O Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Yekuana, reunido em Boa Vista (RR), entre 28/6 e 1º/7, voltou a denunciar o sucateamento de equipamentos e a falta de medicamentos entre outros problemas. Os conselheiros cobraram o afastamento dos funcionários presos em outubro de 2007 por corrupção e rejeitaram o repasse de verbas via municípios.
A X Reunião do Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Yekuana (Condisi-Y) teve início com a leitura de uma carta da Hutukara - Associação Yanomami, endereçada ao coordenador regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Marcelo de Lima Lopes, na qual os Yanomami pedem o afastamento imediato dos funcionários presos na Operação Metástase, que em outubro de 2007 desbaratou um esquema de desvio de dinheiro do órgão. A carta está reproduzida no final do texto e foi assinada também pelo Conselho e seus conselheiros e pela Ayrca.
Estavam envolvidos no esquema, entre outros, o então coordenador regional em RR, Ramiro Teixeira, e o ex-chefe do Dsei-Y, Eurico de Vasconcelos Filho, que permanecem nos quadros da instituição. Além do afastamento imediato, os Yanomami cobram a conclusão do processo administrativo disciplinar, aberto em março de 2008 contra essas pessoas, uma decisão definitiva da justiça e, sobretudo, a devolução do dinheiro desviado Apesar das evidências de corrupção, Marcelo Lopes respondeu aos Yanomami afirmando que, enquanto não forem condenados pela justiça, os dois investigados permanecerão trabalhando na instituição. Saiba mais.
As falas dos conselheiros das 23 regiões que compõem o Dsei, que reúne os povos indígenas Yanomami e Yekuana, foram de concordância em relação ao documento da Hutukara. Todos chamaram a atenção para o sucateamento dos equipamentos e a total falta de remédios em todas as regiões daquela Terra Indígena. Longe de ser uma novidade, essa situação vem sendo denunciada pelos Yanomami e seus parceiros desde 2004, quando mudanças na política de atendimento à saúde indígena foram implementadas, reduzindo a autonomia das conveniadas e repassando os recursos destinados à compra de medicamentos e insumos diretamente à Funasa. Segundo eles, não há equipamentos para nebulização, os motores de popa e geradores estão quebrados, os poucos remédios, vencidos, não há rede de radiofonia e os postos de atendimento ameaçam cair sobre os doentes. Os conselheiros denunciaram ainda que tem havido mortes, especialmente de crianças, por falta de atendimento, e reclamaram da falta de efetividade das ações e direcionamentos compactuados nas reuniões anteriores do Condisi-Y.
Política enganosa
Raimundo Yekuana chamou a atenção para o excesso de remoções, que tem causado problemas na Casa de Saúde Indígena (Casai), e Carlos Sanumá concordou ao recusar o argumento da falta de recursos, uma vez que o dinheiro gasto com horas de vôo para o transporte de doentes é muito maior que o necessário para a compra de medicamentos. A redução de remoções foi a sugestão de Roberto Pirisitheri, da região do Surucucus. Ele afirmou que os doentes sofrem muito na Casai e mostrou-se preocupado com o grande número de casos de DSTs e tuberculose, que não estão sendo tratados.
Para Rogério Abruweitheri, da região do Padauiri, os problemas são antigos, e decorrem da política enganosa da Funasa. Antônio Paquetari foi na mesma direção, reclamando da falta de transparência na instituição e da ausência prestações de conta e de esclarecimentos sobre sua política. Por sua vez, Samuel Yanomami reclamou que a hierarquia da Funasa mantém sempre as mesmas pessoas, que não resolvem os problemas e ignoram as decisões do conselho.
Os representantes da região do Baixo Mucajai, Fanor e Ivanildo Xiriana, disseram que a situação em sua região é tão calamitosa que os profissionais de saúde cozinham ao ar livre com panelas emprestadas pela comunidade.
Da região do rio Toototopi, o conselheiro Gerson Blene reclamou da falta de capacitação para Agentes Indígenas de Saúde, e denunciou que os microscopistas Yanomami têm sido obrigados a ministrar medicamentos sem preparo técnico para isso. Em sua opinião, os profissionais de saúde raramente ficam nas aldeias, interrompendo tratamentos e causando mortes por falta de atendimento.
Por fim, João Davi Maraxi, presidente do Condisi e conselheiro da região do Paapiu Novo, chamou a atenção para o fato de que a Funasa acessa milhões de reais do governo federal em nome dos Yanomami, e perguntou diretamente: “quem é o ladrão?”.
