O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgou anteontem um estudo inédito que mostra os impactos das mudanças climáticas no sistema energético brasileiro. Patrocinado pela Embaixada do Reino Unido, o trabalho aponta a vulnerabilidade do país nesse campo e traz conclusões preocupantes.
Em termos gerais, verificou-se que existe tendência à perda de capacidade de geração de energia de todas as fontes estudadas – salvo a cana-de-açúcar – e em todas as regiões.
O impacto da mudança global no país tende a ser, contudo, mais intenso no Nordeste. “Caso se confirmem as projeções de alterações climáticas para o Brasil no período 2071-2100, a região terá reduções importantes na capacidade de geração de energia hidráulica, eólica e de biodiesel”, revela o estudo, advertindo que só a produção de energia das usinas hidrelétricas da bacia do rio São Francisco pode cair em até 7,7%.
A produção de biodiesel no Nordeste também seria prejudicada, sobretudo em função dos impactos sobre os cultivos de soja e mamona, o que – alerta a Coppe – afetaria o programa governamental de incentivo à agricultura familiar para produção de biocombustíveis.
O prognóstico é de prejuízos também à geração de energia eólica, que passaria a se concentrar na costa, reduzindo-se no interior e interferindo no total nacional, que pode cair até 60%.
Em termos nacionais, o estudo aponta uma redução da geração de produção hidrelétrica - responsável hoje por 85% da geração de eletricidade do país - de 1% a 2% nos cenários de emissões altas e baixas respectivamente.
Diante do quadro de diminuição da oferta de energia e da projeção de um aumento no consumo, os pesquisadores da COPPE defendem que é preciso aumentar seu uso racional e a eficiência energética; expandir a oferta de eletricidade, a partir de combustíveis alternativos, como resíduos sólidos urbanos e bagaço de cana; e ampliar a oferta de biocombustíveis, sobretudo biodiesel.
“A questão da eficiência energética tem que ser tratada em diferentes frentes. Por um lado, há a questão tecnológica, onde o Governo tem um papel importante a cumprir, criando índices mínimos de eficiência energética para equipamentos e processos utilizados no país”, disse a AmbienteBrasil Roberto Schaeffer, um dos coordenadores do estudo, junto com Alexandre Szklo, ambos professores do Programa de Planejamento Energético da Coppe.
“Há também a questão do preço da energia, que deve ser repassado em sua real dimensão aos usuários finais, que só assim optarão por um uso dela mais eficiente. Não adianta, por exemplo, não repassar para os preços domésticos as altas do petróleo, pois com isso só se está estimulando seu mau uso”, completa.
Para o pesquisador, outro desafio nesse processo passa pela questão cultural. “Mudanças de padrão de consumo numa sociedade de consumo confrontam sua própria razão de ser”.
AmbienteBrasil perguntou a Roberto Schaeffer se as conclusões da Coppe serão utilizadas como subsídio para a Política e o Plano Nacional de Combate às Mudanças Climáticas, ora em elaboração por uma equipe interministerial. Ele acredita que não, ao menos diretamente.
“Este foi apenas um primeiro estudo, que apresentou resultados importantes, mas olhando para um horizonte de tempo mais longo à frente. A Política e o Plano Nacional de Combate às Mudanças Climáticas deverá se concentrar em horizontes mais curtos de tempo”, respondeu ao portal.
“Estamos, no momento, aprofundando o estudo, começando a olhar, também, para os curto e médio prazos. Aí, sim, talvez os resultados de um novo trabalho possam fazer parte das políticas e planos do Governo”, diz Schaeffer.
Em sua avaliação, um dos maiores ganhos do estudo foi criar competência e uma nova linha de pesquisa na própria Coppe. “A partir dele, vários novos trabalhos estão surgindo, aprofundando e alargando o conhecimento em relação aos possíveis impactos das mudanças climáticas sobre os sistemas energéticos”, contabiliza.
O pesquisador registra que estudos ligados às mudanças climáticas trazem ainda em seu bojo grandes incertezas. Elas estão, no entanto, mais ligadas à precisão dos números do que ao sentido geral, que aponta em uma direção clara: “as mudanças climáticas são hoje, provavelmente, o maior desafio enfrentado pelo homem. Já há certeza hoje de que o custo de se reduzir as emissões de gases de efeito estufa são muito menores do que o custo de não se enfrentar o problema rápida e eficientemente”, coloca Schaeffer.
O estudo “Mudança Climática e Segurança Energética no Brasil” contou com a participação dos pesquisadores André Frossard, Raquel Rodrigues de Souza, Bruno Soares M. C. Borba, Isabella V. L. da Costa, Amaro Pereira Júnior e Sergio Henrique F. da Cunha.
(Por Mônica Pinto /
AmbienteBrasil, 04/07/2008)