A Polícia Federal se prepara para reforçar, em agosto deste ano, a sua capacidade operacional na Amazônia, com o objetivo de combater de forma mais eficiente a passagem de armas e drogas na fronteira brasileira, informou hoje (7) à Agência Brasil o diretor-geral da PF, o delegado Luiz Fernando Corrêa. Durante entrevista exclusiva, ele também revelou outra preocupação da PF: o avanço dos crimes financeiros e do tráfico de drogas sintéticas. Comentou ainda que o ex-banqueiro Salvatore Cacciola , preso no Principado de Mônaco, será transferido para o Brasil como outro preso qualquer e negou a presença das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no território brasileiro.
A transferência do comando da PF para a Amazônia, durante 15 dias, faz parte da estratégia de equipar melhor a instituição para o novo cenário do crime. Tanto é assim que as ações irão além da destinação de um maior número de agentes para região, o que já vem ocorrendo desde dezembro de 2007.
“Vamos fazer uma direção itinerante. Ficaremos em Manaus e visitaremos todos os nossos postos para começar a atender as demandas que foram levantadas, como reforma de instalações, radiocomunicação e mais equipamentos de inteligência, que vão nos dar maior capacidade de monitoramento”, ressaltou Corrêa.
Paralelamente, a PF também está cada vez mais preocupada com a crescente especialização dos criminosos. “A prospecção de cenários nos indica uma exigência de aprimoramento na questão da investigação financeira", disse Corrêa, instalado em seu amplo gabinete, no nono andar do prédio de vidros escuros que reúne o comando nacional da PF, no Setor de Autarquias Sul, em Brasília.
O crescimento do tráfico e do consumo de drogas sintéticas também já foi diagnosticado pela PF. "Há indicação de uma maior presença das drogas sintéticas em substituição às naturais", ressaltou Corrêa. Os crimes cibernéticos, acrescentou ele, igualmente aumentaram, seja por meio de operações financeiras criminosas ou da pedofilia.
Com quase 30 anos de experiência policial, o diretor da PF defendeu o aprimoramento do trabalho de inteligência como algo primordial para ter êxito no combate ao crime organizado, à corrupção no poder público e à lavagem de dinheiro. Isso porque, acrescentou, as organizações criminosas se sofisticaram e atuam dissimuladas em atividades lícitas.
“A cada momento, temos que entender o que está por trás [do crime] e nosso papel é identificar a organização: quem leva, quem traz, quem financia e quem distribui. É preciso entender que é da essência da atuação do crime organizado a cooptação de agente público. Combater a corrupção e evitar a sangria dos cofres públicos é um ato de cidadania e respeito à sociedade”, afirmou Corrêa.
Na entrevista, o comandante da PF rechaçou críticas de que há uma atuação política dos agentes e abordou temas polêmicos, como o vazamento de informações e espetacularização das operações.
ABr- Que papel a Polícia Federal pode cumprir na Amazônia dentro da estratégia do governo federal de reforçar o controle naquela região?
Luiz Fernando Corrêa - É atribuição constitucional da PF o combate aos crimes ambientais. Até então a polícia trabalhava a reboque dos órgãos administrativos , como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis]. Esses órgãos faziam sua atuação e remetiam autos para a Polícia Federal instaurar um inquérito. Isso caracterizava uma ação reativa. Então nós resolvemos com a Operação Arco de Fogo substituir a reatividade por uma proatividade, levando a polícia para a Região Amazônica e atacando os focos de desmatamento e carvoarias. Isso é uma atuação complementar à nossa planta permanente. Desde dezembro todas as turmas formadas na Academia de Polícia prioritariamente estão sendo destinadas para a Amazônia e fronteira, atendendo as macropolíticas do país. Na Amazônia, nós entendemos que, com o aumento do efetivo e a melhora das condições de trabalho, os resultados serão positivos. A partir de agosto estamos indo para a região, fazer uma direção itinerante, nos instalar por 15 dias em Manaus e visitar todos os nossos postos para começar as atender as demandas que foram levantadas, como reforma de instalações, radiocomunicação e mais equipamentos de inteligência que vão nos dar mair capacidade de monitoramento.
ABr- O transporte de drogas é o que mais preocupa e exige cuidados?
Corrêa - Na fronteira e particularmente na Amazônia, quanto maior for a nossa presença maior é a capacidade de contenção do ingresso de armas e drogas. A grande ferramenta para a contenção é a inteligência. Por isso, é importante descentralizar para garantir respostas mais rápidas em parceria com as Forças Armadas.
ABr - A presença de integrantes das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território brasileiro é monitorada pela PF?
