Se no Canadá e na Finlândia a economia florestal dá dinheiro e preserva o meio ambiente, por que no Brasil tem de ser sinônimo de atraso, subdesenvolvimento e pobreza? O secretário de Florestas do Acre, Carlos Ovídio Duarte Rocha, não sabe a resposta, pois não concorda com a tese dominante nos estados da Região Norte. Mas no Acre, ele diz, o caminho tem sido diferente. "É preciso aprendermos a valorizar a floresta em ativos econômicos", diz na entrevista a seguir. Carioca, ele trocou de estado há quase duas décadas. Hoje, trabalha no programa mais bem-sucedido de preservação amazônica, em que une iniciativa privada, com incentivos públicos e apoio das comunidades.
Floresta, no Brasil, ainda é sinônimo de miséria social. É possível reverter esse quadro?Carlos Ovídio Duarte Rocha - Enquanto fazia um curso de gestão de floresta e gestão de projetos no Canadá, trabalhei com cooperativas de trabalhadores florestais e as coisas começaram a ser desmistificadas para mim. A floresta está entre as atividades que não são subsidia das no mundo. A agricultura e a pecuária precisam de subsídios. Podemos ter uma economia baseada na floresta. Há bons exemplos no mundo, como na Costa Rica, com o turismo, que é um produto florestal. A Finlândia e o Canadá são grandes produtores mundiais de madeira. O serviço florestal lá é bem remunerado. Isso poderia ocorrer aqui também.
Como valorizar economicamente a floresta em pé?Carlos Ovídio - Na primeira base de análise econômica que existe, na questão da floresta, é o valor fundiário. O valor da terra de floresta, no Acre, seis anos atrás, era de R$ 30 o hectare, a 70 quilômetros de Rio Branco. O valor da terra para a pecuária era de R$ 800, e hoje já é quase R$ 1 mil. Em um curto espaço de tempo, conseguimos elevar o valor imobiliário da floresta. Hoje, com plano de manejo, subiu de R$ 30 para R$ 600 o hectare. O plano de manejo tem duas grandes utilidades. Primeiro, que a floresta, ao contrário da agricultura e da pecuária, já nasce legal. O que você for fazer com ela é que pode ser ilegal. Para isso, tem que ter um plano de manejo, e temos um programa de habilitação de planos de ma nejo. Tornar uma floresta habilitada a ter determinado tipo de uso. Às vezes, somos muito críticos, do ponto de vista científico sobre os manejos. Mas temos que ver o uso da floresta do ponto de vista do efeito colateral, que, no manejo florestal, comparado com outras práticas, como a agricultura, a pecuária ou mineração, é muito menor. E mesmo que não seja a coisa mais eficiente do mundo, ele gera uma memória, o segundo ponto importante quando se faz um manejo. Sabemos o que teve de bom e de ruim. Agora, quando se mata uma floresta, a morte é esquecida muito rápido. Depois que vira pasto e soja ninguém enxerga mais a floresta que havia lá. Não existe ninguém se lamentando no Rio de Janeiro, às margens da Dutra, das florestas que existiam lá. Estamos provando aos poucos que, à medida que a floresta tem um valor econômico maior, ela tem mais chance de sobreviver. Não podemos achar que ela vai sobreviver por uma questão ideológica ou filosófica. Vamos ter que criar uma dependência da sociedade em torno dela.
Há críticas sobre os planos de manejo, cuja metodologia é importada do Canadá, que tem muito menos biodiversidade que a Amazônia. Alguns acham que o manejo atrapalha.Carlos Ovídio - Eu acho que protege, e muito. O que muda do Canadá para cá é que lá pode-se ter uma carteira de produtos com cinco espécies de árvores. Nós aqui temos que ter uma carteira de produtos com 200 espécies. Na verdade, vivemos durante três decadas com uma só espécie: a seringueira, que chegou a ser 30% do PIB brasileiro, na década de 20. O plano de manejo, nesse sentido, tem 100 anos de idade. Só que perdemos o manejo florestal com a crise da borracha. Temos que aprender com a nossa experiência. Outra característica do Brasil é que temos uma floresta habitada. Esse pessoal da seringa entrou na floresta e vive lá até hoje. Tudo o que queremos fazer temos que fazer com gente. Senão vamos criar um modelo de expulsão não agrícola, mas florestal: o madeireiro vem e expulsa todo mundo que está lá. Imagine a complexidade disso? Duas coisas que levamos em consideração: primeiro, que gente não é problema. As pessoas que estão lá são a solução para ter uma atividade econômica dentro da floresta. E segundo que não existe vazio demográfico a ser preenchido. A questão é a valorização imobiliária da floresta. Daí a floresta passa a ter chance de sobreviver. A floresta a R$ 30 o hectare será transformada em morte. Se ela for manejada, até podemos pensar em sobrevida e, no futuro, indagar: que grande erro foi feito, mas vamos ter uma memória. Daqui a 30 ou 40 anos, pode mos até pensar que não foi isso, que os manejos não foram bem-feitos, mas pelo menos a floresta vai estar em pé.
Que tipo de economia pode surgir com a floresta em pé?Carlos Ovídio - Primeiro, esse é um esforço do Estado. De formação. É preciso ter um ofício da floresta, um trabalhador florestal. Na hora que se tem um trabalhador florestal, a lei dos trabalhadores florestais do extrativismo, haverá oferta de ofício.
Que tipo de trabalhador é esse?Carlos Ovídio - Desde o tradicional, como o mateiro, que é quem identifica a floresta e pode quantificar a floresta. Tem que se saber o que pode ser feito de usos e produtos florestais. Até as operações florestais, operações financeiras.
