Mais de 500.000 toneladas de fezes sem tratamento adequado são lançadas diariamente ao ambiente no mundo todo. Isso é bastante para encher, por exemplo, um estádio de futebol, como o de Genebra com 30 mil lugares, onde acontece a Eurocopa 2008. Mas a crise global do saneamento não é um simples jogo de futebol: A poluição ambiental pela falta de tratamento do esgoto está muito acima do que os seres humanos podem suportar. Fornecer serviços sanitários dignos e proteger o ambiente seria uma combinação triunfante para as pessoas e para o Planeta, afirmou o Jon Lane, Diretor-Executivo do Conselho de Colaboração para o Fornecimento de Água e Saneamento (Water Supply and Sanitation Collaborative Council - WSSCC).
“Todos os anos, mais de 200 milhões de toneladas de fezes humanas são lançadas sem tratamento adequado em todo o mundo, contaminando o ambiente e expondo milhões de pessoas a doenças e à sujeira. Neste ano, celebrando o Dia Mundial do Meio Ambiente de 2008, quando já transcorreu meio caminho do Ano Internacional do Saneamento, o WSSCC está conclamando governos e sociedade civil ao redor do mundo a acelerarem as iniciativas com a finalidade de minimizar e, se possível, eliminar esta catástrofe humana e ambiental”, acrescentou Jon Lane.
Fazer isso não requer colossais somas de dinheiro nem de extraordinárias descobertas científicas. Usando o que existe, aproveitando as tecnologias já conhecidas, e aplicando aproximadamente US$ 10 bilhões por ano – que é menos do 1% da despesa militar global - o mundo poderia atingir a meta do saneamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Com financiamento apropriado, ao redor de 2015 conseguiríamos reduzir até a metade a proporção de pessoas sem acesso sustentável ao saneamento básico. E, aproximadamente dez anos depois, todos poderiam ter um serviço sanitário adequado para usar. Conseguir o saneamento universal significa suprir de banheiros para 2.6 bilhões de pessoas pobres que hoje não dispõem deles.
Essa tarefa deve ser realizada através de um enérgico trabalho in loco, fornecendo às populações marginalizadas informações simples sobre a importância dos banheiros para a saúde e a qualidade de vida. “Para atingir isso, é necessário contar com lideranças fortes em todos os níveis”, esclareceu Lane.
Banheiros, facilidades de água para serviços de lavanderia, remoção do lixo, eliminação do esgoto, drenagem da água de chuva: estes serviços do saneamento são um pré-requisito para ambientes limpos, lares saudáveis e espaços de convivência das comunidades, com destaque para as áreas densamente povoadas. Os serviços de saneamento são também vitais para proteger mais amplamente os ecossistemas, especialmente a qualidade dos recursos hídricos. Evidentemente que os investimentos financeiros são inversamente mais caros nos lugares onde os serviços do saneamento faltam na sua totalidade.
Os custos da poluição hídrica resultantes do saneamento insuficiente, por exemplo, no Sudeste Asiático somam mais de 2 bilhões de dólares ao ano; na Indonésia e no Vietnam se adicionam os custos ambientais de mais de 200 milhões de dólares anuais por causa da perda da terra produtiva e isso acontece, também, em muitos países da América Latina.
Um ambiente saudável depende de bons serviços sanitários
Em inúmeros estabelecimentos informais através do globo, a crise do saneamento é sentida agudamente. Como nesses lugares não existe uma maneira segura de disposição do esgoto ou de lixo, mais de um bilhão moradores das favelas em todo o mundo devem recorrer a simples latrinas em espaços ao ar livre e a despejar o lixo em espaços públicos. Esta situação não é limitada aos estabelecimentos urbanos; em subúrbios pobres das grandes cidades, também é um problema em pequenas cidades, em vilas e em estabelecimentos suburbanos tornando a região um ambiente público cheio de desperdícios.
Os índices das latrinas e dos poços, mesmo das fossas assépticas, revelam que os esgotos são esvaziados freqüentemente nas ruas. Um estudo recente realizado na Indonésia, por exemplo, revela que aproximadamente uma em dez pessoas está exposta aos esgotos a céu aberto e mais de quatro em dez não têm locais para defecação.
