O seminário Cidadania Quilombola realizado em Registro (SP) em 27 de junho avaliou as atividades do projeto Balcão de Direitos e concluiu que o direito à terra vem sendo constantemente ameaçado por tentativas de derrubar o decreto que regulamenta esse processo e por conflitos com fazendeiros e posseiros, além da sobreposição com parques estaduais.
Aberto ao público, mas voltado prioritariamente à representantes de comunidades quilombolas do Vale do Ribeira, o seminário Cidadania Quilombola realizado no Centro de Pastoral, em Registro, em 27/6, foi promovido em parceria pelo ISA, Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone) e apoio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Presidência da República, e Ajuda da Igreja da Noruega (AIN/ OD).
Cerca de 60 representantes de comunidades quilombolas participaram do evento, e além daquelas parceiras do ISA, também estiveram representadas as comunidades quilombolas Pedra Preta, Ribeirão Grande, Reginaldo e Cedro do município de Barra do Turvo; Aldeia, do município de Iguape; Taquari, Santa Maria, Ex-Colônia Velha e Itapitangui do município de Cananéia; Jurumirim do município de Iporanga e Bananal Pequeno e Abrobral, do município de Eldorado. No seminário, foram distribuídos exemplares da Cartilha Cidadania Quilombola, publicação que pretende esclarecer as dúvidas mais freqüentes em relação aos direitos individuais e coletivos das comunidades remanescentes de quilombos.
A primeira parte do seminário foi dedicada ao relato das atividades realizadas pelo Projeto Balcão de Direitos no período de sua execução - junho de 2007 a junho de 2008. A apresentação reuniu os temas Recursos Hídricos, Desenvolvimento Sustentável, Patrimônio Histórico e Cultural, Gestão Associativa e titulação dos Territórios. Os participantes levantaram expressiva quantidade de dúvidas e posicões sobre a defesa do Patrimônio Histórico e Cultural quilombola, destacando o Rio Ribeira de Iguape como referência à identidade e memória de comunidades remanescentes de quilombos.
Após os trabalhos em grupo para avaliação e sugestões de políticas públicas, os participantes destacaam a necessidade de o poder público se fazer mais presente na região, assim como apoiar a cultura tradicional e esclarecer melhor a função dos planos de manejo e os critérios para a realização de atividades envolvendo os recursos naturais em unidades de conservação, em especial na Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS).
Comunidades quilombolas e direitos ameaçados
A segunda parte foi dedicada ao debate “Ações para Titulação e Defesa dos Territórios” e teve a participação da advogada Michael Mary Nolan, Carlos Henrique Gomes, do Instituto de Terras de São Paulo (Itesp) e Homero Martins, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Eles falaram sobre os desafios impostos pela legislação aplicável à titulação de terras remanescentes de quilombos, confirmando as previsões de que este direito atravessa seu pior momento, desde aos ataques da mídia, na forma de reportagens contrárias à titulação, passando pelas propostas legislativas de anulação dos efeitos do Decreto nº 4887/2003, que regulamenta o processo de titulação.
Por sua vez, o Incra também passa por um momento de incerteza, já que, de acordo com o antropólogo Homero Martins, a nova instrução normativa que disciplinará o procedimento de titulação encontra-se em discussão na Advocacia Geral da União (AGU). E não há segurança de que as propostas colocadas pelas comunidades quilombolas em consulta prévia realizada entre a AGU e a Conaq (Coordenação Nacional Quilombola) sejam incorporadas ao novo texto. “O próprio Incra não tem informações quanto ao seu trâmite”, disse.
Neste clima de incertezas, comunidades quilombolas seguem enfrentando conflitos com posseiros e proprietários de terras. Representantes da comunidade Porto Velho lembraram que o laudo antropológico realizado pelo Itesp para a demarcação e titulação da área é de julho de 2003. Na época do estudo o conflito já existia. Passados cinco anos e cinco ações judiciais em andamento na Justiça Federal, pouco avançou o processo de titulação e continua a venda de áreas para plantação de pinus. A comunidade está desacreditada e sem segurança para tocar seus projetos de desenvolvimento.
Nessa linha, o Itesp busca avançar na titulação de áreas onde predominam terras devolutas, demonstrando uma falta de entrosamento com o Incra em detrimento dos processos de titulações das terras onde há conflitos com proprietários e posseiros, estando nesta situação as comunidades Morro Seco, Porto Velho, Cangume, Pedro Cubas de Cima, André Lopes, Nhunguara, entre outras. E além dos conflitos com particulares há comunidades que esperam do próprio Estado de São Paulo a solução para um antigo problema que são as sobreposições em áreas de parques estaduais, estando nesta situação as comunidades de Bombas e Ribeirão que enfrentam o debate sobre a desafetação de suas terras, inseridas no Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), e as comunidades de Barra do Turvo, que aguardam a conclusão do processo de desapropriação da fazenda Itaóca, para enfim poderem receber o titulo definitivo de suas terras.
(Por Luciana Bedeschi, ISA, 03/07/2008)