O genoma humano tem cerca de 3 bilhões de pares de bases. Tomando como base a complexidade da espécie, seria de esperar que o mais simples milho, que não fala nem navega na internet, tivesse um número muito menor, na casa dos milhares, ou mesmo centenas. Mas não é bem o que ocorre, uma vez que o popular vegetal soma honrosos 2,5 bilhões de pares.
Embora os tamanhos dos dois genomas não sejam muito diferentes, é evidente que o homem é completamente diferente do milho. Mas o que está por trás dessas diferenças, levando em conta que ambos são constituídos por DNA, que armazena todas as informações genéticas?
A questão foi colocada por Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), durante o Workshop Fapesp sobre Pesquisa em Bioenergia, que marcou o lançamento do Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), na quinta-feira (03/07), na sede da Fundação.
O programa destinará inicialmente R$ 73 milhões por meio de quatro chamadas de propostas, que foram lançadas no mesmo dia e pretendem estimular atividades de pesquisa e desenvolvimento em áreas relacionadas à produção do bioenergia no Brasil.
Segundo Marie-Anne, que na ocasião apresentou a palestra Desafios da genômica em cana-de-açúcar, o conhecimento dessas diferenças no genoma dos organismos é um dos grandes desafios para o melhoramento genético da cana-de-açúcar.
“Sabemos que a cana compartilha genes com o arroz e com o milho, dividindo conjuntos de genes de famílias específicas. Nosso interesse é saber quais são esses genes em particular, levando em conta que o genoma da cana apresenta 43 mil genes possíveis, ou seqüências expressas que caracterizam genes fundamentais”, apontou.
Marie-Anne explicou que, para estudar genes associados com atividades específicas nos organismos vivos, é necessário entender as seqüências repetitivas e sem utilidade aparente chamadas de “DNA lixo”.
“Por estar espalhado por todo o código genético da cana, o DNA lixo serve como base para entendermos a estrutura do seu genoma. Hoje sabemos que 13% dos 43 mil genes da cana têm função desconhecida, enquanto 81% são parecidos com os do arroz, que também tem em torno de 40 mil genes. O que faz a cana tão diferente do arroz, no que se refere a quais e aonde os genes são expressos, por exemplo, é algo a ser descoberto nos próximos anos”, conta.
R570 no alvo
A professora disse que, em um primeiro momento, os cientistas envolvidos com o Programa BIOEN deverão seqüenciar a variedade R570, uma cultivar tida como modelo em todo o mundo para o melhoramento genético da cana-de-açúcar.
“No âmbito do BIOEN a idéia é seqüenciar, nos próximos quatro anos, mil pedaços lineares do genoma da cana que tenham regiões de interesse para o programa, entre os quais genes associados com produção aumentada de sacarose e com a resistência e a tolerância à seca”, disse Marie-Anne à Agência FAPESP.
“Serão aproximadamente 300 pedaços seqüenciados da variedade R570 e outros 700 de cultivares brasileiros. Com o tratamento dessas informações definiremos a maneira mais eficiente para mapear, em uma segunda etapa, o genoma completo, trabalho que deverá demorar cerca de oito anos”, indicou.
Sabe-se que cada um dos mil pedaços lineares do genoma da variedade tem entre 100 mil e 150 mil pares de bases. Dois seqüenciadores de nova geração serão utilizados em conjunto para esses estudos, um instalado no Instituto de Biociências e outro no Instituto de Química, ambos da USP.
“O objetivo é identificar as regiões promotoras e variantes que controlam as expressões gênicas, reconhecer os padrões de diversidade genética para apoiar os programas de melhoramento e entender os padrões que definem as espécies, de modo a sabermos por que a cana não é arroz nem sorgo, por exemplo”, disse Marie-Annne.
Considerando que o Brasil e, em particular, o Estado de São Paulo, tem respondido, nas últimas décadas, por até 25% da produção mundial de conhecimento na área de genômica de cana-de-açúcar, Marie-Anne disse que com o lançamento do programa BIOEN-FAPESP o país deverá solidificar essa base científica de excelência. “Esse é o momento de consolidarmos os grupos de pesquisa do país a fim de mantermos essa posição de destaque”, destacou.
O Workshop Fapesp sobre Pesquisa em Bioenergia teve também palestras de Glaucia Souza, do Instituto de Química da USP, que apresentou o programa BIOEN, Anette Pereira de Souza, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas, que falou sobre “Estratégias para melhoramento genético da cana-de-açúcar”, e de Marcos Buckeridge, do IB-USP, sobre “Respostas da cana-de-açúcar às mudanças climáticas e as perspectivas para a produção de etanol celulósico”.
Falaram ainda diretores tecnológicos das empresas Dedini, Oxiteno e Braskem, além Marco Aurélio Pinheiro Lima, do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) , Nilson Zaramella Boeta, do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e Luiz Barbosa Cortez, da Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais da Unicamp.
(Por Thiago Romero, Agência Fapesp, 04/07/2008)