Essa situação se multiplica em muitos países Andinos, da América Central, do Sul e do Caribe. A falta de saneamento gera um entorno hospedeiro de insetos, micróbios e roedores outros transmissores de patógenos perigosos para a saúde, além de deixar uma paisagem visual fedorenta e desagradável.
Imagine uma comunidade de 10.000 habitantes e que 30% deles pratiquem a defecação a céu aberto. Se cada pessoa produz 150 gramas de fezes por dia, a quantidade de detritos resultaria em 450 toneladas diárias ou mais de 3 toneladas por semana, um equivalente a 100 caminhões de cheios de excremento humano depositado na comunidade. Viver num ambiente de sujeira prejudica a saúde física e psicológica; apresenta freqüentemente desafios aos empregos e aprofunda a pobreza humana. Um ambiente vivo saudável, coerente com a dignidade humana e livre de agentes transmissores de doenças, é impossível sem dispor de serviços do saneamento. Bons serviços sanitários são fundamentais para a sustentabilidade ambiental.
Os detritos humanos penetram nas camadas freáticas por causa de uma eliminação inadequada que não conta com tubulações de esgoto, nem biodigestores anaeróbicos. Aproximadamente, 90% do esgoto no mundo todo são descarregados sem tratamento em rios, poluindo os cursos de água e matando plantas e peixes. Somente no Sudeste Asiático, 13 milhões de toneladas de fezes são lançadas às fontes de água internas todos os anos, junto com 122 milhões de metros cúbicos de urina e 11 bilhões metros cúbicos de águas contaminadas geradas pelas das indústrias e dos usuários domésticos. Isto apresenta uma das principais ameaças à saúde, às pessoas que vivem em torno de córregos e de poços para extrair água para beber; também é um perigo econômico para aquelas pessoas que dependem dos rios para obter seus meios de subsistência com a pesca artesanal. Os usuários dos rios a montante encontram uma água da qualidade melhor, visto que os usuários a jusante recebem o esgoto e se “afundam nele”.
Reuso dos desperdícios gera benefícios
O saneamento básico requer uma escala de ações, mas para se dispor de um ambiente saudável nas comunidades pobres do mundo a prioridade é o tratamento adequado das excretas. O esgoto tratado pode gerar benefícios econômicos; por isso, a gestão dos desperdícios deve ser considerada como uma opção. Os resíduos humanos agora podem ser tratados com tecnologias ecológicas que empregam os nutrientes como matéria-prima. A biodigestão anaeróbica pode produzir biogás para gerar energia ou compostagem para fertilizante. Hoje, na China, por exemplo, 90% das excretas humanas são usadas na agricultura; o problema é se certificar de que as fezes não sejam depositadas cruas sobre as lavouras.
Para reforçar o esforço de esclarecer as populações marginalizadas, a iniciativa da ONU de enviar mensagens-chaves sobre saneamento, elaborada pela “Força-Tarefa em Saneamento” da Divisão ONU-Água, entre outras ações, preparou um jogo de para ser distribuído entre os estudantes das escolas primárias e secundárias em várias línguas. Os membros da Força-Tarefa são: o PNUMA, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Programa Água e Saneamento (WSP), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-HABITAT), a Universidade das Nações Unidas (UNU), e o WSSCC.
O Water Supply and Sanitation Collaborative Council (WSSCC) é uma organização global de múltiplos parceiros, interessada no trabalho voltado para melhoria da vida das pessoas mais pobres. O WSSCC realça a colaboração entre agências e profissionais do setor em torno ao saneamento e às fonte d’água e contribui para conquistar os objetivos mais ambiciosos da erradicação da pobreza, a saúde ambiental, a igualdade de gênero e o desenvolvimento social e econômico em longo prazo. Com membros localizados em mais de 80 países, o WSSCC tem a legitimidade e a flexibilidade de uma ONG, sendo seu anfitrião institucional a Organização Mundial da Saúde, fato que adiciona a credibilidade das Nações Unidas ao trabalho do WSSCC.
Através do Networking & Knowledge Management, Advocacy & Communications e do Global Sanitation Fund, o WSSCC está na frente do conhecimento, do debate e da influência no campo da engenharia sanitária, “sempre apoiado no inseparável tripé da qualidade de vida: água, saneamento e saúde pública para todos; a famosa sigla em inglês: WASH (Water, Sanitation and Hygiene)”, finaliza Jon Lane.
(Por David Trouba, WSSCC, Envolverde, 03/07/2008)