste em uma proposta socioambiental, com usos sustentáveis. Prevê ainda reconduzir o arroio ao seu leito natural, com a recuperação da mata ciliar e ambientes nativos de forma a propiciar a criação de nichos ecológicos variados para ocupação pela diversa fauna da região. E também liberar os bloqueios feitos com aterros, provavelmente para passagem de pedestres, substituindo-os por pequenas pontes de madeira. Costa diz que a renaturalização de corpos hídricos degradados vem sendo implementada em vários países, como Alemanha e Japão, e tornou-se política pública no município de São Paulo.
Parque
O Parque do Arroio Vieira proposto pelo oceanólogo é nos moldes de parques e praças existentes nas grandes cidades do Brasil e do mundo: com estacionamentos; quadras de esportes; pracinhas infantis; trilhas para caminhadas e corridas; mirantes para contemplação do ecossistema; um teatro ao ar livre e espaço para exposições e palestras, com banheiros públicos. A idéia é possibilitar à comunidade atividades socioculturais aliadas à preservação ambiental. No Plano Diretor do Rio Grande, a região do arroio e seu entorno está classificada como Área Funcional de Preservação Ambiental. E isso exige regime urbanístico especial, que possibilite a proteção do patrimônio ambiental. O projeto foi elaborado por Ronaldo Costa no curso de Pós-graduação em Gestão Ambiental, na Universidade Federal do Rio Grande. Depois, foi apresentado ao Executivo Municipal e submetido à avaliação do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Condema), que o aprovou e criou uma Câmara Técnica visando à sua implementação.
Também tem o apoio do Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental (Nema), que atua na Área de Preservação Ambiental da Lagoa Verde. O secretário municipal do Meio Ambiente, Norton Gianuca, e o prefeito Janir Branco gostaram da proposta. Segundo Gianuca, é intenção do Executivo Municipal implementá-lo e estão sendo feitas tentativas preliminares de conseguir os recursos necessários para desapropriar a área. Por ser uma área particular, é sugerida sua compra direta pelo poder público, de forma a desonerar o proprietário do imenso passivo ambiental existente no local.
Pulmão verde
“Esse projeto será muito importante para aquela região. Será mais um pulmão verde naquela área, a interagir com outros já existentes. Com o desenvolvimento que ocorre no Município, a região da RS-734 continuará crescendo e a tendência é sua ocupação. Tudo o que pudermos garantir de áreas verdes é importante”, salientou o secretário. Ronaldo Costa observa que a medida pode ser executada com verbas de compensação ambiental dos inúmeros projetos em instalação no Município e de outras fontes públicas e privadas. “As próprias empresas podem se interessar, considerando o grande potencial de lazer para seus funcionários e que pode servir como alternativa de lazer à praia do Cassino”, salienta o oceanólogo. Na sua opinião, a implantação desse projeto é uma maneira de preparar Rio Grande para ser a grande cidade que pretende ser no futuro, garantindo o desenvolvimento sustentável daquela região.
(Por Carmem Ziebell, Jornal Agora, 09/07/2008)