Navegando em um site de minha cidade natal, Júlio de Castilhos (RS), vejo o orgulhoso anúncio de que o pequeno e nobre município era destaque no dia do meio ambiente por estar entre os que mais iriam plantar árvores nativas no estado, como parte de um megamutirão que visava plantar 300 mil mudas nativas, no Projeto Árvore é Vida.
Louvável! Elogios ao pequeno município do centro do estado não hão de faltar por tal iniciativa. Mas em se tratando do estado como um todo, acredito que o meio ambiente não tenha muito a comemorar. A reportagem cita que 40 mudas foram plantadas em Porto Alegre e mostra o secretário de meio ambiente do estado que aparece em uma cena corriqueiramente utilizada pelos pseudo-ambientalistas. O que é plantar uma muda nativa em uma avenida de uma metrópole, enquanto a metade sul do estado é entregue às “papeleiras’ com apoio do mesmo governo?
Apesar de estar há, aproximadamente, de cinco anos residindo no estado de Mato Grosso, não deixo de acompanhar as notícias ambientais do Rio Grande do Sul, minha terra natal. Trabalhando no Mato Grosso, região que apresenta os maiores índices de desmatamento da Amazônia e onde a ausência do poder do estado está sempre latente, fico estarrecido em ver como um dos mais desenvolvidos estados da nação brasileira vive passivamente com a destruição de seu principal ecossistema, uma de suas identidades, os campos sulinos.
Mais feliz do que ver o orgulho de Júlio de Castilhos em ser um dos campeões em plantios de mudas nativas ficaria eu em ler um decreto ou lei estadual que regulamentasse o licenciamento da atividade agropecuária no Rio Grande do sul. Assim poderíamos identificar onde se encontram nossas reservas legais, sejam elas de Mata Atlântica ou do belo campo nativo, rico em biodiversidade de gramíneas, leguminosas e outras.
Atualmente convivo com a insana destruição da biodiversidade da floresta amazônica. Já quando morador do sul do Brasil presenciei a destruição dos campos do planalto médio gaúcho, substituídos pela monocultura da soja e do milho. Quantas espécies se perderam? Onde estão as reservas legais e áreas de preservação permanente dos milhares de hectares de soja e de milho plantados no planalto médio gaúcho?
Hoje, o fantasma da monocultura assola a campanha gaúcha, último reduto do campo nativo brasileiro, que por séculos vem convivendo numa certa harmonia com a pecuária, e agora a monocultura do florestamento com espécies exóticas surge como a “salvação da lavoura”. Queremos que nossa campanha se transforme no deserto verde proporcionado pela monocultura do eucalipto? Onde ficará o autêntico gaúcho, seu cachorro ovelheiro, nossas raças bovinas européias, únicas no país, e o lindo e premiado cavalo crioulo? No êxodo rural? A outrora capital do gado Charolês (Júlio de Castilhos) hoje não passa de mais uma produtora de comoditie agrícola. O Rio Grande do Sul também apagará de sua imagem os prados verdejantes da visão e imaginação de Érico Veríssimo, em sua imortal obra “O Tempo e o Vento”?
A pressão sofrida à aprovação de licenças ambientais para as “papeleiras” na já combalida Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) é enorme, conforme já denunciado, após a autorização dada à ampliação da planta da Aracruz Celulose à beira do lago Guaíba. As irregularidades já foram apontadas inclusive ao Ministério Público para que apure o caso que, sem dúvida, é de polícia, pois funcionários da fundação estadual denunciam a perseguição aos que foram contrários à liberação.
Citando a obra “Manual de Ecologia, do Jardim ao Poder”, de José Lutzenberger, nosso ícone ambientalista, que já dizia em 1992 – “Os incentivos fiscais para reflorestamento como praticados no Brasil no passado, beneficiaram quase que exclusivamente gente e grandes que não necessitavam de nenhuma ajuda estatal, promoveram apenas o plantio de essências florestais de crescimento rápido como eucalipto, acácia e pinus e contribuíram para a ocorrência de danos ecológicos graves. Beneficiaram-se fabricas de celulose, de tanino, siderurgias e outras grandes empresas, que não necessitavam de subsídios para plantar, e o lucraram os grandes consórcios de gente que queria economizar imposto. Empreendimentos pequenos, em pequenas propriedades, foram deliberadamente excluídos”.
Apesar de decorridos mais de 16 anos, a retórica continua a mesma, e fico na dúvida se o saudoso Lutzenberger estava em uma posição visionária ou somos nós que estamos persistindo nos erros passados e já propalados. Por fim, conclamo a autocrítica do povo gaúcho, para que avalie cada passo dado contra seu meio ambiente, pois um povo orgulhoso de seu passado e presente não pode olvidar de seu futuro.
(Por Rodrigo Dutra da Silva*, OEco, 04/07/2008)
* Zootecnista gaúcho e chefe da divisão de fiscalização do Ibama em Mato Grosso.