Repasse por meio dos municípios
Os conselheiros discutiram também a Portaria nº 2.656, que versa sobre o repasse de recursos à saúde indígena via municípios. Preocupados com a corrupção e cientes de que o problema do Dsei-Y não é falta de recursos, mas má gestão dos cerca de R$ 30 milhões disponíveis anualmente entre recursos de aplicação direta da Funasa e disponibilizados às conveniadas, os Yanomami se posicionaram radicalmente contra a Portaria Todos os 23 conselheiros reforçaram o argumento apresentado na carta da Hutukara e, insatisfeitos com os rumos da política de atendimento à saúde indígena, exigiram o respeito à Convenção 169 da OIT, que garante a participação das populações indígenas em políticas públicas com impacto direto em suas vidas. Como não têm título de eleitor, temem que a responsabilidade sobre o atendimento seja fragmentada entre os municípios, dificultando a fiscalização sobre a aplicação dos recursos e a cobrança sobre os resultados.
Além disso, os conselheiros temem que prefeituras, declaradamente anti-indígenas, se apossem dos recursos destinados à saúde dos índios. Reclamam da distância dos municípios, que não têm nenhuma relação com o dia-a-dia na Terra Indígena. Para eles, a solução é o aumento e a consolidação da autonomia dos distritos sanitários, permitindo assim a gestão direta sobre os recursos e a resolução rápida dos problemas que afligem os Yanomami.
Participaram da reunião, além dos conselheiros, representantes das quatro organizações conveniadas que atuam na Terra Indígena Yanomami, servidores da Funasa, representantes das Forças Armadas e observadores de diversas instituições.
Carta aberta ao senhor Coordenador da Funasa/Roraima Marcelo Lima Lopes
Prezado Senhor Coordenador Marcelo Lopes,
Nós Conselheiros Yanomami estamos reunidos aqui na sede da Hutukara, para discutir a atual situação do DSEI-Yanomami, durante esta reunião conversamos e pensamos sobre muitos problemas, decidimos começar a organizar nosso Distrito de Saúde, achamos vocês tem demorado muito para tomar providencias e se organizarem.
Para começar, pedimos a Funasa que afastem os funcionários envolvidos na Operação Metástase, decidimos que eles não devem continuar trabalhando de novo, no DSEI – Yanomami, já sabemos que estes funcionários só se importa com o nosso dinheiro. Também queremos saber quando vai ser concluído o Processo Administrativo Disciplinar aberto em Março contra estes funcionários, nós ainda lembramos da Operação Metástase, estes funcionários roubavam nosso dinheiro, enquanto nossas crianças morriam de malária e outras doenças. Nós Conselheiros, ainda não recebemos a decisão da justiça, e o nosso dinheiro também não voltou, por isso vamos continuar pensando, nós não gostamos de lembrar dos parentes falecidos, mas avisamos que não vamos esquecer o motivo do falecimento deles.
Os pólos-base precisam ser reestruturados, não podemos continuar com postos de saúde, mantidos apenas pela nossa força de vontade, com ajuda de alguns funcionários. Não ter medicamentos e equipamentos básicos, como bomba para nebolizador, microscópio, aparelhos para refrigeração de medicamentos assim como outros insumos básicos, enfraquece muito o atendimento de saúde na floresta. Estes remédios comprados em Brasília estão chegando atrasado e em pouca quantidade nas aldeias. Os postos hoje não funcionam bem, mas nós já tivemos os melhores postos da saúde indígenas do Brasil. O que esta acontecendo?
Agora a Funasa diz que precisa buscar dinheiro nos Municípios, para estruturar nossos postos. Não concordamos com isso. Não queremos que a FUNASA faça convênios com prefeituras, também não queremos que o Distrito engane os Yanomami para aceitar esses Convênios. Não conhecemos os Prefeitos, e as prefeituras estão muito longe de nossas Terras. É melhor para os Yanomami, a autonomia do próprio Distrito, com o acompanhamento verdadeiro do Conselho Distrital. Pensamos também que a Funasa não respeitou a lei da OIT com essa Portaria, porque não fez consulta aos Yanomami, para podermos decidir sabendo bem do que se trata?
O que vocês devem fazer, é cumprir com apóio prometido as conveniadas, para que elas possam trabalhar seriamente na assistências de saúde na Terra Yanomami. O dinheiro que temos no distrito hoje é o bastante, precisamos somente usar melhor nosso recursos. Devemos comprar com urgência os medicamentos e equipamentos para começar a levantar novamente nossos postos. Vocês dizem que não tem dinheiro suficiente, mais nós não sabemos, porque vocês nunca entregam as prestações de conta ao Conselho fiscal.
Precisamos de soluções urgente, pois essa situação não pode continuar. Os Yanomami não podem continuar esperando enquanto vocês buscam solução. Esperamos que o senhor, resolva o mais rápido possível esses problemas da assistência à saúde na Terra Yanomami. Queremos continuar vivos, com saúde, também esperamos que as futuras gerações possam viver bem e saudável.
Cordialmente,
Presidente do CONDSEI-Y – Secretário do CONDSEI-Y - Hutukara – Ayrca -
Conselheiros:
(Por Rogério Duarte do Pateo, ISA, 03/07/2008)