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recursos costeiros br peixes
2008-07-06

Dynamics of fish assemblages on coral reefs subjected to different management regimes in the Abrolhos Bank, Eastern Brazil. Abaixo desse título longo e aparentemente impenetrável, corre um artigo recém publicado na revista científica Aquatic Conservation. Ele leva a assinatura dos biólogos Rodrigo Moura, da Conservação Internacional , e Ronaldo Francini Filho, da Universidade Estadual da Paraíba, e além de revelar os resultados do primeiro estudo de longo prazo sobre recursos costeiros no Brasil, aponta que estamos cuidando mal da biodiversidade do nosso litoral.

O artigo baseia-se em pesquisa de cinco anos que envolveu 2820 censos visuais de 90 espécies de peixes e o monitoramento da biomassa, feitos sempre no meio do dia, em 20 áreas do Banco dos Abrolhos – um colosso de recifes, mangues, bancos de algas, praias e restingas de 46 mil quilômetros quadrados, que começa na foz do rio Doce, no Espírito Santo e termina na foz do Jequitinhonha, na costa da Bahia. As informações coletadas e sua análise pelos dois pesquisadores comprovam que áreas protegidas têm papel relevante na renovação de estoques pesqueiros e ajudam a destruir mitos sobre a situação da indústria da pesca no Brasil, mostrando que ela ainda está muito distante de poder ser qualificada como sustentável.

O trabalho de Francini e Moura, realizado entre os anos de 2001 e 2005, mostra que a noção que vem sendo difundida pela Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), ligada à Presidência da República, de que o nosso litoral tem potencial inaproveitado para expandir a pesca deve, no mínimo, ser ouvida com desconfiança. Mesmo numa região como Abrolhos, reconhecida como um dos principais berços de vida marinha no mundo, a pressão exercida pelos pescadores corre sério risco de arrasar os seus estoques pesqueiros.

O censo e monitoramento realizado em recifes adjacentes ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos , onde a pescaria é aberta, indicam que a sua biomassa caiu ao longo dos cinco anos da pesquisa. E mesmo nos 900 quilômetros quadrados de área protegida que compõe o parque, a situação também não está muito para peixe. Por conta da predação sem controle que continua a ocorrer no seu entorno e a falta de fiscalização no seu interior, onde não é incomum encontrar pescadores, a sua biomassa, ao longo dos cinco anos de pesquisa, manteve-se apenas estável. Claro, sem o parque, a situação poderia ser pior.

“As áreas protegidas são uma ferramenta fundamental para manter a saúde dos recursos costeiros”, diz Moura. “Mas não são uma panacéia.”. Sozinhas, podem adiar a debacle nos estoques pesqueiros. Mas não garantem que ela será evitada. “A implantação de unidades de conservação marinhas precisam ser acompanhadas de gestão e controle da atividade de pesca, para assegurar que as capturas do presente não afetarão as capturas futuras”, continua. Moura e Francini tiveram a mais absoluta certeza disso ao olhar para os dados que seu estudo acumulou em 10 pontos pesquisados no recife Itacolomis, dentro da Reserva Extrativista (Resex) do Corumbau, no litoral baiano.

Proteção e gestão
A Resex foi criada em 2000 com o apoio dos pescadores locais, que percebiam que o volume da pesca caia de ano para ano. A implantação da unidade resolveu um primeiro problema, reduzindo a pressão dos barcos que vinham de fora para pescar na área. Os próprio membros da Reserva se encarregaram de fiscalizar e reprimir a entrada dos ‘estrangeiros’. “Mas além disso”, conta Rodrigo, “eles fizeram uma gestão interna, criando um plano de manejo dos estoques do Itacolomis”. A base do plano foi a proibição da pesca em 20% dos 50 quilômetros quadrados de área do recife. A moratória contribuiu para dar a partida num processo de recuperação dos estoques.

“Nos cinco anos em que fizemos o monitoramento, a biomassa do badejo-quadrado, um peixe muito importante para a economia local aumentou 30 vezes no ponto que está fechado para a pesca”, diz Moura. Na área onde ela está autorizada, os estoques se mantiveram estáveis. Se a moratória continuar a ser respeitada, tudo indica que eles voltarão a crescer por conta de um fenômeno que os cientistas chamam de transbordamento. “À medida em que os estoques crescem numa área livre de pesca, ela tende a exportar o seu excedente para as áreas adjacentes”, explica o biólogo.

O crescimento da biomassa marinha não traduz apenas um aumento no número de indivíduos de espécies de pescado, mas também do seu tamanho. E esse último dado é muito importante para a reposição de estoques porque a capacidade reprodutiva cresce exponencialmente conforme um peixe vai aumentando de proporção. “Um peixe com dez centímetros pode produzir, digamos, dez ovos”, exemplifica Moura. “Um exemplar da mesma espécie com o dobro do tamanho produzirá 100 ovos”.

