SÃO PAULO - Depois de perder quase 93% de sua cobertura original, a mata atlântica vê o pouco que resta da sua vegetação ser ameaçada pela extração seletiva, não visível pelos métodos de monitoramento. O Atlas dos Remanescentes Florestais, divulgado em maio pela Fundação SOS Mata Atlântica, só consegue enxergar clareiras de, no mínimo, 3 hectares abertas em meio à mata. "Mas sabemos que a maior parte da agressão ocorre em áreas menores do que isso, principalmente para retirar palmito juçara, xaxins e bromélias", diz a diretora da ONG, Marcia Hirota.
Segundo ela, essa interferência é o maior desafio hoje para a preservação dos remanescentes da mata, visto que a maior parte deles está nas mãos de proprietários particulares. "Sabemos que a exploração dá dinheiro, por isso temos defendido o uso de incentivos financeiros para manter a floresta em pé, como o ICMS ecológico", diz.
A idéia é reverter uma parte do imposto para quem não desmata. Em alguns Estados, o município que tem área verde já recebe uma parcela do imposto. O Paraná está mais avançado e reverte o ganho também para os proprietários.
No total, o atlas apontou que, entre 2000 e 2005, houve uma redução de 69% na taxa de desmatamento da mata atlântica, em comparação com o período anterior. Mas, entre 2005 e 2007, o ritmo de derrubadas voltou a crescer. Três cidades em Santa Catarina (Mafra, Itaiópolis e Santa Cecília) foram as campeãs de desmatamento no período. Lá a mata está sendo substituída por florestas de pinus para abastecer a indústria de papel.
Em São Paulo, a principal ameaça vem dos empreendimentos imobiliários no litoral norte. "Todo mundo quer construir onde tem floresta para oferecer a vegetação nativa como atrativo para os turistas. Um paradoxo, porque estão destruindo parte da mata para instalar o imóvel", critica Marcia.
De acordo com o levantamento, restam hoje 97.596 km2 da mata ao longo de 16 Estados. Este número contabiliza somente os trechos com mais de cem hectares. Entretanto, a fragmentação da floresta é muito mais intensa, com a ocorrência de vários remanescentes pequenos. A somatória de todos os polígonos com mais de 3 ha eleva a área total para 142.472 km2, o equivalente a 10,6% da floresta original.
Corredores
O maior problema dessa divisão em milhares de pedacinhos é que eles não são capazes de manter a biodiversidade da fauna da mata atlântica. Animais de grande porte, como as jaguatiricas, precisam de quilômetros para se locomover, alimentar e reproduzir. Os macacos pequenos, como o mico-leão dourado, também têm uma dinâmica familiar que necessita de espaços amplos.
Há pouco mais de dez anos foi lançada uma iniciativa de interligar essas regiões por meio de corredores ecológicos. Foram escolhidas três grandes regiões que concentram a maior quantidade de espécies endêmicas e também aquelas que estão mais ameaçadas. O sul da Bahia, o Espírito Santo e pequenas áreas do leste de Minas formam o corredor central; entre Alagoas e Rio Grande do Norte foi estabelecido o corredor do Nordeste; e entre Rio, São Paulo e Minas foi composto o corredor da Serra do Mar.
"As unidades de conservação são a vértebra desses corredores, então nos primeiros anos de atuação estivemos preocupados em fortalecer essas áreas e o seu entorno. Agora estamos começando a conectar esses pontos. Nossa intenção é duplicar ou triplicar a mata", explica o diretor do Programa Mata Atlântica da Conservação Internacional, Luiz Paulo Pinto. O problema é o custo disso, cerca de R$ 6 mil por hectare, e o fornecimento de mudas, que não estão disponíveis. "Fizemos um pacto entre as ONGs e outros setores para cuidar de tudo, mas ainda vai levar uns dez anos para ter cara de floresta", diz o diretor.
(Por Giovana Girardi, Estadão, 02/07/2008)