Que tipo de operações financeiras são possíveis?Carlos Ovídio - Enxergar o que está em cima da terra. O sistema financeiro enxerga a soja que está em cima da terra, mas a floresta que está em cima da terra. Se você vai a um banco e quiser colocar a floresta como garantia para ter um empréstimo, não consegue. Para usar o dinheiro na floresta, no trabalho mesmo. Por exemplo: quero investir nessa comunidade extrativista e dou como garantia os ativos florestais. Digo: tenho uma reserva de copaíba e queria que o banco reconhecesse. Ele não reconhece. Nem a madeira.
Que ativos poderiam ser reconhecidos economicamente?Carlos Ovídio - Quando se pega inúmeros produtos e serviços acima da terra, a floresta vale mais do que a pecuária e a agricultura – que é só pasto ou terra arada. Então, se quantifica madeira, borracha (seringa), óleos essenciais, sementes, cosméticos, e o próprio serviço ambiental que ainda não é reconhecido, como o seqüestro de carbono. Por exemplo, o serviço ambiental de prevenção a desastres. São valores que devem ser atribuídos. A floresta funciona para que os desastres não aconteçam: não aconteça furacões ou mudanças no clima. Existe um valor para isso, embora ainda não esteja quantificado, nem transformado em negócio. Esse é o desafio.
Como ele vai poder ser transformado em negócio?Carlos Ovídio - A partir do carbono, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e do serviço de seqüestro de carbono. Isso pode abrir oportunidade para outros serviços que não seja só seqüestro de carbono. Como o caso dos desastres. O serviço de prevenção a desastres deveria estar nas apólices de seguro. Nas apólices, nos Estados Unidos, na Inglaterra, deveria ter um percentual a ser pago que seria de preservação das florestas para não ter desastre. Já há pessoas praticando isso.
Quando se fala em atividade madeireira, pela constante repressão que há hoje, logo se pensa em ilegalidade. Quanto do total de madeira ex traída no Acre é ilegal?Carlos Ovídio - De 5% a 6%. A conta que fazemos é de 15 mil a 20 mil metros cúbicos por ano.
Como conseguiram um controle tão eficiente, porque no Pará há 80% de ilegalidade, segundo os números oficiais do próprio estado?Carlos Ovídio - Investimos em promoção de manejo florestal nas áreas de reserva privada. Se perguntar para os fazendeiros no Acre se nos últimos dois anos ter uma floresta era um bom negócio, eles vão dizer: olha nos sobrevivemos na crise da pecuária um pouco por causa da floresta. Hoje, floresta que tiver manejo florestal é interessante. Além disso, reduzimos muito o número de serrarias e pela metade o consumo de tora. No entanto, triplicamos o valor econômico da atividade florestal no estado.
Fecharam muitas serrarias e continuaram com volume?Carlos Ovídio - No Acre, se você quiser ins talar uma serraria, não vai conseguir. Agora, se quiser instalar uma indústria, nós sentamos para conversar. Serraria não tem licença para instalação. Se for uma indústria, bem-feita, qualificada, temos uma comissão de política industrial no estado que discute a questão. Nos interessa qualificar o produto a ser vendido.
Com resolver um dos principais empecilhos dos manejos, que é a questão fundiária?Carlos Ovídio - No Acre,os planos de manejo só são aprovados perante o Ministério Público, com a relação de acordo com os posseiros. Com isso, conseguimos fazer com que áreas preparadas tivessem um mínimo de conflito social fundiário. Nas florestas privadas, em geral, se tem posseiros vivendo lá, amigavelmente com o dono das terras. Quando chega uma atividade econômica, ela pode fazer uma pressão de ganância e gerar conflito. Uma coisa que deu certo no Acre é um acordo, não uma lei. Quem conta com área privada e tem interesse em plano de manejo, precisa declarar quantos posseiros tem dentro da área. A pessoa vai ao Ministério Público, transfere a propriedade para os posseiros, que vira uma área privada, para que ele tenha o direito de exploração econômica da área de floresta. Isso minimiza os confitos agrários.
Como desenvolver a indústria florestal?Carlos Ovídio - O governo do Acre tem feito o que chamamos de PPPC – Parceria Público-Privada e Comunitária. Montamos uma fábrica de castanhas, estatal, uma de camisinha, estatal, e uma fábrica de piso, estatal. São consórcios de empreendimentos. O exemplo é o Complexo Florestal Industrial de Xapuri, gerido numa parceria entre governo e iniciativa privada, que está dando muito certo. Infelizmente a gente carece de capital empresarial de boa estirpe, de boa qualidade, para as explorações florestais. É difícil de achar. O empresário madeireiro em geral não tem nível superior, nenhum grau de escolaridade. Aos poucos vai mudando. Em determinado momento, alguém teve que fazer uma CSN, Vale, Petrobras. Nós estamos fazendo a nossa CSN, a nossa Vale, a nossa Petrobras, porque não achamos ninguém para criar aqui. E, é lógico, com erros e acertos. É uma coisa experimental mas calculada. É para se tornar um modelo referencial em 30 anos.
Qual a diferença do Acre para os outros estados amazônicos?Carlos Ovídio - Nós não precisamos de tanto dinheiro porque a população é pequena, cerca de 680 mil pessoas. Então, se tivermos uma economia florestal per capita para 680 mil habitantes, pode ser que tenhamos uma coisa pequena, porém percapitamente mais rica e mais distributiva. Não precisamos de muito.
(Por Felipe Milanez, Blog Altino Machado /
FGV, 03/07/2008)