Competição e degradação
O estudo de Moura e Francini, que envolveu uma equipe de 15 pessoas e exigiu, na média, cerca de 560 mergulhos para cada ano de trabalho, não se limitou a contar peixes. Ela também monitorou o substrato, isto é, a composição física do ambiente de cada um dos 20 pontos pesquisados, dado fundamental para se determinar o estado do recursos em dada zona de mar. A abundância de bancos de algas e corais moles em detrimentos de corais é um sinal de grave degradação de um ambiente marinho.

O coral cresce lentamente, mas cria estruturas físicas complexas, propícias à biodiversidade marinha, servindo de abrigo para peixes. As zonas dominadas por algas e corais moles, por outro lado, são mais homogêneas e têm menor incidência de organismos. Corais competem com algas por espaço no fundo do mar. A pesca descontrolada influência a competição em favor dessas últimas. A seqüência do desaparecimento da biodiversidade atinge primeiro os peixes carnívoros, como badejos e garoupas, que têm maior valor comercial.

Mas nessa fase, a estrutura de um ecossistema de recifes não chega a ser diretamente afetada. O problema vem no 2º ciclo de devastação, quando à falta de peixes mais nobres, os anzóis e redes começam a retirar da água espécies herbívoras, como o budião, fundamentais para o controle da expansão de algas. “É aí que tem início o efeito mais perverso, sistêmico, que acelera a substituição dos recifes por sistemas menos complexos”, explica Moura. “Isso tem impacto direto sobre o volume futuro do pescado”.

Estatísticas ruins, gestão inexistente
A pesquisa de Francini e Moura deixa claro que o Brasil monitora mal os seus recursos pesqueiros e ainda está longe de ser capaz de gerar estatísticas confiáveis sobre eles. “O governo, aliás, ninguém, tem a menor idéia do volume de pesca na nossa costa”, diz Moura. A estimativa de que 60% dele vem da pesca artesanal é, na melhor das hipóteses, um chute. “A SEAP está lançando esse PAC da pesca, com metas para aumentar o volume de produção e é bem provável que elas já tenham sido ultrapassadas ou sejam impossíveis de alcançar por conta da exaustão de estoques”, diz.

Números e monitoramento deficientes provocam uma distorção grave na gestão dos recursos marinhos no país. Para início de conversa, ela não tem uma visão de sistema. “Um peixe interage com outros peixes, com o ambiente marinho e com gente. Infelizmente, aqui no Brasil se faz gestão por espécie individual”, critica. “Cuida-se, e mal, da sardinha ou da lagosta, por exemplo”. E a falta de controle faz com que a intervenção do governo na indústria da pesca aconteça sempre depois que o mal já foi feito. “Ele só aparece na hora em que um determinado setor entra em colapso”.

Foi assim que ele interveio na crise da pesca da sardinha no Sudeste e na pesca da lagosta na costa do Ceará. Esse comportamento oficial, que fecha os olhos para a sobreexplotação de determinadas espécies, não deixa apenas passivos ambientais no seu rastro. Provocam também o aparecimento de enormes passivos sócio-econômicos. “Certas atividades pesqueiras empregam muita gente na atividade direta e na indústria de processamento. Quando elas ficam insustentáveis, perdem-se empregos e o governo tem que vir com o assistencialismo para não deixá-las morrer de fome”, lembra Moura.

Dependência da sorte
Essa incapacidade de pensar em termos de sistemas e de planejar o longo prazo impede também o governo de perceber a importância do papel que as unidades de conservação marinha podem desempenhar na reposição dos estoques de peixe na costa brasileira. Na faixa de duzentas milhas que forma a zona exclusiva do país para a exploração econômica marítima, elas ocupam apenas ½% de todo esse espaço.

Tamanho grau de negligência oficial levanta a hipótese de que a manutenção da biodiversidade marinha no país dependa, em grande parte, da sorte de termos pesqueiros que ainda jazem, não mapeados, no fundo do mar. A pesquisa de cinco anos feita pela equipe comandada por Francini e Moura incluiu um recife a 30 metros de profundidade, bem perto da Resex do Corumbau, que ainda não está marcado em nenhuma carta náutica. Portanto, ele permanece sendo um segredo e ninguém joga anzóis e redes lá.

Pois bem, o levantamento de sua biomassa revelou que ela é dez vezes superior a que foi encontrada na área do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Esse volume torna a região candidata importante a ser elevada à condição de área protegida. Isso, claro, se o ministro Altemir Gregolim e sua turma na SEAP não acharem o lugar primeiro.

(Por Manoel Francisco Brito, OEco, 04.07.2008)


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