Corrêa - Nós temos, junto com a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], acompanhado esses movimentos. As informações que temos é de trânsito de pessoas que estão eventualmente aqui, mas de maneira pacífica. Então não podemos atribuir que este ou aquele é das Farc. O Brasil não tem restrições de ingresso, a não ser para pessoas com antecedentes criminosos. Se alguém apresentar algum comportamento delituoso em nosso território será tratado da forma devida, mas não temos notícia de atuação específica enquanto grupo voltado para sequestro e narcoterrorismo. Se agir, será tratado como criminoso em nosso país.
ABr - A presença de drogas em comunidades indígenas da Amazônia exige que tipo de resposta?
Corrêa - Ou a comunidade está sendo indevidamente utilizada para o plantio ou há questões culturais próprias dos indígenas. Eu diria que é a mesma coisa com pequenos agricultores na região de maconha. Diante de uma dificuldade de logística para um cultivo legal, eles acabam se rendendo à pressão econômica do tráfico e fazem pequenas roças de maconha com retribuição financeira maior do que a de uma plantação de cebola. Temos que ter esse cuidado para ver se é algo espontâneo do índio ou se está a serviço de uma organização, uma quadrilha de tráfico que esteja por trás explorando a proteção que existe no território.
ABr - A PF tem um trabalho histórico de tentativa de estrangulamento das rotas do tráfico para Estados Unidos e Europa. Isso fez sobrar droga aqui dentro e ela se espalhou por todo o país. Hoje, a maior preocupação ainda é estrangular rotas internacionais ou o caminho interno do tráfico?
Corrêa - Trabalhamos para a sociedade brasileira , mas temos uma parcela de responsabilidade no contexto internacional, porque os grandes cartéis têm atuação mundial. Mas o foco principal é proteger o Brasil. Um não exclui o outro. Sou policial há quase 30 anos e naquela época, em Porto Alegre, quem usava cocaína era a alta sociedade, grupos restritos que buscavam a droga no Rio de Janeiro. Num dado momento, houve uma substituição, deliberadamente uma introdução para popularizar o consumo de cocaína, manobrada pelos cartéis, e os países não estavam preparados para o enfrentamento. Passamos a controlar insumos, estancando o fluxo de petroquímicos. Os grandes laboratórios eram na selva boliviana, peruana e colombiana, mas quando estancamos os insumos, a tendência era a pasta base vir e começar a proliferar pequenos laboratórios de refino no Brasil. Hoje, o acesso está mais fácil e as organizações criminosas se dissimulam em atividades lícitas. A cada momento, temos que entender o que está por trás e nosso papel é identificar a organização: quem leva, quem traz, quem financia e quem distribui.
ABr - O maior desafio para a PF ainda é chegar de fato a quem se mantém nas grandes mansões e faz a engrenagem do crime organizado funcionar?
Corrêa - Algumas coisas apontadas com indicativos de derrotas do Estado são fatores positivos. Ninguém passa a utilizar avião no tráfico de drogas porque é mais bonito. É porque por terra está mais difícil. Ninguém agrega ônus à sua operação comercial. E o Estado com um todo foi melhorando. Hoje temos legislação de lavagem de dinheiro, investigação patrimonial, programas que nos permitem a partir da investigação financeira chegar à organização criminosa. Quem trafica não quer fazer mal à saúde pública; quer ganhar dinheiro e, se tivermos os olhos para isso, vamos evoluir. Hoje a PF interage internacionalmente. Temos troca rápida de informações com paraísos fiscais e países que podem contribuir. Mas é um jogo permanente.
ABr- Na Operação João de Barro, que apurou desvio de recursos em obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), algumas pessoas alegaram que a PF teria usado critérios políticos. Como o senhor recebe esse tipo de colocação?
Corrêa - A questão ali não é só PAC, mas as transferências voluntárias de qualquer verba federal por emendas, convênios e projetos. Uma organização que se montou para sugar esses recursos públicos. Temos uma decisão política de governo, que é o enfrentamento da corrupção e a PF cumpre. Não interessa a área ou o bem público. Os órgãos de controle como o TCU [Tribunal de Cointas da União] e a CGU [ Controladoria Geral da União] fazem sua atuação, constatam alguma irregularidade e nos informam. Nós passamos a analisar e percebemos que por trás daquilo está uma organização criminosa que se utiliza de cooptação de agentes públicos. Aí se deflagra a operação, jamais com qualquer conotação partidária.
ABr- Outra crítica é quanto a uma suposta espetacularização das ações. A PF faz uma mea culpa ou isso não ocorre?
Corrêa - Na gestão anterior começou a elaboração de um manual de procedimento operacional, nós demos continuidade e já implementamos. Agora, a polícia quando cai em campo e faz uma busca em 119 prefeituras, em um ministério e na Câmara dos Deputados não tem como não se tornar visível. Nessa última [Operação João de Barro], avisamos o presidente da Câmara [Arlindo Chinaglia] e o ministro das Cidades [Márcio Fortes] e a polícia passou a manhã inteira fazendo buscas nessas duas instituições. Lá pelo meio dia, quando não tinha mais como esconder, isso veio a público. Numa cidade pequena, se pára um carro da PF e começa uma busca chama a atenção. Então não é uma espetacularização proposital, mas decorrente do tamanho da operação. E há um zelo na imagem das pessoas. Pode comparar o antes e o depois. Tem diminuído a exposição, a não ser onde é fisicamente impossível preservar, onde a as instalações da polícia não permitem que um preso desembarque na garagem . Está num processo de diminuição.
