A história parece praticamente inacreditável. No sábado, 5 de julho, os ministros da energia dos 27 Estados-membros, reunidos num conselho informal em Saint-Cloud (região oeste de Paris), "descobriram" que o projeto de diretriz sobre as energias renováveis que havia sido proposto pela Comissão Européia não comportava nenhuma obrigação precisa em relação a uma eventual utilização dos biocombustíveis. Este texto prevê que, globalmente, 20% dos recursos energéticos consumidos na União deverão ser provenientes de fontes renováveis, como a energia eólica, a biomassa e o hidrogênio, até 2020. Este é um dos pilares do pacote do "clima" que os 27 membros ambicionam adotar até o final deste ano.
Foi [o ministro francês] Jean-Louis Borloo que, com o semblante satisfeitíssimo, relatou "a descoberta", por ocasião da conferência final do conselho. Esta releitura do texto elaborado em Bruxelas poderá permitir que os governos encontrem mais facilmente do que previsto respostas para um debate que está se tornando sempre mais polêmico, em relação ao impacto dos biocombustíveis. Após terem sido alçados ao grau mais elevado como alternativa promissora às energias fósseis, os biocombustíveis, a respeito dos quais estudos revelaram que as qualidades nos planos energético e ambiental não eram tão benéficas assim, vêm sendo objetos, nos últimos meses, de críticas crescentes. O seu desenvolvimento na Europa e nos Estados Unidos é considerado em parte como responsável pela explosão dos preços dos gêneros alimentícios, os quais provocaram motins da fome em vários países. Um relatório do Banco Mundial apontou que eles estão na origem de 75% dos aumentos dos preços que foram observados entre 2002 e 2008.
"O texto da Comissão [Européia] propõe que 10% dos combustíveis utilizados pelos transportes sejam oriundos de energias renováveis, ele não fala em biocombustíveis. Estes constituem uma possibilidade entre outras, nada mais", explicou o ministro francês da ecologia. Em outras palavras, todos os envolvidos não teriam lido o projeto com a devida atenção ao repetirem em coro junto com a Comissão, ao longo dos últimos meses, que a Europa havia definido como objetivo integrar este "petróleo verde", numa proporção de 10%, entre os combustíveis a serem utilizados para os transportes daqui até 2020. Com isso, os governos não encontrarão nenhum obstáculo caso decidirem que os biocombustíveis, no final das contas, não constituem um caminho que deva ser seguido com tanto afinco e determinação.
Acordo político
Contudo, a realidade revela ser um pouco mais complexa. Se a análise se ativer ao artigo 3 do projeto de diretriz sobre as energias renováveis, o ministro Borloo está coberto de razão. Mas, existem outros textos que parecem ser difíceis de ignorar. Assim, uma diretriz de 2003 sobre os biocombustíveis obriga os Estados-membros a incorporarem "5,75% de biocombustíveis na composição total da gasolina e do diesel" a serem utilizados nos transportes daqui até 2010. A própria França determinou para si mesma o objetivo de adicionar 7% de biocombustíveis dentro deste prazo. Além disso, o Conselho Europeu de março de 2007 aprovou a proposta da Comissão visando a alcançar a meta de adicionar "10% de biocombustíveis nos transportes até 2020". Diante de tudo isso, uma coisa parece certa: em Saint-Cloud, os 27 países-membros entraram politicamente em acordo contra as decisões da Comissão, no sentido de tentarem se livrar de todo e qualquer compromisso.
No domingo, 6 de julho, Ferran Tarradellas, o porta-voz do comissário para a energia Andris Piebalgs, rebateu que a proposta da Comissão sempre disse respeito à incorporação em 10% de fontes de energia renováveis - "bastava ler o que estava escrito". Mas se este objetivo foi interpretado como determinando a adição de biocombustíveis numa proporção de 10%, foi porque estes últimos "constituem a solução mais realista para se reduzir a dependência da UE em relação ao petróleo até o ano de 2020". Para adaptar o automóvel ao biodiesel, as modificações são bastante simples. "Em contrapartida, para passarmos para veículos movidos a energia elétrica ou a hidrogênio, é preciso haver uma revolução", argumentou Ferran Tarradellas, que acrescentou: "A porta permanece aberta para outras fontes de energia, com a condição de que elas sejam renováveis, o que não é o caso em relação à eletricidade fornecida pelas centrais nucleares".
(Por Laurence Caramel, Le Monde, UOL, 08/07/2008)