Dois meses depois a maior cheia do rio, desde 1965, o cenário é o lixo nas águas
A maior cheia do Rio dos Sinos desde 1965, decorrida de um ciclone, completa dois meses nesta semana com uma triste lembrança: o lixo. Trata-se de mais uma tragédia, notável aos olhos e talvez tão prejudicial quanto a mortandade de 106 toneladas de peixes em 6 de outubro de 2006.
Os detritos – sacolas plásticas, garrafas pet e restos de isopor - se acumulam entre galhos de árvores e arbustos, especialmente no trecho entre Campo Bom e Sapucaia do Sul. São milhares de fragmentos. Algo incontável, segundo o presidente do Instituto Martim Pescador, Henrique Prieto. A paisagem assombrosa revela ainda a falta de responsabilidade da população com o lixo. Também não há nenhum sinal de que os resíduos sejam retirados das margens.
No dia 29 de junho, conta Prieto, o barco catamarã do Martim Pescador partiu de São Leopoldo para Porto Alegre, num roteiro chamado Caminho dos Imigrantes. Nos 15 primeiros quilômetros, até a localidade de Pesqueiro, em Sapucaia, muitas árvores ainda resistiam ao lixo pendurado. “A gente, que luta tanto pelo rio, fica bastante triste com esta situação”, lamenta.
A extensão do problema é tão grande que a equipe do Martim Pescador desistiu de contar a quantidade de sujeira em uma área de 50 metros quadrados. Tanto é que prefeituras da região e o Estado, questionados pelo ABC Domingo, não sinalizaram qualquer possibilidade de limpeza, classificando a operação de “impossível”.
“Sempre fazíamos um trabalho depois das cheias. Mas agora não deu nem para fazer isso”, argumenta Prieto. Por semana, o mangote instalado sob a ponte da BR-116, em São Leopoldo, retém cerca de 10 mil garrafas de plástico, oriundas de 16 dos 32 municípios da bacia hidrográfica. Em 2007, São Leopoldo recolheu 120 toneladas de lixo do rio, e Novo Hamburgo 30 toneladas dos arroios, sem contabilizar os mutirões realizados por entidades da sociedade civil.
A força do clima
Um ciclone extratropical que se formou no Estado em 2 de maio causou chuva torrencial e resultou na maior cheia dos últimos 43 anos no Vale do Sinos. Em Novo Hamburgo, o nível normal, de 3,80 metros acima do mar, chegou a 7,97 com a força das águas. Em São Leopoldo, o sistema de diques de 8 metros de altura que protege a cidade foi posto à prova quando o rio alcançou a marca dos 7,40 metros. Cerca de 2 mil pessoas foram atingidas pelas águas e vendavais.
O Rio dos Sinos e os impactos do plásticos
O Rio dos Sinos nasce em Caraá e desemboca no delta do Jacuí, em Canoas, totalizando 190 quilômetros de extensão e abrangendo 32 municípios, como Campo Bom, Gramado, Igrejinha, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Taquara e Três Coroas, com população total estimada em 1.248.714 habitantes.
Os principais usos da água na bacia estão destinados ao abastecimento público, utilização industrial e irrigação. O maior problema encontrado atualmente é o despejo de efluentes industriais e principalmente domésticos sem tratamento nos cursos de água no seu trecho médio-baixo.
Agrava a situação o lançamento de resíduos sólidos, como sacolas plásticas, garrafas pet, isopor, couro e borracha. As sacolas plásticas na mata ciliar, segundo o diretor da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São Leopoldo, Joel Garcia Dias, prejudicam a fauna, provocando engasgo, sufocamento e enforcamento em animais. “O que foi exposto pelo rio é na verdade o que é normalmente jogado pela população”, justifica.
O plástico é um material que leva entre 100 e 500 anos para se decompor. O isopor leva cerca de 8 anos e o nylon, 30 anos. “Daqui a 50, 100 anos, iremos encontrar estas sacolas plásticas nas árvores desde esta última enchente”, estima o presidente do Martim Pescador, Henrique Prieto.
As sacolas de supermercados usadas como sacos de lixo não podem ser recicladas em qualquer lugar. Somente em São Leopoldo, 80% das sacolas se tornam sacos para este fim. Encontrando-se sujas, viram rejeito e acabam depositadas em aterros sanitários em células para materiais de rápida decomposição, que não é o caso do plástico. Conseqüentemente, a célula esgotará rapidamente sua vida útil.
(Jornal NH, 06/07/2008)