Aumento de peixes em reservas se espalha por outras regiões vizinhas, especialmente se há conexão de recifesSe os biomas terrestres sofrem com a falta de projetos de conservação, os marinhos estão ainda mais desprotegidos. Somente 0,44% dos ecossistemas costeiros são guardados por unidades de conservação, o que deixa o espaço aberto para a pesca predatória e coloca em risco a frágil biodiversidade local. Agora um estudo mostra que o inverso também é realidade: a existência de áreas marinhas protegidas pode beneficiar a pesca comercial, desde que feita de modo sustentável.
O trabalho, conduzido por uma dupla de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da ONG Conservação Internacional (CI), investigou este efeito nas comunidades de peixes no litoral da Bahia.
Após cinco anos acompanhando essas populações no Parque Nacional de Abrolhos (que tem proteção total), na Reserva Extrativista (Resex) de Corumbau (proteção parcial) e em áreas desprotegidas na região, eles observaram que nas duas primeiras, e imediações, houve recuperação dos estoques de espécies comercialmente importantes. Já nas áreas não protegidas avaliadas no trabalho, as populações se mantiveram constantemente baixas.
"A biomassa do badejo quadrado, por exemplo, aumentou em 30 vezes no período tanto no parque quanto na reserva", afirma o biólogo Ronaldo Bastos Francini Filho, da UFBA, um dos autores do trabalho publicado na edição online da revista Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems.
Sem a pesca, os peixes conseguem aumentar suas populações a tal ponto que os adultos começam a migrar para áreas além da zona protegida, mesmo que a pequenas distâncias. Esse espalhamento ocorre de modo mais expressivo quando os recifes de corais das áreas protegidas, onde os peixes se abrigam, estão conectados com outros recifes do lado sem proteção. Este é o caso de Corumbau. Lá a comunidade de pescadores viu o estoque pesqueiro crescer com essa transição entre a área protegida e a zona onde a pesca é permitida.
Outra espécie que teve crescimento populacional foi o budião-azul, que aumentou em cinco vezes na reserva de Corumbau. Além de importante comercialmente, este peixe é fundamental para o bom funcionamento dos recifes de coral. Herbívoro, ele se alimenta de algas que vivem na superfície dos recifes, mantendo-as em equilíbrio. Sem predadores, elas crescem em excesso e acabam matando os corais na competição por espaço.
"Só que, sem os corais, o recife pára de crescer. E é na estrutura complexa que peixes, crustáceos e outras espécies buscam refúgio. Em última instância, um recife sobrealgado (com alga demais) não tem peixe", explica Francini Filho. É um ciclo, é preciso ter peixe para poder ter mais peixe. O que faz com que as áreas marinhas protegidas possam ser encaradas tanto como mecanismo de conservação da biodiversidade quanto ferramenta de gestão costeira.
"Mas defendemos neste trabalho que elas não devem ser vistas como tábua de salvação para o problema dos ecossistemas costeiros. São necessárias outras formas de manejo do lado de fora das áreas protegidas para impedir sua degradação, como o controle da pesca e a melhoria da qualidade da água despejada no oceano", afirma Rodrigo Leão de Moura, biólogo do Programa Marinho da CI e co-autor do estudo.
Isso porque o sistema é todo conectado, lembra o pesquisador, que defende redes de áreas marinhas preservadas. "Algumas espécies que vivem protegidas em Abrolhos dependem do estuário para se reproduzir. Os adultos estão garantidos, mas os jovens vivem nos mangues, e esses estão sendo destruídos para virar fazenda de camarão."
Ele cita como exemplo o caso do mero, um dos maiores peixes da costa brasileira e também um dos mais ameaçados. Os jovens vivem no estuário, em áreas desprovidas de qualquer proteção. "A situação é dramática. Ao longo de todo o trabalho registramos somente dois indivíduos", afirma Moura.
(Por Giovana Girardi,
Estadão, 02/07/2008)