ABr - Pela percepção do senhor, a corrupção no setor público diminuiu ou aumentou?
Corrêa - Não dá para fazer essa comparação. De quatro, cinco anos para cá, temos uma disposição e uma vontade política de enfrentamento claro. É preciso entender que é da essência da atuação do crime organizado a cooptação de agente público. Atuamos em cima de fatos e crimes. Combater a corrupção e evitar a sangria dos cofres públicos é um ato de cidadania e respeito à sociedade.
ABr - Como o senhor viu a manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, criticando o vazamento de informações de investigações da Polícia Federal?
Corrêa -Tem que se analisar o tempo de duração de uma investigação e o momento em que vaza. Às vezes nós temos dois anos de investigação e ninguém fica sabendo de nada. Mas quando levamos para o Judiciário, as defesas passam a ter livre acesso e isso é panfleteado. Nós produzimos a peça e várias pessoas manuseiam . Durante dois anos em que a responsabilidade foi exclusiva da PF não vazou. No momento me que envolve outras instituições começa o vazamento e eles acabam sendo atribuídos somente a nós. Isso não faz de nós o único provável vazador.
ABr- Vazar informação é mesmo coisa de gângster, como disse o ministro Gilmar Mendes ?
Corrêa - Se alguém faz com intenção maliciosa é uma atividade criminosa.
ABr- Como a PF está se preparando para transportar o ex-banqueiro Salvatore Cacciola?
Corrêa - Ele tem uma condenação pelo Rio de Janeiro e para nós será um transporte de preso como outro qualquer. O comunicado oficial de Mônaco deve chegar hoje e eu preciso de uma autorização de trânsito do governo francês. São relações diplomáticas que têm que ser cumpridas e uma vez feitas, vamos buscá-lo num vôo de carreira e apresentá-lo como se fosse qualquer outro preso.
ABr- Hoje a PF tem estrutura e salários adequados para cumprir o seu trabalho?
Corrêa - Nenhuma categoria está sempre 100% satisfeita. É legítimo que todo grupo profissional busque cada vez mais um retorno financeiro. Mas no quadro do serviço público a Polícia Federal está bem situada. Os salários e a imagem de credibilidade da instituição têm sido fatores de atração de quadros qualificados para os nossos concursos.
ABr - Em relação aos aspectos tecnológicos, nossa polícia está no nível das melhores do mundo?
Corrêa - Estamos preparados para atender a demanda atual e dentro de um planejamento estratégico que fizemos até 2022, definimos aonde queremos chegar. Preparamos ferramentas de gestão muito modernas com foco na nossa atividade fim, que é produzir provas. Somos uma Polícia Judiciária e nossos investimentos planejados a longo prazo observam uma tendência de cenários prováveis. A tecnologia é desenvolvida para o bem, mas acaba sendo utilizada pelos criminosos, haja visto a internet. Temos uma tendência muito forte de crimes cibernéticos e isso tem um impacto em ações como escolher que perfil de profissional recrutar, que formação dar e que equipamentos comprar. Estamos num padrão tecnológico bom, mas fazer chegar isso em toda a territorialidade é um desafio. Temos capacidade de adquirir mas temos que dotar os policiais de treinamento adequado.
ABr - Essa tecnologia de ponta é desenvolvida no país ou ainda é preciso importar?
Corrêa - Na nossa formação foi buscada muita coisa lá fora, mas fomos desenvolvendo doutrina própria e há muitos equipamentos, inclusive, desenvolvidos no Brasil. Nós estamos no estado da arte em termos de inteligência.
ABr - É a partir da inteligência que tantas operações são desencadeadas paralelamente?
Corrêa - Esse é o efeito de um proposta que assumimos em descentralizar a capacidade de gestão, de inteligência e de operações. Nosso objetivo é que as 27 superintendências tenham a mesma capacidade. Até bem pouco tempo os órgãos centrais faziam grandes operações utilizando os efetivos dos estados. Nós queremos que as 27 unidades produzam. Isso já está na rotina..
ABr - Quais são os tipos de criminalidade que mais preocupam para o futuro?
Corrêa - O que muda não é a modalidade criminosa, mas o método de execução. A prospecção de cenários nos indica uma exigência de aprimoramento na questão da investigação financeira. Indica também uma maior presença das drogas sintéticas em substituição às naturais e dos crimes cibernéticos, que, inclusive, impactam na droga, nos crimes financeiros e na pedofilia.
(
Agência Brasil, 08/07/2008)